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Música

Por Que 'Jovens Bruxas' Continua Sendo um Filme Foda

Mapeamos a música e o estilo do filme adolescente que continua nos influenciando 19 anos depois.

Adolescentes — as garotas, especialmente — sempre estiveram ligados à magia e à bruxaria. Em Massachusetts, nos anos 1690, não eram homens de meia idade que tinham sua urina misturada à receita de um bolo mágico, que depois era servido a um cachorro, para que a cidade descobrisse se eles eram ou não escravos de Satã (sim, isso aconteceu de verdade). O poder de uma jovem mulher descobrindo a si mesma e a sua força sempre foi considerado uma ameaça: a outras mulheres, aos homens consternados pelos seus sentimentos em relação a essas mulheres e à sociedade em geral. Basicamente, o mundo não consegue lidar com os nossos seios e com a nossa menstruação, então nos chamam de bruxas. Ironicamente, em vez disso afastar as adolescentes de qualquer coisa relacionada à bruxaria, elas se sentem atraídas por ela — "Nós somos as esquisitas, senhor", rosna Nancy para um motorista de ônibus perplexo.

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Às vezes, essa devoção por feitiços aparece em um contexto adocicado na cultura pop, como em Sabrina – Aprendiz de Feiticeira, O Poder Mágico e A Feiticeira. Às vezes, ela assume uma forma mais sombria e perigosa, como em Carrie – a Estranha, e, é claro, Jovens Bruxas.

Quando era adolescente, fiz meus próprios livros de magia e os enchi de feitiços inventados — o que é estranho e tosco, ao mesmo tempo — mas, olhando-os agora, vejo que estavam muito ligados à uma falta de autoconfiança. Tinha um mantra que eu repetia antes de dormir que eu tinha decidido que ia fazer as meninas da escola gostarem mais de mim. Eu sabia que ele não funcionava, mas na verdade ele meio que funcionou, porque à medida em que fui ficando mais velha, adquiri essa autoconfiança que não tinha. Comecei a acreditar na minha forma particular de magia.

É fácil para uma mulher rebelde se identificar como bruxa. Quando não levamos desaforo de ninguém para casa, quando temos um grupo de amigas pelo qual somos apaixonadas, quando vestimos o que bem entendemos e decidimos que nossos corpos são nossa propriedade e de ninguém mais, seguimos os passos de mulheres fortes e rebeldes que vieram antes de nós. Seja essa mulher Alse Young, de Windsor, Connecticut, enforcada em 1647 por bruxaria, ou Kathleen Hanna, de Portland, Oregon, que, graças a Manon, ainda está bem viva, essa é a nossa linhagem. Adoro o Halloween porque o outono é muito bonito, e também porque tem essa crepitação fresca e enfumaçada no ar. Talvez sejam apenas as fogueiras, ou talvez sejam algumas bruxas de Salem fazendo algo muito foda no meio do mato.

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Com isso em mente, quero analisar a música (como você vai ver, a maior parte é de covers) e o estilo do filme que tem o melhor coven do cinema — diga olá para Nancy, Sarah, Bonnie e Rochelle.

NANCY

Nancy é TUDO. Ela é puro ódio, uma massa enorme de fúria aprisionada em um corpinho pequeno. Interpretada por Fairuza Balk, ela alimenta um rancor profundo por qualquer um que cruze o seu caminho, incluindo seu padrasto, às vezes sua mãe, mas acima de tudo, sua pobreza. Ela é uma excluída que foi maltratada pelos garotos toscos da escola porque ousou usar um sobretudo de vinil, pintar as unhas de preto e ter opinões firmes. Mas ela não vai mais levar desaforo para casa. Quando somos apresentados a ela, não temos certeza de que lado ela está, especialmente quando ela é hostil com a recém-chegada Sarah.

Nancy está quase sempre vestida de preto. No começo do filme, ela penteia o cabelo para trás, usa sempre um batom escuro e um lápis de boca mais escuro ainda. Ela gosta de couro e meias arrastão, e acho que teria calafrios com a ideia de ser vista usando uma estampa floral. Na verdade, ela provavelmente faria uma cara assim:

Favor reparar no piercing no nariz, nas sobrancelhas finas estilo anos 90 e na coleira de spikes.

É apropriado que a trilha sonora de Jovens Bruxas seja repleta de artistas mulheres, já que esta é essencialmente uma narrativa feminina. Fico feliz que "Spastica", do Elastica, tenha entrado na trilha, porque a Justine Frischmann me faz lembrar muito a Nancy. O cabelo curtinho, a atitude "argh, que seja" e o bom gosto para jaquetas de couro delas são iguaizinhos. Caso você não saiba — que vergonha! — o Elastica é uma banda inglesa de pós-punk/new wave/britpop dos anos 90 que fez um disco absolutamente incrível. A letra de "Spastica" inclui o trecho: "Os monstros do presente são os monstros do passado/Dei uma olhada nas suas letras, você só olha para o seu rabo". Tenho certeza de que Nancy aprovaria isso.

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Passado um tempo, Nancy convida Sarah para o grupo e as quatro se tornam poderosas, graças à boa vontade de Sarah em dividir suas habilidades naturais. Muitos dos rituais retratados no filme são baseados em ritos verdadeiros da Wicca — a equipe tinha uma Suma Sacerdotisa Diânica para orientá-los no set. E, depois das filmagens, Fairuza comprou a loja wiccana que ela visitava frequentemente enquanto pesquisava para a sua personagem. Ela não é mais a dona, mas a loja ainda existe.

Embora a união das quatro signifique que as suas três melhores amigas finalmente vão conseguir o que querem, Nancy continua vivendo a mesma vida triste que odeia. Olha só pra ela, sentada em frente ao seu altar no seu deprimente quarto pré-mágica, usando esse kimono foda, rezando desesperadamente para que as coisas melhorem.

Mas então, graças a um incidente bizarro — e, você sabe, mágica — ela e a mãe dela ganham um monte de grana. Olha pra ela agora, no seu quarto pós-mágica! Olha só essa vista! Olha esse conjuntinho incrível que ela está usando, olha como a vida dela é foda agora!

Mas isso não é suficiente. Velas e um apartamento com uma vista bacana não tornam uma pessoa feliz. Ela quer mais, precisa de mais, então procura o figurão dessa história.

Acho que essa é uma boa hora para falar do Tripping Daisy, a banda de pop neo-psicodélico (palavras deles, não minhas) cujo cover de "Jump Into The Fire", do Harry Nilsson, foi usado na trilha sonora. Depois da morte do guitarrista Wes Beggren por overdose, em 1999, os membros do Tripping Daisy montaram a banda The Polyphonic Spree, basicamente em reação à morte do seu amigo. Uma espécie de catarse musical. O Tripping Daisy era conhecido pelas projeções nos seus shows, em que usavam óleo e água para criar efeitos espiralados e viajantes inspirados nos anos 60. Queria que as pessoas ainda fizessem coisas assim.

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Nancy percebe que a única maneira de ganhar habilidades mágicas de verdade é invocando Manon, a entidade que as garotas cultuam, em uma praia ventosa à meia-noite (onde mais?). Manon ouve o seu chamado sincero e responde concedendo a ela poderes bastante assustadores, além de montes de baleias, tubarões e golfinhos (muito gentil da parte dele).

Depois disso, as habilidades de Nancy se tornam descomunais, e ela começa a usá-las de um jeito que assusta Sarah, a única bruxa natural do grupo. Nancy muitas vezes tem boas intenções, mas é intimidadora. O estilo dela também muda para refletir sua evolução interior; o seu cabelo fica mais rebelde e solto, ela passa a usar vestidos com mangas boca de sino e nunca é vista sem os seus coturnos. Ela parece uma Stevie Nicks (muito) do mal.

Então as coisas ficam muito, muito sinistras. Nancy começa a pensar calmamente o tempo todo, mas com uma viradinha de cabeça do mal, assim:

Olha só esses terços e esses brincos de cruz que ela usa. A escola delas é católica, mas não acho que ela seja católica. Na verdade, sei que ela é manônica, então isso é subversivo? Sabe de uma coisa? Ela está começando a me assustar, acho que é hora de falar de outra menina.

SARAH

Ah, Sarah. Ela se mudou de outra parte do estado, e acho que a mãe dela acabou de morrer, ou morreu há muito pouco tempo. Enfim, a garota carrega uma bagagem pesada, e não estou falando da mochila Jansport que ela usa. No primeiro dia de aula, ela ainda não tem uniforme, então usa um casaco de capuz bege bem normcore com uma camisa pólo e segura seus livros como se fossem bóias salva-vidas.

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UMA CURIOSIDADE: Robin Tunney, que interpreta Sarah, usou uma peruca no filme porque seu cabelo ainda estava crescendo depois dela raspá-lo para Império dos Discos. Além disso, como a sua personagem naquele filme, Sarah tentou cortar os pulsos, o que na verdade é parte do que a liga a Nancy, Rochelle e Bonnie.

Como você pode ver, Sarah faz umas bruxarias muito loucas com esse lápis durante a aula — o que eu acho meio irresponsável, para ser sincera — mas Bonnie vê e se dá conta de que elas finalmente acharam o seu "quarto elemento". Sarah tem dúvidas em relação a essas párias sociais, e tenta se encaixar com o resto da turma antes.

Gosto de como ela usa a saia kilt e o blazer com meias soquete e All Star.

A música de Sarah provavelmente é "Under The Water", da Jewel. Sarah é uma alma sensível que passou por muita coisa. Consigo imaginá-la no seu quarto, olhando fixamente para aquela foto da mãe dela usando um chapéu de praia enorme, ouvindo Pieces of You repetidamente. Você se lembra desse disco? Lembra do sucesso que ele fez? Lembra de todas as outras cantoras chatinhas, num nível quase rock cristão, tocando violão, que surgiram na cola dele? "Who Will Save Your Soul", o primeiro single do disco de estreia da Jewel, estava em tudo quanto é lugar, e aquele clipe em preto e branco gravado em um banheiro público deve ter aparecido um milhão de vezes no Pop Video em 1996. Não que Sarah seja o tipo de garota que assiste ao VH1, ela está muito acima disso. Mas sabe de quem ela não está acima? Chris Hooker, interpretado por Skeet Ulrich.

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Ela se apaixona por ele e concorda em ir num encontro duplo com ele, a gostosona/racista da escola e o namorado dela. Ele diz a Sarah que o formato da cabeça dela é legal e ela está usando meias 3/4 pretas — o que pode dar errado? VOU TE DIZER O QUÊ! Ele espalha um boato escroto de que ela deu pra ele. Mas ela não deu. Essa mentira leva Sarah para os braços de Nancy, que também foi maltratada pelo mentiroso da escola, e logo o coven que conhecemos e amamos está andando pela lanchonete da escola assim.

Adoro que elas estão fazendo algo que amigas fazem seguidamente, que é se vestir de forma parecida. Já fiz isso e é um laço que dura para sempre. Até hoje tenho amigas que não vejo há séculos e, quando nos encontramos, nossas roupas combinam da cabeça aos pés. Nossos estilos evoluíram juntos. E, para essas meninas, isso significa blusas brancas, sutiãs que deixam os mamilos à mostra, coletes e suspensórios.

A música perfeita para nos lembrarmos da amizade delas é o cover da Juliana Hatfield para "Witches' Song", da Marianne Faithfull. A letra é sobre se encontrar com as suas irmãs no topo de uma colina e invocar espíritos — perfeita para a playlist de um coven. A versão original é muito mais tranquila do que o cover agitado de Hatfield, com um efeito sinistro de sintetizador que parece um vento uivando sob o vocal rouco de Faithfull. É muito melhor.

Sarah se diverte com sua transformação de estilo inspirada na Wicca. Ela pega uma sombra preta emprestada, começa a usar blusas rendadas e o seu cabelo ganha mais volume. É um visual bacana para ela. (Gosto do chanel curtinho com presilhas da Nancy).

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Diferentemente de Nancy, Sarah é mais aberta a usar estampas florais e parecer bonitinha. Ela usa muito blusas de manga comprida com vestidos por cima, um visual que era foda nos anos 90 — especialmente quando a sua melhor amiga colocava uma faca no seu pescoço.

Sarah também tem essa habilidade incrível de mudar sua aparência passando as mãos sobre o rosto e o corpo. Elas chamam isso de "glamour". DÃ. Mataria para saber fazer este feitiço, me arrumar seria muito mais fácil e eu poderia mudar de cabelo quando desse na telha. Ou me transformar no Donald Trump e sair por aí dizendo que o casamento gay e a imigração são incríveis.

Depois do seu grande encontro com Manon, o comportamento de Nancy se torna violento — e, vamos encarar, ilegal — e Sarah começa a se distanciar de sua agora inimiga. Ela também volta a usar o uniforme da escola, abandonando os coletes. Aham, como se isso fosse te salvar, querida.

Sarah só descobre mesmo o seu visual no final do filme. Ela é aparentemente inspirada por Lirio, a bruxa mais velha que as garotas encontram na loja esotérica que frequentam.

Na última vez em que a vemos, ela está fazendo a coisa mais anti-Nancy possível, usando seda e tons pastéis.

Nancy vai ficar MUITO PUTA!

BONNIE E ROCHELLE

Vou falar dessas duas juntas porque elas são inseparáveis, o que na verdade se estende à vida real — Rachel True e Neve Campbell se tornaram melhores amigas no set, e aparentemente são próximas até hoje. Então parece cruel separá-las.

Bonnie é muito tímida e, graças a cicatrizes horríveis, está sempre toda coberta.

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Meu Deus, parece muito quente aí, sob o sol da Califórnia, e Bonnie está usando meias de lã, a parka mais comprida que já vi na vida e uma blusa de gola alta sob a camisa do uniforme. E depois tem a Rochelle. Acho que ela tem o melhor estilo das quatro. O sapato boneca de camurça, o cardigã curtinho de gola V, as mangas da camisa dobradas e a saia kilt a fazem parecer, de alguma forma, meio patricinha e super descolada ao mesmo tempo. Gosto muito do cabelo dela também.

E olha só como ela está bonitinha aqui, de macacão jeans, enquanto suas amigas usam seus poderes para fazê-la flutuar no ar.

Você também pode notar nessa foto que Bonnie já não está mais tão coberta. Sim, algo acontece com ela. Não quero estragar a surpresa, mas basicamente, um dia ela entra na sala de aula com esse visual.

De repente, ela é a garota mais atrevida que você poderia conhecer. Gosto da trança embutida e da maneira como ela arrasta o casaco pelo chão. Então ela se espreguiça no sol feito um gato e você sabe que Bonnie chegou.

O cover da Heather Nova para o clássico "I Have The Touch", do Peter Gabriel, é a melhor música-tema para Bonnie depois da transformação, porque de repente ela está ali. No mundo, procurando uma conexão, querendo chamar a atenção. Ela vai na frente das amigas, caminhando pela cidade e assobiando para os caras bonitos — essa garota precisa de contato.

Acho que ela emprestou sua velha parka para Rochelle, trocando-a por uma jaqueta de couro e colares muito bonitos. Diga oi para Sarah também, com a sua boina preta e a sua blusa de gola alta, parecendo uma bruxa existencialista.

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Essas garotas adoram presilhas.

O estilo da Rochelle é um meio termo entre o das outras meninas. Como Sarah, ela usa vestidos florais sobre blusas de manga comprida, mas seus vestidos vão até os tornozelos, e ela parece um pouco mais fodona. Com o passar do tempo, ela usa cada vez mais preto, para refletir suas ações sombrias e a maneira cruel como trata uma menina em particular.

Adoro a roupa que ela usa na invocação de Manon na praia. Lembro como era incrível ter blusas que amarravam na frente, e esse cardigã é da mesma cor do vestido dela. O segredo é combinar o seu vestido de jersey com as suas peças de malha, pessoal.

Agora, não sei se você sabe disso, mas o cover do Letters To Cleo para "Dangerous Type", do The Cars, está na trilha de Jovens Bruxas. Não quero dar uma de Ben Wyatt, mas tem uma banda mais foda do que o LTC? É uma banda que os melhores personagens de ficção curtem — Ben, obviamente, mas também Kat Stratford, que aparece pirando no som deles no Club Skunk, em uma cena de 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você. Eles tocaram na formatura de ensino médio dela! E no telhado daquela escola ridícula! A vocalista, Kay Hanley, tinha o cabelo mais legal do final dos anos 90, não importava se estava curtinho e pintado de dois tons de vermelho e loiro ou preso em marias chiquinhas espetadas. E quando ela cantou o hino nacional para o New England Patriots eles tiveram uma vitória de oito a zero! E ela também faz a voz da Josie quando ela canta em Josie e as Gatinhas! No fundo, se a vida não tivesse dado algumas rasteiras nelas, acho que Bonnie e Rochelle só iam curtir ir aos shows delas e ouvir Save Ferris e acabariam montando uma banda ou algo do tipo.

Mas, em vez disso, estão fazendo esse tipo de coisa usando meias rendadas e colares com crucifixos. Adoro mesmo essas presilhas.

Quando vemos Bonnie e Rochelle pela última vez, elas estão chegando na casa de Sarah usando umas roupas muito esquisitas, e a amizade delas está por um fio. Bonnie, em particular, fez uma escolha esquisita com essa camisa. Por que as mangas são tão compridas?! E por que diabos as mangas do casaco da Rochelle também são tão compridas?!

Acho que a lição é: tenha cuidado com magia. Não só porque ela pode acabar com o seu grupo de amigas e com a sua vida amorosa, mas porque, pelo visto, quando você perde os seus poderes, subitamente perde também a noção de como se vestir.

Nancy, Sarah, Bonnie e Rochelle. Amo todas elas individualmente, mas temos que admitir — elas eram melhores juntas.

Elizabeth Sankey colabora regularmente com o Noisey e se veste como se estivesse em um filme dos anos 90. Além disso, é vocalista da Summer Camp. Siga-a no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta