Tecnologia

O gelo do Ártico está derretendo, e isso é má notícia pra todo mundo

'Isso se encaixa exatamente nas nossas expectativas para mudanças climáticas de longo prazo.'
Greenland melt
Imagem: NASA.

Nos próximos dias, a Groelândia deve torrar enquanto o sistema do clima que abasteceu a segunda onda de calor recorde da Europa do verão segue para o norte e oeste. Cientistas estão alertando sobre o que pode ser um derretimento recorde na superfície de gelo do norte, o que também pode ter um impacto no gelo do mar cercando a ilha.

Essa é apenas a última manifestação da febre que está atacando o Ártico num ano onde o gelo do mar está quase atingindo os níveis mais baixos já registrados, e a Groelândia já suou com um grande evento de derretimento em junho. E se 2019 acabar sendo o ano recorde de todos os tempos de perda de gelo ártico na terra e mar – o que especialistas acreditam ser possível – anos de perda extrema de gelo como este são consistentes com um padrão de rápida transformação acontecendo no norte, provocada pelas mudanças climáticas causadas pelos humanos.

Publicidade

“Isso se encaixa exatamente nas nossas expectativas para mudanças climáticas de longo prazo”, disse Zack Labe, climatologista e candidato a PhD da Universidade da Califórnia Irvine, a Motherboard, falando das condições do gelo este ano.

A onda de calor atualmente afetando a Groelândia é cortesia dos mesmos padrões de clima que fizeram a Europa Ocidental experimentar o dia mais quente já registrado na quinta-feira – uma massa forte de ar de alta pressão associada com temperaturas amenas. O sistema climático migrou para a Escandinávia no final de semana, atingindo um recorde de calor no sul da Finlândia e fazendo vários lugares da Noruega experimentarem o que o serviço de meteorologia nacional descreveu como “noites tropicais” no final de semana.

Agora o clima quente está chegando ao oeste. Modelos de clima preveem que as temperaturas na Groelândia podem subir até 10 graus Celsius acima do normal na terça e quarta-feira, com calor intenso engolfando grandes partes do manto de gelo. Twila Moon, glaciologista do National Snow and Ice Data Center, disse a Motherboard que as previsões atuais sugerem que é provável que a Groelândia passe pelo segundo maior evento de derretimento em termos de extensão desde que o registro começou nos anos 1950.

Este ano já estava sendo triste para o gelo no Ártico. Ruth Mottram, glaciologista do Instituto Meteorológico Holandês, disse a Motherboard que a Groelândia teve um inverno seco incomum, significando menos neve se acumulando que o normal. Quando a temporada de derretimento do verão começou, a neve que se acumulou foi desaparecendo rapidamente, expondo gelo glacial descoberto. Gelo descoberto é mais escuro que neve, significando que sua refletividade, ou albedo, é mais baixa e absorve mais calor, o que acelera ainda mais o derretimento.

Publicidade

“Então é um feedback”, disse Mottram.

No meio de junho, uma onda de clima excepcionalmente quente desencadeou um evento de derretimento que envolveu quase metade do gelo da Groelândia no auge, algo muito incomum tão cedo no ano. Segundo o National Snow and Ice Data Center, cerca de 80 bilhões de toneladas de gelo se perderam durante o evento, de 11 a 20 de junho.

As perdas de gelo continuaram nesse ritmo em julho com o albedo e margens de manto de gelo, onde o derretimento é mais alto, passando para o território de baixa recorde. Mottram disse no domingo que a Groelândia perdeu 177 bilhões de toneladas de gelo este mês – muito acima do que os cientistas esperavam mesmo no auge do verão. E ela tinha “certeza que haveria derretimento elevado na Groelândia de novo” esta semana. Mas Mottram alertou que o sistema climático se aproximando vai trazer muita umidade, e neve nas maiores elevações pode contrabalancear algumas dessas perdas.

2012 atualmente tem os recordes de maior evento de derretimento individual e maior perda de gelo num único ano na Groelândia. Mesmo ainda sendo cedo para ter certeza, Moon disse que “se observarmos a extensão total do evento de derretimento que esperamos, estaremos no curso de ter uma perda de gelo que pode rivalizar ou até atingir um novo recorde” este ano.

O clima quente também pode ter impacto no gelo do oceano que ainda está perto da costa nordeste da Groelândia. Novamente, não tem muito gelo lá. Na verdade, o gelo marítimo pelo Oceano Ártico está nos níveis mais baixos já registrados agora, e na Groelândia, há uma chance disso eclipsar a maior baixa de todos os tempos de setembro de 2012.

Publicidade

Mark Serreze do National Snow and Ice Data Center disse a Motherboard que isso vai depender muito dos padrões climáticos no resto do verão. Mas, ele acrescentou, “todo dia que passa, continuamos vendo perdas recorde, então provavelmente vamos atingir um novo recorde de baixa”.

Batendo recordes ou não, as perdas de gelo no mar têm sido dramáticas este ano, particularmente no Mar de Laptev no norte da Rússia, e nos mares Beaufort e Chukchi no norte do Alasca, onde o gelo atualmente está num estado de “colapso”, como o climatologista Rick Thoman escreveu no Twitter. Labe estava preocupado com o que o estado do gelo no mar no Alasca poderia significar para o congelamento que ocorre todo outono.

“Fico pensando como isso vai afetar e atrasar o congelamento neste outono”, ele disse. “Há muita água aberta.”

Claro, o derretimento que está ocorrendo este ano, e o que aconteceu em 2012, podem ser eventos únicos. Como Labe apontou, esses picos são parte de um padrão de longo prazo de mudanças rápidas acontecendo no Ártico, onde as temperaturas estão subindo em cerca de o dobro da média global. E isso tem consequências para o planeta inteiro.

Perdas de gelo na Groelândia já causaram elevação do nível dos oceanos em cerca de 1,27 centímetro, e esse aumento está acelerando enquanto do gelo derrete mais rápido. Um estudo publicado em junho descobriu que se as emissões continuarem subindo na taxa presente, o derretimento na Groelândia pode aumentar o nível dos oceanos em até 30 centímetros no final do século. Se toda a Groelândia derreter, o nível nos oceanos pode subir cerca de 7 metros.

A perda de gelo no mar Ártico não contribui com a elevação dos níveis dos oceanos. Mas seu declínio dramático nos últimos 30 anos tem outros impactos, de aceleração da erosão costeira até perturbar atividades de caça e pesca de povos indígenas que dependem do gelo para alternar a cadeia alimentar ártica. E tem mais, enquanto superfícies reflexivas dão lugar a água mais escura nos oceanos, o Ártico está absorvendo mais energia do Sol, amplificando o aquecimento e acelerando o derretimento. Pode até haver ligações entre essa amplificação do derretimento do Ártico e as correntes de jatos que podem influenciar padrões do clima mais ao sul.

O que acontecer com o gelo do Ártico – esta semana, este ano e nas próximas décadas – será sentido muito além de suas costas em recuo.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.