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Música

Com Melancolia e Mineirice, Nobat Mostra um Recomeço em 'O Novato'

Segundo do disco do mineiro meio indie meio MPB meio eletrônico estreia no Noisey.

Fotos por Flávio Charchar/Divulgação

Não é de hoje que o estado de Minas Gerais é um celeiro de grandes compositores, de melodias elaboradas e letras inspiradoras. Se pá é alguma coisa que eles colocam no pão de queijo. Desde o Clube da Esquina até lançamentos mais recentes da Geração Perdida, há muito o que perceber nas canções mineiras. O belo-horizontino Nobat parece concordar com isso. Para ele, sua cidade tem se tornado cada vez mais interessante “porque as pessoas se empoderaram dos espaços e aos poucos, mesmo com muita resistência, vem fazendo as coisas acontecerem”.

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E essa é a premissa básica do novo disco do Nobat, O Novato, que você ouve nesta sexta (6) no Noisey. O compositor parece convicto: “A cena mineira é a principal referência pra esse disco, sem a menor das dúvidas”. O curioso é que, mesmo sendo o segundo lançamento de carreira, Nobat não teme afirmar que sua estreia como artista é agora. “É a primeira vez que eu me vejo construindo um disco como obra de arte, então O Novato me inaugura”.

O mineiro ralou bastante pra fazer as coisas acontecerem. Sentou-se com Daniel Nunes, do Constantina e, com a paciência que Deus deu àqueles que nascem naquele pedaço de chão, lançou-se em direção ao futuro. “Foi a primeira vez que participei ativamente de todas as etapas de produção, fiz uma pré-produção sozinho no meu quarto, construí os arranjos, pensei nos músicos que eu gostaria pra cada canção. O resultado você pode ouvir abaixo:

O Novato conta com participações especiais de Hélio Flanders e Tatá Aeroplano, nomes já consolidados na inventiva e nova MPB que se estende pelo país. Além deles, outros músicos conterrâneos talentosos, como Tiago Eiras (Dibogode), Nara Torres (Iconili), Fernando de Sá Monteiro (A Fase Rosa), e Yan Vasconcelos também compõem o time.

Desde os primeiros trabalhos, a melancolia é o tema central das composições de Nobat. Porém, diferentemente do début Disco Arranhado, de arranjos mais “pra cima”, em O Novato as frequências sonoras parecem estar mais alinhadas a uma espécie de brandura. As letras são derivadas da real vivência de Nobat e de uma experiência que ele chama de “encorajamento”, e que rolou enquanto frequentava intensamente a cena de Belo Horizonte entre os anos de 2012 e 2015. “Há muita coisa boa e corajosa sendo feita aqui e isso me instigou bastante e provocou a necessidade de propor algo novo”, explica.

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Na entrevista que você lê a seguir, Nobat conta como esta relação entre melancolia e encorajamento impulsiona seus devaneios e expõe suas impressões acerca do modus operandi atual.

Noisey: Neste novo disco, deu pra notar uma evolução tanto nas letras quanto no som, em relação ao disco anterior. Você acha que isso foi um processo natural?
Nobat: Acredito que sim. Na verdade, esse disco me representa melhor em qualquer época da vida. O álbum Disco Arranhado é uma tentativa de imersão ao universo do rock que nunca foi necessariamente soberano em minhas playlists que sempre tiveram presença forte e marcante de outras várias escolas e estéticas. Mas há n'O Novato também um encorajamento que se deu na coisa que experimentei frequentando intensamente a cena de Belo Horizonte entre os anos de 2012 e 2015. Há muita coisa boa e corajosa sendo feita aqui e isso me instigou bastante e provocou a necessidade de propor algo novo. O meu primeiro disco foi feito num momento primeiro e primário, digamos assim, eu era muito novo, não conhecia muito bem os processos e não tinha uma experiência de palco ou estúdio. O Novato vem depois de alguma estrada também.

Você enxerga O Novato como um recomeço?
Eu pegaria mais pesado ainda, digo que percebo n'O Novato um começo. Foi a primeira vez que participei ativamente de todas as etapas de produção, fiz uma pré-produção sozinho no meu quarto, construí os arranjos, pensei nos músicos que eu gostaria pra cada canção, enfim… E tem a coisa do ambiente estético em que ele está localizado, essa sonoridade sempre esteve presente nas composições todas desde a adolescência. Vários de meus amigos de longa data me reconheceram mais e melhor nesse disco, porque ele me retrata esteticamente melhor mesmo. Além do fato também de que é a primeira vez que eu me vejo construindo um disco como obra de arte, é a primeira vez que enxergo nesse formato, álbum, a oportunidade de conceber uma obra. Então O Novato me inaugura.

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E quais foram as suas referências para esta obra de arte?
A cena mineira é a principal referência pra esse disco, sem a menor das dúvidas. Faço parte de um site de cultura daqui e, dentro dele, tive a oportunidade de ir a mais de 200 shows de bandas da cidade, tenho vários discos de artistas daqui e sou deslumbrado pela força que a cena daqui me provoca. Houve também uma projeção na cena musical brasileira dos anos 70, Jards Macalé, Jorge Mautner, Sérgio Sampaio, o discos corajosos de Caetano, Gil, Tom Zé, o próprio Clube da Esquina, enfim… E indo no ponto da questão, há também a música contemporânea que é meu principal lugar de pesquisa, sei que estava ouvindo muito Secret 3, Múm, Radiohead, Broken Social Scene, Tatá Aeroplano e Dosh, um artista norte-americano que me enlouqueceu, apresentado pelo Daniel [Nunes] a mim no início das gravações do álbum. Daniel é o produtor do disco, é integrante do Constantina uma das principais bandas instrumentais mineiras. Tem coisa também de Juçara Marçal, sei lá, é tanta coisa no Brasil hoje.

Você concorda com o Lupe de Lupe: há algo de podre no reino de Minas Gerais?
Acredito que há muita coisa podre no reino de Minas Gerais, mas não no lugar que eles disseram isso. Belo Horizonte, não à toa, tem se transformado numa cidade cada vez mais interessante sob vários aspectos porque as pessoas se empoderaram da cidade e aos poucos, mesmo com muita resistência, vem fazendo as coisas acontecerem. Sempre estive envolvido diretamente com as construções daqui e aprendi a fazer as coisas vendo as pessoas fazendo. Decidi em determinado momento que era fundamental que eu cavasse meus espaços e construísse minhas possibilidades, caso contrário não haveria nada pra mim. Isso é uma coisa meio clara, todas as turmas são iguais, inclusive a Geração Perdida, eles tem seu nicho, seus amigos e suas predileções, nada é tão aberto assim, acredito que em lugar nenhum.

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Acredito também que a questão é muito mais profunda e ela não foi tocada nesse manifesto. Belo Horizonte é uma cidade de muitos paradoxos e é dividida ao meio por entre progressistas e ultra-conservadores, em todos os setores. A cidade consegue ser uma referência atualmente no autoral e a capital do cover, compreende? Consegue ser a cidade do Márcio Lacerda que coloca pedras debaixo dos viadutos dos bairros classe média pra que os moradores de rua não durmam ali, mas também é a cidade de um Carnaval maravilhoso e que, ainda que seja uma coisa embrionária e supostamente restrita, acontece especialmente no baixo centro da cidade e há a possibilidade de integração. Penso o Carnaval daqui a cinco anos. O povo vai tomar posse dele e é isso que é foda. A cidade tem caminhos pra todos os lados, o que faz a diferença é quem faz e não quem fala.

Quem é Bruno César?
Bruno César é um compositor da cidade, ele faz parte de uma banda chamada Hotel Catete. A banda é incrível e Bruno é um dos principais artistas potenciais dessa geração pra mim, além de uma pessoa que se tornou amiga demais. Eles carregam todo o imaginário do baixo-centro-belo-horizontino, essa coisa meio brega, meio Carnaval, meio bordel, meio fossa, meio solidão…

Por falar nisso, você bebeu muito nessa fonte de solidão e melancolia também né? Queria saber a diferença do seu estado de espírito atual com relação ao disco anterior, que é mais pra cima.
Ah, total! Acho que é uma característica muito sintomática da nossa geração que vem se dando muito mal com os modelos que a sociedade contemporânea, a sociedade-competição-ansiedade tem imposto. O mito do vencedor não funcionou com a gente, não nos estimula em nada e ao mesmo tempo existe aquele tal mercado de trabalho que ainda entorpece e pressiona a vida de todo mundo. As pessoas têm cada vez menos tempo e menos dinheiro, a melancolia me parece uma realidade implacável. Meu primeiro disco tinha uma instrumentação mais pra cima, no entanto as letras são bem melancólicas, desiludidas e algumas vezes desesperadas.

Ainda sobre a melancolia: você acha que vivemos um momento de apatia?
Não sei se apatia, vejo mais um momento de ruptura, um entre-tempo que vai pautar e modificar as estruturas todas num futuro muito próximo. Nós fomos filhos de uma classe média que nos deu de tudo porque teve muito pouco em vários casos, tivemos acesso a tudo e fomos criados para acreditarmos que éramos diferentes e especiais, no entanto, quando chegou a hora de entrarmos no sistema e fazermos a manutenção e evolução dele, achamos uma coisa chatíssima e não nos envolvemos profundamente com isso. Por isso é imenso o crescimento de novas formas de vida, de novos trabalhos e jornadas, de novos conceitos em relação ao que é necessário pra viver.

Acredito que vivemos a era da comoção, da inflação do ego, todo mundo quer se mostrar, mostrar sua vida legal, seus hábitos incríveis, suas festas maravilhosas… todos querem dar suas opiniões sobre todas as coisas e querem desesperadamente ter uma bandeira pra defender, mesmo quando não tem. Todo mundo se comove muito rapidamente com tudo que acontece no dia-a-dia, aquelas comoções momentâneas de internet, sabe? Porém, vejo também uma parte de pessoas a frente de discussões muito sérias que são importantíssimas e que estão valendo pra percebermos o quão escrota e preconceituosa é nossa sociedade e, especialmente, o quanto a nossa geração ainda carrega isso tudo em si, infelizmente…

E como você espera que isso mude? Por meio da arte?
Vai soar incrivelmente piegas, mas não importa. Essas coisas só mudam através do amor, cara. O ódio, mesmo que reativo, só vai confirmar o lugar de cada turma. Infelizmente a cultura exerce uma força interventiva muito considerável, vejo nessas pessoas preconceituosas um lado de vítima também, elas aprenderam a ser assim e não tiveram a oportunidade (e o interesse, claro) de se desvincular dessa postura tão nojenta. É triste demais ver que existem pessoas da minha idade que são racistas ainda, homofóbicas ainda, misóginas ainda, intolerantes com a religião do outro ainda. É claro que é uma coisa muito delicada, concreto introjetado até o talo na nossa performance social e a luta tem que começar de dentro pra fora, todos os dias, mas é necessário que percebamos que isso é obsoleto, cafona, ruim… Essa noção, eu acredito que só se consegue transportar via amor. A arte ajuda por outros caminhos, mas a arte não tem que fazer nada, a arte tem que ser, a arte é.

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