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Comida

Você não gosta de coentro porque é coisa de pobre?

Uma investigação sobre por que muita gente no Sul e Sudeste do país demoniza o tempero.
Foto via Flickr

Maionese verde caseira. Foi essa receita que a minha roomie preparou e me ofereceu dizendo que estava muito bom. Comi, gostei, pedi mais e perguntei: "O que você colocou aqui?" Ela, com cara de missão cumprida, anunciou: "Coentro." Foram quase 30 anos até comer o tempero sem reclamar. E por que isso acontece?

Pesquisas apontam que não gostar de coentro pode ter a ver com a genética de cada um. E ainda que os estudos não sejam conclusivos, muitos pesquisadores defendem que a intolerância ao tempero vem do cheiro e não do gosto da planta.

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O motivo para transformar o coentro no tempero mais odiado do Brasil — como você deve ter visto nesse desnecessário meme — talvez esteja no próprio nome cientifico da planta: Coriandrum sativum. A nutricionista Neide Rigo explica em seu blog que "Coriandrum é uma derivação do grego koris, que quer dizer percevejo". Por isso, diz ela, muita gente não consegue nem sentir o cheiro da planta. "O aroma pode ser sentido como fedor por uns e perfume por outras pessoas."

Para além da ciência, que dá pistas sobre uma natural rejeição de parte da população ao tempero, o que se nota é uma espécie de rixa entre culinárias regionais do país. No Norte e Nordeste, há predominância do coentro, enquanto no Sul e Sudeste quem reina é a salsinha. Então seria só uma questão cultural não gostar de coentro?

O sociólogo Carlos Alberto Dória explica que o coentro chegou ao Brasil via portugueses. A comida, no país em processo de colonização, seguia o modelo da medicina galênica — no qual a horta de alimentos servia também como farmácia. Dória conta que, diante dessa horta, é impossível saber por que mais gente no Norte e Nordeste do país se tornou adepta da planta do que no Sul e Sudeste — isso porque o coentro pode ser plantado em todo território nacional.

"Sabor se aprende." — Danilo Nakamura

Eu mesma cresci no Nordeste dentro de uma família paulistana e tive que experimentar o coentro muitas vezes até superar a tal barreira regional. O paranaense Danilo Nakamura, roteirista e consultor de bares, também só se entregou aos prazeres do controverso ingrediente depois de adulto. Ele lembra que "sabor se aprende."

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Criador do drink Si Hay Coentro, Soy Contra, servido no restaurante Jiquitaia, em São Paulo, Danilo me fala que a ojeriza em torno da planta não o desanimou desenvolver a receita. "Queria criar um drink com coentro porque as pessoas têm um pé atrás com ele", diz. "Além de tudo, o drink é feito com gim (que quase sempre leva coentro na receita) e tem ótima acidez (por conta do limão e da cerveja sour de cupuaçu), então funciona bastante com os pratos mais gordurosos da casa."

Ser apresentado ao coentro na infância, diz Dória, e depois de adulto, numa experiência gastronômica, por exemplo, são eventos "totalmente diferentes". "O coentro embalado na gastronomia produz uma predisposição maior a se vencer essa barreira [da rejeição]", diz ele.

"Como o coentro é um tempero nordestino, não é nobre, e não é difundido aqui [no Sudeste do país] acho que muita gente tem preconceito puro" — Lisandra Amaral

Dono do restaurante de comida potiguar Jesuíno Brilhante, Rodrigo Levino acredita que a recusa ao coentro por parte da sua clientela paulistana vem mesmo do "hábito alimentar, é cultural". Levino lembra dos estereótipos em torno da comida regional do país. "A comida nordestina ficou marcada como necessariamente pesada ou temperada demais", coloca. "Mas e o virado à paulista?". Para ele, as pessoas conhecem pouco da planta. Ainda assim, na sua casa, em que pratos como o guisado, a farofa, o cuscuz e o vinagrete são feitos com coentro, a recusa dos clientes é mínima — "de 1.500 pratos que sirvo num mês, 15 voltam."

A chef Lisandra Amaral, que serve comida de inspiração caipira no seu Maria Farinha, diz que a turma do Sul e Sudeste do país torce o nariz pro coentro porque tem preconceito. "Como o coentro é um tempero nordestino, não é nobre, e não é difundido aqui [no Sudeste do país] acho que muita gente tem preconceito puro", acredita. Ela me conta também que, no seu cardápio, não discrimina quais os pratos que levam coentro. "Se eu não conto [que um prato leva coentro], as pessoas comem."

Para Dória, além das características regionais da comida brasileira, há no país duas culinárias, "uma da elite e outra popular". "Pimenta, farinha, cominho e coentro são coisas de pobre, porque são claramente identificados na culinária popular." Mas ainda assim, o sociólogo lembra que as elites do Nordeste, por exemplo, comem coentro, por isso "gostar ou não do ingrediente é mais um recorte espacial, geográfico, do que de classe".

Responder por que tanta gente faz questão de demonizar um simples tempero é mais difícil do que você pensa. Dória lembra que são muitos os sabores com fronteiras no Brasil, como "o amargo do mate, o pequi e o jatobá", não só o injustiçado coentro. Dizer, então, que o tempero é o mal brasileiro pode ser apenas mais um sintoma do seu bairrismo.

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