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Música

​Aos Mestres do Dub com Carinho: Um Papo com Mad Professor e No Estúdio com Lee "Scratch" Perry

O StranJah trombou a dupla gravando num estúdio em SP após o One Drop Festival e ainda conversou gostosamente com o Mad Professor.

Fotos por Bob Donask/One Drop Festival

“Quando eu era garoto, achava que dentro do rádio que escutava tinha um homem falando. Foi no dia que resolvi abrir e desmontar o rádio que me apaixonei por eletrônicos e, óbvio, que também apanhei da mãe!”. Quem conta essa história é Mad Professor, um dos mais importantes produtores atuais de dub music, que esteve no Brasil para o One Drop Festival, que rolou em São Paulo no dia 4 de outubro. Ele veio acompanhado do mestre Lee Perry, em uma apresentação inesquecível.

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Nascido Neil Joseph Stephen Fraser em 1955 na Guyana, Mad Professor migrou para Londres nos anos 70, onde ele seguiria a sua paixão por eletrônicos e por música. Influenciando desde cedo pelos ritmos caribenhos em geral, sempre se identificou mais com o reggae e, principalmente, com o lado B das faixas: o instrumental.

Aproveitamos o show pra trocar uma palavra com Mad Professor sobre dub, Brasil e parceria com Lee Perry.

Noisey: Seria errado se eu dissesse “vim aqui trocar ideia com o melhor da segunda geração da dub music”? [risos]
Mad Professor: [Risos] Não, não. É isso mesmo. Sabe, Scientist e eu temos quase a mesma idade. Então é justo mesmo. Enquanto um estava na Jamaica o outro estava na Inglaterra e assim criamos nossa identidade.

O que faz a sua identidade?
Bom, eu acho que o fato de sempre estar buscando coisas novas e evoluindo com o que acontece ao nosso redor. Às vezes é bom esquecer de uma coisa que você fez por um tempo, pegar essa gravação alguns anos depois e trabalhar na ideia com uma visão moderna. É isso que me motiva e me faz inovar.

Ouvi dizer que você quase comprou terra no Brasil para poder fazer um festival, mas de última hora mudou de ideia. Como foi isso?
Eu tinha uma grana extra e estava pensando em ir para América do Sul ou para a África, mas mais particularmente para o Brasil, onde estava prestes a comprar um terreno. Porém, de ultima hora, mudei de ideia porque eu me senti um pouco mais em casa em Gambia. Então acabou sendo em Gambia.

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Você já tinha em mente a ideia de fazer um festival?
Sim! Eu ia fazer esse festival de qualquer forma. Na verdade foi uma ideia que tivemos nos anos 70 para criar um movimento “de volta para a África”, no estilo de repatriação, e conseguimos fazer isso. Conseguimos em torno de 600 pessoas de vários cantos do planeta. Pessoas até da Argentina, do Brasil, para voltar à África. Algumas acabaram comprando terra, algumas arrumaram esposas, outras maridos e algumas acabaram com filhos. Então foi um grande progresso.

Qual foi o line-up do festival?
Teve Earl 16, Sandra Cross, Tippa Irie, Leroy Simmonds, John McLean. Teve Asher Selector da Suíça soltando uns dubs pesados e a banda Najavibes. Mafia & Fluxy. Teve bastante gente, e como era uma semana inteira de festival, fizemos uma noite dedicada apenas aos artistas do acervo do meu selo Ariwa. Rolou workshops, moda, beleza, festa na praia e, para encerrar o festival, Frankie Paul com Mafia & Fluxy de backing vocal. Eles levaram geral à loucura. Nós tínhamos os principais artistas da Ariwa, sabe? Macka B etc.

Macka B! Esse cara é fenomenal. O jeito dele achar uma rima e seguir uma faixa inteira nessa mesma linha é muito original!
Pois é! E ele nunca veio a São Paulo [risos], mas falei com ele a respeito de vir pra cá e ele ficou super a fim.

Mad Professor e Lee Perry mais uma vez. Como foi essa experiência?
Mais uma vez, porém muito melhor. Acabamos um álbum chamado Black Ark Classics In Dub.

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Esse álbum foi como um reencontro então? Vocês já haviam colaborados anteriormente.
Isso. Pois sabe, Scratch e eu nos conhecemos primeiro na Inglaterra, e depois na Jamaica. Uns caras disseram que a gente deveria trabalhar juntos. Fizemos alguns álbuns em parceria. Mas agora foi muito legal porque a gente não se via há anos… Mas da primeira vez também foi incrível ver ele trabalhando por vinte horas sem parar e todo o seu processo.

Você lembra mais ou menos o ano?
[Risos] Infelizmente não.

Cachaça infelizmente faz isso.
Yeaaah! [Risos]

E isso foi em qual estúdio? Em Croydon?
Não. Isso foi em Peckham, mas ele foi no de Croydon depois.

Como foi seu primeiro contato com Lee Perry?
Eu gostaria de lembrar melhor… Estamos falando de mais de 30 anos! Mas olha só, o primeiro disco que eu tive foi um disco do Lee Perry, então eu já o conhecia.

Se lembra do disco?
Sim! Era Duppy Conqueror, do selo Upsetters.

Você acha que ele já era tão fascinante quanto hoje naquela época?
Hmmm.. Sabe, Lee Perry é como meu pai. Acho que sempre será.

Vocês já fizeram muita coisa juntos. Como foi a primeira gravação?
A primeira gravação de todas? Até hoje essa nunca foi lançada.

E você pensa num dia lançá-la?
Hmm.. Claro! Sabe, no Estúdio Ariwa a gente tem literalmente toneladas de coisas gravadas que nunca foram lançadas.

Acredito.
Diria que para cada disco lançado existem uns 15 ou 20 que não foram, mas é assim que funciona…

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Falando em coisas não lançadas, conte um pouco sobre seu contato com o MCA dos Beastie Boys.
Ah! Eu estava em Los Angeles com a Ariwa Posse, fazendo um show. Não lembro exatamente quem da equipe estava comigo, mas acho que o Macka B também estava. Enfim, chegou um magrão branco do meu lado e de repente me perguntou: “Hey, o que você vai fazer depois daqui?” e respondi: “Por quê? Por que você quer saber?” Tipo, quem é você? Aí ele falou: “Somos os Beastie Boys”. E eu tinha ouvido falar deles, então respondi: “Ah. Ok!” Ele seguiu pedindo para eu colar no estúdio dele, e falei que não poderia porque depois do show queria descansar. MCA respondeu: “Ok. Apareça amanhã”. Então no dia seguinte eu fui, e gostei do estúdio. E foi aí que chamei o U-Roy, que também estava em LA, dizendo para ele que queria gravar o álbum dele em L.A em vez de Londres e aproveitar o estúdio.

Então eram Mad Professor, Beastie Boys e U-Roy juntos no estúdio?
Isso! Então levei minhas tracks e gravei “True Born African” em paralelo.

O que aconteceu com essas gravações?
Então, teria que ver com o engenheiro de som, pois eu fiz para eles e não sei muito bem o que aconteceu… Mas depois da morte do Adam (Adam Yauch a.k.a MCA) acho que ficou ainda mais complicado tentar descobrir.

Na sequência tive a oportunidade, entre portas fechadas, de assistir Mad Professor trabalhando junto com Lee “Scratch” Perry no estúdio, e pude acompanhar o processo criativo desses dois gênios do dub. Enquanto Mad Professor fazia anotações no papel para Lee Perry, o último perguntava:

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- Do que fala essa música?

- Que é triste estar na solidão, mas é mais triste não ter um Deus no seu coração.

- Ok. Essa pessoa da letra, vamos chamar ela de Nicodemus. Nico. Sim. Nico de nicotina. Demus. Nicodemônio. Nicotina e o demônio, então Nicodemônio.

Foi bastante interessante ver como o “Scratch” raciocina essas metamorfoses de palavras peculiares, e como o Mad Professor dava apoio. “Ah! Essa sim. Essa frase não!”. Quando perguntei sobre a sua melhor experiência, Mad respondeu: “Acho que cada experiência deve ser melhor que a anterior, então fica difícil escolher”. Já em relação à pior, ele revelou: “Teve um dia em que íamos gravar no meu estúdio, bem no início dos meus dias em Londres, e nada funcionou. Pifou. Foi um desastre.”

Pois é Mad, nessa era digital que vivemos ainda restam muitas surpresas por vir, nada funciona 100%, mas as surpresas musicais, essas sim aguardamos ansiosamente, assim como outras apresentações em terras brasileiras.

StranJah é peça-chave na cultura sound system em São Paulo e no mundo e um dos principais pesquisadores de música jamaica.