Greta Thunberg onstage at the United Nations.
Greta Thunberg na ONU, foto por JOHANNES EISELE/AFP/Getty.
Meio Ambiente

O que vi dentro do caos desesperado da Cúpula do Clima da ONU

Com prazos se esgotando rapidamente para trazer o aquecimento global a um nível tolerável, muitos líderes mundiais pareceram incapazes ou indispostos a agir.

As dezenas de líderes mundiais e executivos que discursaram sobre o aquecimento global na segunda-feira nas Nações Unidas fizeram seu showzinho de reconhecer quão séria é a emergência climática, sem realmente dar nome aos bois ou confrontar as maiores barreiras que nos impedem de consertar o problema.

Em vez disso, grandes nomes globais como o presidente francês Emmanuel Macron, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e a chanceler alemã Angela Merkel subiram no palco da Assembleia Geral da ONU em Nova York, e na maior parte só repetiram aqueles mesmos princípios inofensivos: as mudanças climáticas vão definitivamente acontecer. A hora de palavras vazias acabou. Precisamos de ação global sustentável e ambiciosa. Essa ação tem que acelerar com o tempo. Se isso não acontecer nossos filhos e netos vão sofrer. Ah, aliás, não é legal que os jovens estão na rua protestando?

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Mas ninguém falou sobre nenhum plano sério para neutralizar o vasto peso político da indústria de combustíveis fósseis; responsabilizar executivos de petróleo, gás e carvão por criar o movimento negacionista das mudanças climáticas que continua a atrasar o progresso; lidar com reacionários do clima como Donald Trump e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, ou questionar a máquina de crescimento capitalista que ajudou a colocar o mundo nesse bosteiro em primeiro lugar.

“Estamos no começo de uma extinção em massa. E vocês só sabem falar de dinheiro e contos de fada de crescimento econômico eterno”, disse a ativista sueca de 16 anos Greta Thunberg para o salão, quase às lágrimas. “Como vocês ousam?… Se vocês escolherem falhar conosco, eu digo que nunca vamos perdoar. Não vamos deixar vocês se safarem disso.” Mais tarde no dia, ela e outras 15 crianças formalizaram essas críticas numa queixa formal para a ONU.

The United Nations General Assembly Hall.

Foto do salão da Assembleia Geral da ONU por LUDOVIC MARIN/AFP/Getty.

Mas a voz dela foi solitária na Cúpula de Ação Climática, organizada pelo secretário-geral da ONU António Guterres para impulsionar soluções que podem cortar pela metade as emissões de gases-estufa até 2030. Essa é a escala e velocidade de redução que os cientistas calculam serem necessárias para ter alguma chance de manter um clima que sustente nossa civilização.

A Cúpula forneceu um fundo útil para ativistas organizarem o que provavelmente será o maior protesto sobre o clima da história, além de uma oportunidade para mais de 250 canais de notícia, incluindo a VICE, coordenarem e amplificarem histórias sobre a desestabilização de todo sistema natural do planeta com o Covering Climate Now. Mas agências como a Climate Home relataram que as expectativas para o próprio evento da ONU eram baixas.

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Havia um desespero que não estava presente quando cobri as negociações climáticas de Paris em 2015. Nossa situação na época sem dúvida era tão grave quanto agora, mas é fácil esquecer que quase todo país do mundo assinou um tratado concordando em limitar as emissões globais para um aumento de temperatura em 2 graus Celsius, buscando o nível muito mais seguro de 1,5 graus.

Depois da assinatura do tratado, delegados comemoraram e choraram. “A história está aqui”, disse o então presidente francês François Hollande. Mas ativistas num protesto em frente ao Arco do Triunfo estava bem mais céticos. Não havia uma linguagem no tratado pedindo o encolhimento da indústria de combustíveis fósseis, e promessas voluntárias, assumindo que fossem todas cumpridas perfeitamente, só parariam o aquecimento em 2,6 graus – muito distante da zona segura para o planeta.

Quatro anos depois e as emissões continuam subindo. E claro que sabemos como a “história” acabou sendo depois das eleições americanas de 2016.

Antes da Cúpula desta semana, Guterres parecia sincero em seu desejo de desviar a economia global das indústrias que estão destruindo o clima. A ONU rejeitou mais de 50 líderes mundiais de discursar porque seus países não estavam fazendo o suficiente para cumprir ou exceder as metas do acordo de Paris, Bolsonaro entre eles. Guterres ofereceu solidariedade e uma plataforma internacional para líderes do movimento de greve climática que conta com milhões de jovens.

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Na Assembleia Geral, ele descreveu uma ladainha de horrores climáticos que fornecem visões “apocalípticas” do futuro: “O nível dos mares está subindo… geleiras estão derretendo e corais estão morrendo, secas estão se espalhando e florestas estão queimando, os desertos estão se expandindo… ondas de calor e desastres naturais estão se multiplicando”. Guterres pediu que os líderes mundiais eliminassem subsídios para um “indústria do combustível fóssil moribunda” e cortassem financiamento para novas usinas de carvão.

Mas os líderes mundiais seguiram o roteiro dele de maneira muito vaga. Tantos delegados estavam tirando selfies e conversando no salão da Assembleia Geral que os organizadores tiveram que fazer duas contagens para que eles voltassem aos seus assentos. “Líderes mundiais que nem sabem ficar sentados”, disse um jornalista italiano do meu lado. “Jesus, que show de merda.”

Muitos líderes estouraram o limite de três minutos em seus discursos, atrasando toda a programação da Cúpula. Teve também um momento de vergonha alheia quando um vídeo do Papa Francisco se dirigindo à Cúpula travou e sumiu. “Desculpem”, disse o moderador. “Estamos tendo problemas técnicos com a mensagem da Sua Santidade.”

Também houve desvios mais substanciais do roteiro. Guterres tinha exigido que os líderes aparecessem com compromissos sérios para consertar o planeta. E tinha uma boa razão pra isso, as emissões globais estão no nível mais alto da história e seus impactos – incluindo a perda acelerada de gelo no Ártico e acidez mortal nos oceanos – não estão mostrando sinais de se acalmar.

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Mas, apesar das promessas da Cúpula parecerem impressionantes – uma nova Aliança de Ambição Climática de 65 nações, corporações de US$ 2,3 trilhões prometendo reduzir drasticamente as emissões – ninguém, até onde eu vi, propôs planos para reduzir a vasta pegada de carbono e política de corporações como a Exxon, Chevron e Shell, que apenas em 2018 investiram US$ 50 bilhões em novos projetos de expansão de combustíveis fósseis.

“Há duas realidades”, explicou Mark Campanale, fundador e diretor executivo da think tank Carbon Traker Initiative, por telefone durante uma pausa da Cúpula. “Temos o diálogo climático que esta sociedade está tendo. Aí temos a indústria de petróleo e gás que vive num casulo. O que está faltando é um compromisso da ONU e dos líderes mundiais de abordar a incumbência dos combustíveis fósseis.”

Também havia pouca disposição – além de algumas alfinetadas diplomáticas educadas – de abordar publicamente os líderes mundiais que estão sabotando o progresso global. Logo depois que Merkel discursou sobre a necessidade de convencer os que duvidam da crise climática da necessidade de ação, a ONU transmitiu um close de Trump nas telas da Assembleia Geral. Ele e o vice-presidente Mike Pence tinham feito uma visita não anunciada.

Trump ficou parado lá em silêncio, depois saiu do salão com sua entourage. Um pouco depois, o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg agradeceu ironicamente o presidente americano por aparecer. “Esperamos que nossas discussões aqui sejam úteis quando você decidir formular uma política climática”, ele disse, seguido de risos e aplausos. Essa foi a crítica mais clara a Trump, que descarta publicamente a ciência, desmantela políticas climáticas, retirou os EUA do acordo de Paris, e dá um acesso generoso a Casa Branca para seus amigos da indústria de combustível fóssil.

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E apesar de toda a atenção que os líderes mundiais deram para os jovens grevistas do clima do mundo que protestaram aos milhões na sexta-feira – parece que nenhum discurso passou sem alguma menção de “a juventude” – ninguém parecia muito interessado em abordar a principal mensagens dos grevistas: que pelo menos parte da culpa da emergência climática é do capitalismo.

Macron disse que ficou impressionado com a urgência dos ativistas jovens do clima, depois passou boa parte do discurso regurgitando conversa neoliberal sobre o valor dos mercados e livre comércio. Um vídeo da ONU reproduzindo os protestos embotou o lado radical do dia, apresentando jovens fotogênicos gritando slogans e pedindo aos líderes mundiais para ouvir os cientistas, enquanto seguravam cartazes dizendo “Não há um Planeta B”.

Acontece que as imagens não mostraram centenas de adolescentes gritando “fechem Wall Street”, os líderes de base jurando “parar a economia”, nem a menina que vi com um cartaz dizendo “E se responsabilizássemos os bilionários por toda a poluição que eles causam?”

Em certo ponto, perguntei a um veterano de encontros da ONU, um jornalista francês que já cobriu 10 Assembleias Gerais, sobre as contradições do dia. “Então, qual o objetivo de reuniões assim?”, perguntei sinceramente. “O que ter todos esses líderes mundiais discutindo rende?” O jornalista riu. “Boa pergunta”, ele disse, e foi embora.

Geoff Dembicki é o autor de Are We Screwed? How a New Generation Is Fighting to Survive Climate Change . Siga o cara no Twitter.

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