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Música

Zine é Compromisso: midsummer madness

No meio do ano de 1989, o Rodrigo Lariú lançou o número zero da publicação que futuramente se tornaria um dos mais relevantes selos alternativos do Brasil: o midsummer madness.

No meio do ano de 1989, o Rodrigo Lariú lançou o número zero da publicação que futuramente se tornaria um dos mais relevantes selos alternativos do Brasil: o midsummer madness. Para ele, então no auge de seus 15 para 16 anos, o fanzine servia como um ingresso ao meio underground, uma desculpa para conhecer pessoas com gostos musicais parecidos com os seus em sua cidade, Niterói, e na cidade vizinha, o Rio de Janeiro. A diferença do mm em relação a outros zines daquele período é que o Rodrigo já começou mais ou menos apostando num esquema análogo ao de uma revista, ou seja, com um quadro de colaboradores. Assim, por mais que não existisse uma redação ou um local de encontro, e que a mão na massa fosse, na maioria das vezes, só dele mesmo, a coisa era mais plural.

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Uma das pessoas da turma dele em Niterói, a Beatriz Lamego, teve influência decisiva, ainda que indireta, na criação do midsummer madness. Foi ela quem apresentou ao Rodrigo os primeiros fanzines de música com os quais tomou contato. A Beatriz foi guitarrista e vocalista nas bandas Drivellers, Stellar e Kinetkit Ravecamp. Atualmente, é diretora de arte em publicidade e integrante da banda Enseada Espacial. A amizade deles foi definida pelo som que curtiam, e isso o inspirou a querer fazer seu próprio zine. Os primeiros esboços da edição estreante ele fez sozinho em casa, mas, da publicação seguinte em diante, começou a contar com a ajuda dos camaradas. O número #1 trouxe como destaque entrevista com a banda niteroiense Squonks, que tinha na formação a Simone do Vale, guitarrista e futura baixista nos grupos Dash e Autoramas. Esta foi a primeira pauta realizada coletivamente.

"Me lembro que quando fomos ver um ensaio da banda e fazer a sessão de fotos, fomos em bando: eu, minha irmã, a Beatriz, o namorado dela e o também super amigo e fotógrafo oficial do midsummer madness Cadu Pilotto. Era quase que a nossa gangue indo entrevistar e socializar com os outros alternativos da cidade. Meu primo Guilherme também ajudou na edição #3 ou #4, quando fomos a São Paulo para entrevistar o Pin Ups", relembra o então editor. Uma das matérias que repercutiu legal na cena ao longo da vida do mm foi uma extensa pauta, que ganhou as páginas da edição #5, elencando uma porção de bandas revelação do Brasil, feita no rastro das fitas-demo que ele recebia. Outra história curiosa foi uma entrevista com o Second Come, que saiu um pouco antes do primeiro disco dos caras ser lançado, e que chegou a, aparentemente, ser chupinhada pela Folha de S. Paulo - "a gente chegou a pedir direito de resposta", me disse o Rodrigo a respeito desse lance. E, muito antes de qualquer jornas doidão ter coragem para fazer isso numa revista tipo a Vice, o colaborador Marcelo Colares, do Cigarrettes, e o Sidney, do Vibrosensores, emplacaram uma matéria, na edição #6 ou #7, (o Rodrigo não soube informar exatamente) sobre o uso de remédios para efeitos psicotrópicos.

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Mais tarde o midsummer madness se transformou em um dos principais selos do indie rock brasileiro, que continua na ativa lançando bandas. Neste ano, a empreitada comemora seus 25 aniversários. Algumas novidades estão na agenda para comemorar o feito. Uma delas é que vai rolar a versão 3.0 do site; além disso, entrou no ar uma votação para o público escolher as 100 músicas que vão fazer parte do álbum digital comemorativo mm100 [clique aqui para participar]. O projeto será lançado junto com uma versão digital especial do zine, que vai contar toda a história da parada.

O Rodrigo não tem certeza, mas disse que pensa em apostar num crowdfunding a fim de transformar em vinil duplo essa ideia, com as 20 e poucas faixas privilegiadas que couberem no formato. Junto desse projeto, talvez role uma tiragem impressa limitada do fanzine. "Se as bandas puderem, quero também fazer algum show comemorativo. Seria bom. Mas tudo depende de tempo e dinheiro", observou.

Bom, vamos torcer pra que seja possível botar todo esse plano de pé. Até lá, fique com a entrevista que fizemos para a série Zine É Compromisso, que o Noisey vem dedicando às publicações independentes que fizeram diferença no underground musical brasileiro.

Noisey: Como pintou a ideia de fazer o zine e distribuí-lo acompanhado de coletâneas em fitas-cassete encartadas? Por mais que vez ou outra algum zine resolvesse lançar alguma edição com fitas, acho que o mm foi o que investiu mais dedicação nesse formato, não foi?

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Rodrigo Lariú:Eu não sei te dizer com precisão se o midsummer madness foi o primeiro a lançar fitas-cassete encartadas… mas na época que lançamos a primeira fita, 1991, eu era bem informado sobre os fanzines de música e não me lembro de nenhum outro zine brasileiro fazendo isso. A ideia me ocorreu numa tarde qualquer, provavelmente pensando na pauta de alguma edição. Entre 1990 e 1991, o midsummer madness tinha a fama de zine que entrevistava bandas nacionais, mas havíamos entrevistado apenas o Squonks e o Pin Ups; além de umas notinhas esparsas sobre bandas que eu tinha ouvido falar. De qualquer forma, ainda na edição #3, o midsummer madness já tinha conseguido uma divulgação e uma reputação muito boa, com notinhas elogiosas no Maudito Zine (encartado na revista Animal), citações no Rio Fanzine (O Globo) e, não tenho certeza, mas talvez citação numa matéria da Folha ou do Estado.

Essa fama toda me fez começar a receber fitas demos, que também eram pouquíssimas. Basicamente eu tinha ficado amigo do Fabio Leopoldino, vocalista e guitarrista do Second Come (nos conhecemos numa aula de desenho em Niterói), e uma amiga de São Paulo, que trabalhava na rádio Brasil 2000, a Érica, me mandou uma cópia da primeira demo do Killing Chainsaw. Eu ouvia estas demos sem parar, junto com as outras bandas que curtia na época, e apesar da qualidade técnica inferior, achava que Killing Chainsaw, Second Come, Pin Ups e Squonks não deviam nada a Loop, Sonic Youth ou Telescopes. E também achava que por mais que eu escrevesse isso, jamais os leitores entenderiam. Mas se eles ouvissem… Daí, copiando a ideia da revista Speak Up, que trazia uma fita-cassete encartada para você aprender inglês, eu fiz uma fita encartada na edição #4 do midsummer madness, em 1991, para que as pessoas aprendessem a gostar das bandas. Esse lance das fitas deu tão certo que a edição #5 trouxe uma fita com dezenas de bandas nacionais, porque de uma hora pra outra eu comecei a receber toneladas de fitas-cassete. E isso levou o midsummer madness, em 1994, a virar uma gravadora de fitas-cassete.

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Quando resolveu embarcar nessa onda, você já tinha referência de outras publicações do gênero? Como foi que a cultura zineira te fisgou?

Eu sabia o que era um fanzine porque a minha amiga Beatriz havia me emprestado alguns fanzines brasileiros e eu pirei com aquilo, com a possibilidade de fazer meu próprio jornal. Acho que a pilha de todos que começaram a fazer zine era a mesma: escrever e divulgar algo que não via divulgado na imprensa tradicional. Lendo os primeiros zines que caíram na minha mão e buscando informação via carta e em alguns poucos pontos no Rio de Janeiro e em Niterói, eu escrevia para todos os endereços de zine que via. Era a maneira de intercâmbio que existia na época (1988, 1989, internet nem pensar). A intenção era conhecer pessoas com o mesmo gosto musical, para trocar informações, fitas-cassete e, de repente, até arrumar uma namorada.

Quais foram as pautas mais bem amarradas que já rolaram nas páginas do midsummer, em sua opinião? Coisas que você teve orgulho de ter publicado.

Hoje, olhando para todas as edições do midsummer madness, não acho que o zine tenha sido um celeiro de boas pautas, ou de futuros grandes jornalistas musicais. A gente era curioso sobre as bandas, as músicas, mas nunca tive (tivemos) aquela coisa de jornalista musical, de achar um jeito genial de contar uma história. As matérias do mm sempre foram muito feijão com arroz. Na edição #6 ou #7, não me recordo bem, eu já estava na UFRJ, cursando produção editorial. Lá, mais uma vez, o fanzine serviu de subterfúgio para conhecer pessoas, e o Michel Alecrim, aluno de jornalismo, e a Gabriela Dias, aluna de produção editorial, de mudança para São Paulo para fazer editoração e futura editora do Panacea, resolveram se autodenominar editores do mm. Eu aceitei, pois precisava de ajuda. Com os dois me ajudando, foi o único momento em que houve esta preocupação da pauta e do gancho para o texto.

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Depois que as coisas ficaram, digamos, mais sérias para o mm como selo, o zine foi descontinuado, certo? Foi a chegada da internet que motivou essa parada?

Não, o que motivou a parada do zine foi saco cheio mesmo. Eu nunca tive essa busca pelo jornalismo musical, ainda acho até hoje o jornalismo musical uma piada. Montar o selo, lançar fitas, distribuir música e não apenas ficar falando dela me parecia ter muito mais a ver com o que eu esperava do midsummer madness. Dá até para dizer que ficou sério, mas na verdade eu enchi o saco do fanzine. Na época que o selo começou, o zine estava no auge de sua divulgação, eu recebia dezenas de cartas e fitas-cassete toda semana e ter que responder a todas aquelas pessoas me cansou. Já ouvir as fitas e descobrir bandas brasileiras boas que eu nunca tinha escutado falar era muito mais interessante. Em 1995, o mm tinha bandas do Rio, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Ceará no cast, eu achava isso incrível. A internet só chegou para o midsummer e para as bandas anos mais tarde, em 1997. Com o selo estabelecido eu ainda editei umas duas ou três versões do fanzine e algumas microedições, de quatro ou oito páginas.

Você nunca pensou em continuar fazendo o zine com uma periodicidade regular para promover as bandas/lançamentos do selo? Ou acha que a plataforma ficou obsoleta no sentido de trazer resultados?

Em 1997 a gravadora já estava mais ou menos estabelecida, com quase 30 fitas lançadas em três anos de atividade. Uns amigos resolveram entrar de sócios na gravadora, o Rodrigo Letier e o Marcos Rayol (que tocava na Pelvs) e me ajudar a lançar os primeiros CDs, o Bingo, do Cigarettes, e o Members to Sunna da Pelvs. Nessa época colocamos no ar também o mmrecords.com.br - um dos primeiros sites de gravadora brasileira independente. Então a plataforma era o site e não mais o zine. Fazer o zine tinha virado algo caro: fotocopiar, distribuir… Na internet era tudo mais simples. Mas, mesmo assim, na época eu fazia pequenas edições, de quatro páginas em A4, para distribuir em eventos e por carta.

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Com um jornalismo musical impresso que, além de escasso, atualmente foca muito no hype e no pop, não seria o momento certo para um novo movimento de zines informativos mais afiados?

Sinceramente, acho que não. Publicar uma revista (mesmo que com nome de fanzine) é algo muito caro. E distribuí-la, algo ainda mais complicado e caro. Uma opção seria um fanzine eletrônico, em PDF, mas que poderia facilmente virar um… blog! O único motivo para imprimir um zine e distribuí-lo é fazer algo artístico, no sentido de que, além do conteúdo, aquela peça impressa é um item desejável. Se for pela informação pura, nada pode suplantar a praticidade da internet (blogs).

Qual a importância de colunas/seções como Rio Fanzine (O Globo), Headbanger's Voice (Rock Brigade) e MAU (Animal) para a fomentação e solidificação da cultura zineira no Brasil?

Essenciais! Naquela época eram canais irradiadores, pontos de referência. Era de praxe que estes espaços publicassem uma pequena resenha e o endereço de contato. Estes endereços eram sempre muito usados e ter seu endereço publicado significava aumentar muito o número de contatos. Sem eles, na época pré-internet, talvez toda a rede alternativa (bandas, fanzines, shows) não teria existido.

Qual foi a maior tiragem/número de páginas que o mm já chegou a ter? Encontrar lugares adequados para fotocopiar/imprimir as publicações com qualidade e a um preço camarada era um problema?

Até a edição #5 o midsummer madness era xerocado e, as dificuldades, enormes. O quinto número, por exemplo, tinha 24 páginas A4, ou seis folhas A3 dobradas… Fazer isso em xerox era caríssimo. Acho que foi por causa desta dificuldade que eu desisti do zine e parti para o selo. Daí em diante, os números #6, #7 e o derradeiro #8 foram impressos em off-set, com tiragens de 1000 cópias cada. Acho que a edição #8 teve 40 páginas, foi a maior de todas. Era uma época em que esta ideia de fanzines evoluírem para revista era muito forte, mas a gente nunca quis isso.

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