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A terceira revolução industrial

Como conseguir o futuro que queremos

Em 'A Terceira Revolução Industrial', Jeremy Rifkin detalha um novo plano de infraestrutura que vai mudar a economia global. Mas como superamos nossos problemas atuais?
Crédito: Nathan Bajar

Mês passado, durante o discurso do Estado da União, Donald Trump propôs um investimento de 1,5 trilhão em infraestrutura que deveria visar restaurar pontes, estradas e melhorar os sistemas de telecomunicações por todo os EUA. Apesar de ainda não sabermos as especificidades do acordo, o debate político sobre uma nova era de gastos sustentáveis com infraestrutura se focou principalmente em quem vai pagar por isso, não o que realmente vamos construir.

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“O debate entre democratas e republicanos se centra em 'Isso vai ser pago pelo governo federal, local ou os governos estaduais? Isso vai favorecer a privatização ou manter a infraestrutura pública?' Esse é o debate”, me disse Jeremy Rifkin, um teórico social e econômico que já foi consultor oficial da União Europeia e China, numa entrevista por telefone recente. “O que está se perdendo é se Trump vai investir um trilhão e meio de dólares em infraestrutura antiquada pensada para o século 20.”

Rifkin é professor do programa de educação executiva na Escola de Administração Wharton da Universidade da Pensilvânia, e autor de uma série de livros que argumentam que os EUA e grande parte do mundo maximizaram as possibilidades econômicas e eficiências das nossas infraestruturas e sistemas econômicos existentes – e fazendo isso, caminhamos rapidamente para um precipício ambiental e para a possibilidade de um evento de extinção em massa. Em The Third Industrial Revolution, um livro e filme lançados recentemente pela VICE, Rifkin argumenta que investir em tecnologias emergentes deve ser combinado com um acordo social e político para transformar radicalmente a economia global e evitar as mudanças climáticas.

O ponto crucial do argumento de Rifkin é que a internet (e logo, a infraestrutura de comunicações 5G) nos dá uma infraestrutura de comunicação de margem de custo zero – distribuir uma cópia de uma matéria, música ou programa de TV não é tão dramaticamente diferente de distribuir um bilhão de cópias de cada – mas que nossas infraestruturas de transporte e energia não acompanharam isso. Ele descreve três “internets” – uma internet de comunicações, uma internet de energia e uma internet de transportes – que vão interromper ou descentralizar basicamente toda indústria da Terra e transformar economias nacionais que dependem dos ineficientes e caros combustíveis fósseis.

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“A convergência dessas internets vai nos dar custos baixos fixos e marginais e permitir lidar diretamente com a vida econômica e social”, ele disse. “E evitar as corporações globais verticalmente integradas do século 20.”

Rifkin já trabalhou com a Região Metropolitana de Roterdã e Haia, o Grão-Ducado de Luxemburgo e Hauts-de-France para produzir mapas sofisticados de 500 páginas dos tipos de mudanças tecnológicas, políticas, sociais e econômicas que serão necessárias para implementar seus planos. Esse planos falam da convergência de tecnologias e ideais que cobrimos há tempos aqui na Motherboard, e exploram o que pode acontecer se tecnologias nascentes conseguirem superar nossos problemas de crescimento atuais.

“A luta política dos millennials, de seus filhos e netos, será como vamos abordar esses problemas.”

Por exemplo, começamos a ver indivíduos, governos locais e pequenos grupos começarem a criar suas próprias redes de energia baseadas em energia solar e eólica. Se essas microrredes são de propriedade local e são usadas para dirigir carros elétricos sem motorista que rodam por redes de trânsito compartilhadas de propriedade local, ligadas a um sistema de contrato inteligente baseado em blockchain, você cria um sistema econômico que eventualmente vai custar basicamente nada para operar, assim que a estrutura subjacentes estiver pronta. Ao mesmo tempo, as tradicionais companhias de energia, de entrega, carros pessoais e sistemas bancários estarão sendo interrompidos e o poder político e econômico vai retornar para as comunidades locais e regionais.

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“Nada é mais político que passar de um poder centralizado que comanda o mundo e as políticas que acompanham isso para distribuir poder e energia limpa que podem ser compartilhadas”, disse Rifkin. “Isso e extremamente político. Há muitos [projetos nascentes], mas o que não aconteceu ainda é uma visão abrangente ou uma narrativa para aplicar todos juntos.”

Já vimos essas tecnologias funcionando em pesquisas, projetos-piloto e experimentos em alguns níveis em várias partes do mundo, mas Rifkin propõe investir tudo nos avanços de infraestrutura e tecnológicos necessários para nos levar lá o mais rápido possível.

“Não há revolução porque são todos projetos-piloto isolados que não foram aumentados”, disse Rifkin. “O que não fizemos é começar o processo de aplicar essa infraestrutura transformativa onde todos precisamos estar incorporados.”

Em The Third Industrial Revolution, Rifkin não pergunta e se essas tecnologias funcionarem; ele diz que se não funcionarem, ou se não entrarmos todos nessa, nossa dependência atual de energia suja vai nos matar cedo ou tarde.

Como alguém que acompanha muitas das tecnologias sobre as quais ele está falando em seus primeiros estágios de desenvolvimento, é emocionante ver alguém colocá-las juntas numa narrativa e visão coesas que podem mudar o mundo.

Mas também temos nossos problemas de crescimento e problemas primordiais com muitas dessas novas tecnologias: O começo da internet das coisas tem sido um desastre, com milhões sistemas de câmeras de segurança e babás eletrônicas cooptados num botnet para atacar as infraestruturas subjacentes da internet, uma nova era de consumismo associada com ciclos de atualização de produtos tradicionalmente duráveis como geladeiras e máquinas de lavar, e aparelhos inteligentes feitos por empresas que podem ou não falir nos próximos anos, matando os aparelhos com elas.

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As blockchains são cheias de promessas, mas criptomoedas são voláteis, minerá-las é extremamente ruim para o meio ambiente, e atualmente elas são ainda mais centralizadas que as moedas que elas foram pensadas para substituir (e, aliás, a tecnologia de blockchain promete criar, por exemplo, roupas que vão nos espionar).

Compartilhar corridas e carros sem motorista também são indústrias dominadas por empresas extremamente poderosas do Vale do Silício, que reescreveram unilateralmente ou ignoraram regulamentações pensadas para proteger humanos, e empresas como Uber, Google e Lyft ameaçam monopolizar indústrias que são a espinha da nossa economia e uma grande fonte de empregos há décadas.

Nossa infraestrutura de comunicação não é apenas não-competitiva, mas também existe num sistema regulatório onde provedores estabelecidos acabaram de matar a neutralidade das redes de que a maioria dessas tecnologias vão depender. Facebook, Google, Twitter e Apple estão cada vez mais monopolizando a maneira como consumimos informação, estão usando algorítimos para nos dividir em existências e planos de verdade paralelos, e estão constantemente trabalhando para obter ainda mais controle sobre suas plataformas e ecossistemas.

“O que aconteceria se os motoristas começassem a dizer 'Por que precisamos de Uber e Lyft?”

Para o plano de Rifkin funcionar, precisamos superar alguns desses problemas de crescimento e problemas políticos, sociais e econômicos enraizados. Rifkin diz que passou muito tempo pensando nesses problemas e diz que sabe que vamos precisar superá-los: “Não sou um utópico”, ele disse. “Só cautelosamente esperançoso. Não acho que nosso destino está selado, mas não acho que isso é uma utopia e também estou preocupado”.

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“Como garantimos que ninguém fique de fora quando todo mundo estiver conectado? Como garantimos que os governos não vão cooptar essa infraestrutura da terceira revolução industrial para seus próprios fins políticos, ou que companhias de internet não vão cooptar isso e capturar todos os nossos dados privados para construir monopólios? Como protegemos a segurança de dados quando vemos malwares interrompendo o sistema todo dia?”, disse Rifkin. “Como garantimos plataformas públicas que não sejam monopolizadas pelo Google, Facebook e Twitter?”

“Acho ingênuo pensar que os Googles, Facebooks e Alibabas da vida vão estar entre as poucas plataformas gerenciando o mundo.”

Claro, há luzes que apontam para um futuro onde podemos superar esses problemas; vale observar o que está começando a acontecer com corridas compartilhadas e infraestrutura da internet, onde muitas revoluções locais menores já estão em andamento. Comunidades locais estão começando seus próprios Ubers e seus próprios provedores de internet.

“O Uber disse: Vamos fazer um site legal, aí colocamos todos os donos de carro do mundo para trabalharem para nós”, ele disse. “Eles usaram uma plataforma distribuída, aberta e transparente com um custo marginal quase zero e transformaram numa empresa global financiada pela Goldman Sachs e Google. O que aconteceria se os motoristas começassem a dizer 'Por que precisamos de Uber e Lyft?' Vamos ver cooperativas de corridas compartilhadas emergirem ao redor desses motoristas, criadas regionalmente, conseguindo empréstimos bancários para isso, e a renda vai continuar circulando dentro da comunidade e da região.”

Resolver a desigualdade tecnológica não é problema de Rifkin, é nosso. Nos últimos anos, tem sido fácil ver a tecnologia como uma força que fez o mundo piorar. Mas essas tecnologias pelo menos nos fornecem um jeito plausível de sair da crise ambiental em que nos encontramos. A questão é se podemos fazer a tecnologia trabalhar para nós em vez de contra nós, se podemos fazer brotar a vontade política para criar um sistema mais progressista e igualitário.

“Acho ingênuo pensar que os Googles, Facebooks e Alibabas da vida vão estar entre as poucas plataformas gerenciando o mundo – olho para essas empresas e não acredito que os millennials vão permitir que haja apenas uma plataforma para logística, uma plataforma para comunicação, uma para entretenimento. Sabemos que existem alternativas”, disse Rifkin. “Acho que a luta política dos millennials, seus filhos e netos será como vamos abordar esses problemas.”

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