​Jezz Matz, Matt Pike e Des Kensel​, do High on Fire
Jezz Matz, Matt Pike e Des Kensel, do High on Fire. Foto: Jen Rosenstein/Divulgação

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Noisey

Matt Pike amputou um dedo mas lançou dois dos melhores discos de metal de 2018

Uma conversa franca com o guitarrista do Sleep e High on Fire sobre produzir discos, fazer turnês, ser velho, odiar políticos e dar uma bongada ouvindo Black Sabbath.

Seja com o Sleep, onde é responsável pelos riffs sabáticos e viajantes, ou com o High on Fire, em que divide palhetadas rápidas com vocais marcantes no melhor estilo Lemmy Kilmister, o fato é que Matt Pike é um dos principais nomes do metal mundial das últimas décadas. E o músico norte-americano parece ter alcançado um dos seus melhores momentos em 2018, quando lançou duas obras-primas metálicas com as suas bandas, que não por acaso estão em muitas das listas de melhores do ano.

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Em 20 de abril, também conhecido como o Dia da Maconha, foi a vez de o Sleep soltar The Sciences, seu primeiro full-length desde os anos 1990 e que traz o trio (agora com Jason Roeder, do Neurosis, na bateria) altamente inspirado. Cerca de seis meses depois, em 5 de outubro, chegou Electric Messiah, oitavo disco de estúdio do High on Fire e que reúne com sucesso os principais elementos dos 20 anos de carreira do grupo.

Na entrevista abaixo, feita por telefone enquanto Pike estava retornando à estrada com o Sleep após precisar amputar parte de um dedo do pé, o simpático guitarrista e vocalista falou sobre como foi produzir esses discos tão fortes em tão pouco tempo, analisou as diferenças entre as suas bandas, lembrou de quando ficou chapado pela primeira vez ouvindo Black Sabbath, e disse odiar todos os políticos, sem exceção.

Noisey: Você lançou dois dos melhores discos de metal de 2018, com o Sleep e o High on Fire. Acha que está em uma época mais especial, digamos, da sua carreira? Talvez mais criativa, no geral?
Matt Pike: Sim, é um momento da minha carreira em que eu me sobrecarreguei (risos). Mas não sou um cara bastante ambicioso. E eu tinha que fazer os dois discos. Apenas fico feliz que eles tenham ficado com um intervalo de seis meses entre um e outro. Assim fica um pouco mais fácil de trabalhar com os materiais. Eu não podia ter os dois saindo ao mesmo tempo, então foi bom. Eles estavam com um planejamento e então um deles teve um pequeno adiamento — acabou demorando um pouco mais para finalizar o The Sciences. E então, quando fizemos o Electric Messiah, ele acabou sendo adiado por alguns meses porque também ainda não tínhamos finalizado o álbum. Os dois discos acabaram ficando muito melhores por isso, e saíram nos momentos certos, com um intervalo bom entre eles.

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É realmente especial poder ter duas bandas de um calibre tão alto, sabe? Eu gosto de desafios, e foi realmente um desafio fazer tudo isso em um ano. Como eu disse, tive muito trabalho para fazer, e foi realmente louco. Eu não tenho muito uma vida em casa ou algo do tipo. E eu tive uma infecção no dedo do pé, que acabou se transformando em uma infecção no osso, então tive um pedaço do dedo amputado — o que foi meio que uma “benção disfarçada” porque acho que realmente precisava parar por um mês, de qualquer forma. Então foi algo como o universo me falando: “Ei, cara. Vá com mais calma, você está indo rápido demais”. Mas estou recuperado agora. Estou de volta em turnê pelo primeiro dia com o Sleep. E o High on Fire fará uma turnê em janeiro. As coisas estão de volta aos trilhos, só foi preciso fazer alguns ajustes.

E em algum momento as coisas ficam meio confusas para você por ter de ficar mudando entre as bandas, uma vez que elas possuem sonoridades bastante diferentes?
É, com uma eu preciso tomar café (risos)… bastante café; e com a outra eu preciso comer bolo de carne e tomar quaaludes. Estou brincando, é claro. Mas sim, elas são definitivamente bem diferentes. E eu preciso me colocar em diferentes estados de espírito para tocar com uma ou com a outra. O High on Fire é muito preciso e visceral e o Sleep é muito paciente… você sabe, há muitas coisas para lembrar. As duas possuem zonas próprias e são bastante diferentes uma da outra. Mas eu não tenho tanto problema para lembrar as músicas quanto tenho para conseguir agendar todas as coisas, essa é meio que a parte difícil. Porque são dois trabalhos em tempo integral que você está tentando fazer funcionar e deixar todo mundo feliz.

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Como falamos, o High on Fire lançou recentemente o Electric Messiah, em que vocês trabalharam mais uma vez com o Kurt Ballou, do Converge — foi o terceiro disco consecutivo que fizeram com ele. Tenho escutado bastante o álbum ultimamente e me parece o trabalho mais forte da banda desde o Death Is This Communion (2007). Por que acha que esse álbum ficou tão poderoso, meio que uma junção de todas as coisas que vocês já fizeram anteriormente?
Ah, acho que apenas é porque todos evoluímos como músicos de uma forma boa. E nós adotamos uma abordagem diferente para gravar desta vez. O Kurt fez a gravação da bateria e a mixagem, enquanto que o Bryan Sours e um cara chamado Greg Wilkinson trabalharam na gravação dos outros instrumentos. Nós queríamos que o Kurt tivesse participado de toda a gravação, mas ele estava ocupado com o Converge e algumas outras coisas. Então nós perguntamos se ele se importava que a gente gravasse as outras tracks — de guitarra, baixo e vocais — e enviássemos de volta para ele mixar e depois para o Alan Douches masterizar, e ele topou numa boa. E, na verdade, o disco acabou ficando um pouco diferente das coisas anteriores que tínhamos feito com o Kurt. Eu tenho certeza que o Kurt é muito melhor nisso do que a gente, mas temos nos gravado há tanto tempo que já meio que temos uma boa ideia do que queremos ouvir. E, no fim, tudo deu certo, bastante certo. Eu não sabia como o álbum ia ficar. Toda vez que você faz um disco e muda alguém no processo, ou faz algo que é um experimento, você não sabe se isso vai explodir na sua cara ou ficar muito bom. E eu sabia que as músicas eram boas, mas a gravação ficou realmente incrível, adoro o disco. É um álbum muito divertido de tocar, posso te dizer isso.

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Aliás, o disco tem algumas músicas bem rápidas, que são quase thrash metal, e outras faixas bastante lentas e longas, que trazem momentos bem diferentes. Por isso, queria saber como foi o processo de composição do álbum. As músicas surgiram em um momento específico ou vocês estavam guardando esses riffs, digamos, há algum tempo?
Bom, muita coisa nós criamos enquanto estávamos compondo. Mas temos um baú de riffs com ideias antigas. Nós gravamos tudo o que fazemos. Sempre que o High on Fire ensaia, gravamos a última coisa que tocamos. Então nós temos um baú de ideias. Se ficarmos sem ideias, podemos voltar a algo mais antigo, já que temos horas e horas de riffs e ideias. Às vezes voltamos e então reescrevemos uma ideia, talvez algo que não entrou em um disco da última vez; então podemos reescrever, mudar o andamento ou fazer algo estranho — e acaba funcionando. Então nunca ficamos realmente sem ideias. Uma vez que as temos, vou juntá-las. E então tenho de começar a pesquisar qualquer assunto sobre o qual queira escrever letras. E nós visitamos coisas diferentes, sabe? Gravamos, levamos para ouvir em casa, voltamos, gravamos, levamos para casa e então damos um tempo nos ensaios. Eu posso sair em turnê com o Sleep ou algo assim para depois voltar ao material. Não sei, normalmente é algo que se resolve por conta própria. E esse é um disco bem especial, realmente gostei dele.

E acha que o fato de o Jason (Roeder), que também toca no Neurosis, já estar no Sleep há algum tempo afeta de forma mais direta a forma como a banda soa atualmente?
Ah, com certeza. O Chris Hakius (ex-baterista do Sleep) e ele… Tipo, o Chris era muito jovem quando fazia isso. E o Jason já toca com bandas há uns 35 anos ou algo assim. É apenas que ele é bem “old school”, no sentido que a abordagem dele para a bateria é apenas “Uau”. Ele é apenas um baterista muito único e muito, muito matador — e capaz de fazer qualquer coisa. Mas ele tem uma linguagem que se mistura com a minha linguagem e a linguagem do Al (Cisneros, baixista e vocalista do Sleep). Eu e o Al temos algo como uma síntese cerebral desde o colegial. Tipo, eu sei o que ele vai fazer a seguir, e ele quase sempre sabe o que eu vou fazer em seguida. E se não soubermos, então é só chamar a música de “Trainwreck” (risos). Mas é tudo sobre a linguagem universal da música e o que acontece entre três ou quatro pessoas que se intitulam como uma banda.

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E por que acha que o Sleep se manteve tão relevante mesmo ficando cerca de 10 anos parado? A banda provavelmente ficou ainda maior do que era anteriormente após ter voltado à ativa.
Bom, é que nos anos 1990 nós não éramos tão relevantes. Tipo, todo mundo estava ouvindo death metal — nós não éramos fucking cool. Mais perto do fim da banda, nós começamos a ficar legais, e aí acabamos. E então pareceu que muitas bandas começaram a usar as nossas influências para riffs e isso começou a crescer enquanto estávamos parados. Então tirar todo esse tempo e então voltar com a banda… porque ninguém tinha visto a maioria desse lance, não foram muitas pessoas que viram. E é, as coisas explodiram. Nós fizemos alguns discos realmente épicos pra cacete, é só que ninguém estava prestando atenção — e era algo que crescia muito lentamente. E então, voilà, você tem meio que a receita para uma superbanda que estava na ativa na época e saiu do nada. Se você sai do nada, e está apenas mandando bem, então as pessoas notam. As pessoas fazem isso e você tem fãs, porque você fez algo. E nós nos importamos com os nossos fãs, com o nosso merchandise, todos os detalhes precisam ser perfeitos. Nós somos perfeccionistas quanto ao Sleep.

E quando você montou o High On Fire em 1998, após o fim do Sleep, imaginava que fossem ficar juntos por tanto tempo e chegar tão longe, com oito discos e tudo mais?
É… Tipo, eu sabia que estaria tocando. Não sabia se aquela banda chegaria tão longe. Mas quando eu conheci o Des (Kensel, baterista) e o George (Rice, baixista, que saiu da banda em 2004) e começamos a tocar como um trio, eu meio que sabia que era algo muito especial e que íamos “chutar alguns traseiros”. E eu estava tentando… Foram necessários alguns discos para ir de como eu escrevia no Sleep para desenvolver uma linguagem entre eu e o Des. Mas uma vez que a coisa começou a tomar forma, eu pensei: “Nós somos imparáveis, cara”. E então o Sleep voltou à ativa e eu passei a ficar mais e mais ocupado — e mais e mais velho. Agora eu tenho dois discos lançados em um ano, esse foi um feito e tanto, te digo isso.

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Sempre gosto de fazer essa. Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Essencialmente teria de ser qualquer um do Black Sabbath. Mas o Master of Reality (1971) foi a primeira vez que me lembro de ter fumado um bong e ficar realmente chapado — acho que eu tinha uns 11 ou 12 anos. Foi com um amigo que eu conhecia da escola ou algo assim — éramos apenas garotos da vizinhança. Esse foi um disco enorme para mim. Quero dizer, o Piece of Mind (1983), do Iron Maiden, também foi, definitivamente. Depois comecei a ouvir mais thrash metal e punk, porque eu tinha uma babá que realmente ouvia Dead Kennedys, The Exploited, Circle Jerks, Black Flag e todas essas coisas boas. E, ao mesmo tempo, o Iron Maiden e a invasão britânica, o Judas Priest e todas essas coisas estavam saindo. Então é difícil dizer qual disco, porque depois que tive minha primeira dose de metal, e com os discos do Led Zeppelin e do Black Sabbath que meu pai tinha, apenas entrei em um modo meio acelerado e comprei tudo o que podia. É, eu não sei, são tantos discos.

E quais guitarristas te influenciaram quando você estava começando?
Definitivamente o Tony Iommi, John McLaughlin, Jimi Hendrix, Jeff Beck. Os caras do Slayer, Kerry King e Jeff Hanneman, e os caras do Judas Priest, K.K. Downing e Glenn Tipton. O Thin Lizzy, AC/DC, Malcolm e Angus Young, David Gilmour, o Alex Lifeson do Rush. Cara, eu podia seguir sem parar. O Tom G. Warrior, do Celtic Frost. Sei que estou esquecendo uns 8 mil nomes, mas todo mundo que… mesmo o Eddie Van Halen. São tantas influências. Ah, eu realmente gostava do Chuck Schuldiner, do Death. E também gostava de muitas coisas do Dark Angel e do Possessed — o Larry LaLonde. Eu era apenas um garoto que curtia muito thrash metal e punk. Os caras do Metallica, obviamente. O Big 4 — o Anthrax também já estava na ativa. E o Gary Holt, do Exodus, o guitarrista mais foda do mundo. Mas são tantas influências que eu tive. Se isso não for o bastante para você, tenho certeza que há outros…, mas eu teria de cavar bem fundo (risos).

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Essas são as duas últimas. Entrevistei o Max Cavalera recentemente e ele falou sobre como quando nós temos alguém conservador no poder, como o Trump, assim como foi anteriormente com o Reagan e a Thatcher, é mais provável que sejam lançados discos fortes — no punk e metal, por exemplo. Você concorda com isso, uma vez que lançou dois álbuns bastante elogiados neste ano?
É, acredito que sim. Toda vez que há inquietação política… E eu odeio todos eles — odeio o Trump, odeio o Obama, odeio a Hillary Clinton. Estou cansado de ouvir toda a merda dos democratas e republicanos. Todo mundo precisa parar com isso e acordar, porque é uma puta besteira. Isso está deixando as pessoas tão estúpidas. Eles estão nos separando. Como você conquista algo? Você divide primeiro — e é isso que eles fizeram. O que acha que farão a seguir? Conquistar! E as pessoas não são espertas o bastante para ver isso, e está bem na cara delas. Muitas pessoas como eu e outros artistas do tipo são pensadores livres — e eles conseguem pensar para além dessa merda e ver o que está acontecendo. Esse é o nosso trabalho, você acorda e tenta acordar as pessoas. E se ninguém quiser te ouvir, pelo menos você tentou. Mas o meu lance com a minha música não é político, talvez 20% seja político. Sabe, penso em aliens e coisas do tipo, e muitas pessoas não acreditam nisso. E é apenas a minha opinião. Mas um dia muita gente vai perceber que eu estava certo. E eu não sou o único que fala sobre isso, sabe?

Essa é a última pergunta. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Eu não sei, cara. Meio que apenas ter tido a coragem e a ambição para fazer tantas coisas. Realmente me surpreendo com a quantidade de coisas que já lancei. Então se eu continuar trabalhando com essas coisas, sinto que fiz meu trabalho como um ser humano. E apenas seguir em frente, sabe o que quero dizer (risos)? É difícil fazer tudo isso nesses tempos. Porque, como eu disse, há muita merda acontecendo e você pode ser diluído por elas. Acho que se você se mantiver fiel aos seus princípios… Eu não sou um músico, isso é o que eu faço. Não sei, acho que tenho orgulho de ter terminado tudo o que fiz; tenho orgulho de tudo que fiz. E se isso ajudar outros músicos a continuarem isso, então eu fiz a minha parte. E isso é importante para a humanidade. Quando você tem um dom como esse, você compartilha. E você faz isso pelas razões certas, porque há coisas realmente boas no seu coração. Desde que eu saiba disso, então não preciso lançar vários singles, me vestir como um palhaço ou algo assim. É algo que vem do coração. E quando vem do coração, faz a diferença, não irá desaparecer.



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