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Como DJs escolhem as músicas dos campeonatos de skate no Brasil

Abrir e fechar com Wu-Tang Clan é tiro certo desde os anos 90.
DJ Lobil no Quintal Skate Park durante a final do Campeonato Brasileiro em São José dos Campos, em junho deste ano. Foto: Allison de Carvalho

A cultura do skate e a música sempre andaram de mãos dadas. Desde os tempos do VHS, as trilhas sonoras dos vídeos costumam apresentar aos adeptos do carrinho vários tipos de som. Ao passo em que as fronteiras entre os gêneros vão se diluindo e se misturando, os títulos de franquias de vídeos de skate mais atuais caminham além da tradição do rap e do punk rock para acolher vertentes tão diversas como o jazz, o synth pop, o trap e a música erudita.

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Um lance diferente se observa nas playlists dos campeonatos. Nesses eventos, os clássicos ainda imperam. No Brasil, o sucesso é garantido por Rage Agaist The Machine, Wu-Tang Clan, Charlie Brown Jr. e O Rappa, como pude constatar no Vans Park Series que teve no Parque Villalobos, em São Paulo. E foi disso que falei com alguns dos DJs que fizeram (e fazem) história tocando nos principais campeonatos de skate brasileiros.

O papel da música nas competições ainda tem muito a ver com os clássicos do rap e do punk rock/hardcore, com direito a hinos que nunca vão perder o apelo, como “Sabotage” (Beastie Boys) e “Flower By The Door” (T.S.O.L.). Mas, é claro, sempre há espaço para inovações.

Coyote Beatz

“Minha relação com a música começou desde muito cedo, praticamente desde que nasci”, comenta o DJ, produtor e beatmaker Coyote Beatz, filho e irmão de skatistas. “Meu pai sempre andou de skate e fez um som, tinha estúdio em casa também. E quando eu colava nos campeonatos, sempre tinha uns raps rolando. Cresci nos anos 90 ouvindo muito rap e punk rock”, lembra. Para ele, a música é uma das principais motivações do skatista num campeonato ou até mesmo numa session.

“Quando toco em campeonatos ou eventos de skate, sinto a vibe do momento, fico observando muito os rolês de cada atleta nas baterias no intuito de deixar o cara mais à vontade pra soltar as tricks”, diz Coyote. “E o daora é que sempre que toco em algum campeonato, conheço a maioria da galera. Aí já fica mais fácil. Cresci com a maioria deles e já tô meio que ligado no que os caras curtem.” Na bagagem, assim como muitos skatistas e DJs com passagem pela cultura de rua, Coyote Beatz carrega o valor afetivo pelas trilhas da 411VM. “Gosto muito das seleções que eles faziam porque tem bastante variedade. De lá, tirei muitas das influências que carrego comigo até hoje”.

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DJ Lobil

Outro escolado trilheiro de campeonatos, o DJ Lobil, que realiza festivais na região do Vale do Paraíba, também começou curtindo punk, hardcore e metal por meio de sua relação com o skate. “Depois, conheci muita coisa de hip hop nas antigas fitas da 411VM, Silly Society, Videofobia e Transworld”, conta ele. “Descobri muitas bandas por meio de revistas também. Aliás, dois CDs que me influenciaram muito foram as coletâneas Tribo Skate World Contest e Authentic Vision Brasil.” Na visão dele, não mudou muita coisa desde aqueles tempos nos sets dos circuitos competitivos. O que acontece, segundo o DJ, é que o pano de fundo ficou mais eclético.

“Um set style de campeonato é aquele onde rola desde New Order, B52’s, The Cure e Midnight Oil, até Devo, T.S.O.L., Dead Kennedys, Black Sabbath, Led Zeppelin, Jimi Hendrix, Pennywise, Bad Religion, Replicantes, Camisa de Vênus, Ramones, Public Enemy, House of Pain, Sex Pistols, Adolescents, The Faction, Dag Nasty, Grinders e Garotos Podres. Todos clássicos que sempre agitam os competidores e o público.” Só de ouvi-lo declamar esse monte de referências na entrevista, não ficaram dúvidas do gás que uma trilha assim garante a qualquer session. Uma combinação perfeita entre atitude, positividade e energia.

DJ Tamenpi

Já o DJ Tamenpi frisa que, a despeito das ondas bass, trap e techno que aqui e ali cavam espaço nos eventos, o rock e o rap em geral ainda predominam. “Da minha parte, desde sempre, sou o encarregado de fazer a sessão de rap. Toco a linha mais underground e os clássicos dos anos 90”, descreve. E pondera: “Obviamente, a nova geração tem referências mais atuais, mas, quando soltamos os clássicos, ninguém fica parado.”

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Tamenpi dá exemplos: “Sem dúvida nenhuma, Rage Against The Machine é tiro certo. Assim como Beastie Boys, Cypress Hill, Wu-Tang Clan, Bad Brains, Body Count, Dinosaur Jr., Red Hot Chilli Peppers e Rancid são infalíveis também.” Não é à toa que grandes nomes do esporte, como Tommy Guerrero e Ray Barbee, acabaram construindo respeitáveis trajetórias na música depois de se aposentar das competições. “Acho que o skate sem a música fica vazio. E o skate em si não influencia só a música, né? Influencia toda a cultura street, e, até, a cultura pop”, lacra Tamenpi.

Kefing Lucas

Kefing Lucas, cuja base é o rap, tem ressalvas em fazer uma playlist com sons predominantemente atuais. “Artista novo bomba, mas aí dura um ano e tchau, é difícil mostrar consistência”, critica ele. “Existe um trabalho bom entre esses artistas que vêm e vão, não tem como desconsiderar. Mas a raíz mesmo são os caras das antigas, tipo Racionais MC’s. Acho que os anos 90 foram a melhor época para todos os estilos.” Kefing é daqueles DJs que trabalham sob um compromisso, digamos, educacional. “Tento apresentar o que foi bom porque a molecada nova não conhece nada. Você toca um Notorious Big, que é tradicional, e a galera não saca. Às vezes os caras falam pra tocar 2Pac depois de você já ter virado duas ou três faixas do cara. Então, eu transito com o novo, mas deixo sempre o clássico atemporal ali também.”

DJ Nuts andando no bairro da Saúde em plenos anos 80. (Arquivo pessoal)

DJ Nuts

DJ Nuts, que foi atleta da UBS (União Brasileira de Skate) no freestyle e no street de meados dos anos 80 até 94, além de integrante da mítica crew paulistana Ratos Burguer, não apostaria em nada disso. Na ativa desde 1990 como DJ, caso fosse chamado pra mandar um som de trilha da Seleção Brasileira, ele definitivamente escolheria músicas nacionais. “Igual na ginástica rítmica, quando as atletas fazem a performance representadas por músicas de seu país”, dá o papo. “Não digo sertanejo ou funk, pois é importante ter critério. Mas algo poderoso, que represente a nacionalidade dos atletas e combine com a dinâmica do skate.”

Zegon num campeonato de skate em Florianópolis em 2012 (Arquivo pessoal)

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DJ Zegon

Skate e música fazem parte da vida do DJ Zegon desde a infância. Quando ele discotecava no início dos anos 90, foi por conta da admiração nutrida por Mark Gonzales que assumiu o vulgo de “Zé Gonzales”. “No começo eu tocava tudo o que pediam nos campeonatos. Caras tipo o Not Dead pediam pra tocar ‘Sweet Child O’ Mine’, do Guns N’ Roses, aí o outro pedia Run DMC, Dead Kennedys… Por outro lado, havia quem gostasse de andar com sons totalmente fora da receita rap/punk, tipo o Hosoi, que falava pra tocar Madonna. O pessoal achava engraçado, e combinava com o jeito debochadão dele na época”, Zegon escava a memória.

Para ele, mais do que seguir uma tradição, o DJ de campeonato ou mesmo o produtor de trilhas de vídeo deve sacar o estilo do skatista antes de mais nada. “No vídeo da Blind, de 91, tem o Guy Mariano andando com ‘I Want You Back’, do Jackson 5, logo de cara; tem o Gonzales andando com Coltrane, tem War”, exemplifica. “E isso combina com o flow dos caras.” Num set Olímpico, porém, Zegon assume que iria de classicão mesmo. “Não apostaria em nada novo nem muito inusitado, mas traria os clássicos que são atemporais, aqueles que sempre funcionam, tipo ‘Pipeline’, do Agent Orange, Black Flag e Devo.” Para dar aquele toque de representatividade, faz coro com Nuts: “Só que na hora das linhas dos brasileiros, ao mesmo tempo botaria uma identidade nossa na parada, tipo um Planet Hemp mesmo, Plebe Rude, ou, até, ‘Garota de Ipanema’ com um beat em cima”.

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Playlist matadora

Pedi aos DJs entrevistados que indicassem as faixas que não poderiam faltar num set perfeito para dar aquele gás total nas baterias de skate. Eis as 15 mais citadas:

Wu-Tang Clan - “Protect Ya Neck”
Pharcyde - “Soul Flower”
Cypress Hill - “Insane in The Brain”
Dead Kennedys - “Police Truck”
Suicidal Tendencies - “Institutionalized”
Pennywise - “Living for Today”
Offspring - “Nitro”
Ramones - “Commando”
Bad Religion - “Suffer”
Black Sabbath - “Symptom of Universe”
T.S.O.L. - “Flower By The Door”
House of Pain - “Jump Around”
Rage Against The Machine - “Killing In the Name”
Beastie Boys - “Sabotage”
Wu-Tang Clan - “Wu-Tang Clan Ain't Nuttin ta Fuck Wit”

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