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Música

A Sara que não se deu um nome

Durante todo o mês de março, conversaremos com uma artista por dia sobre a condição feminina no mundo da música. Na estreia, a revelação indie Sara Não Tem Nome.

Foto por Diego Xavier.

Em março, na coluna Mulher do Dia, vamos diariamente parar por um minutinho o torno informacional para respirar e pensar sobre quantas vezes nós levamos realmente a sério o fato de que muitas das nossas artistas preferidas são, todos os dias, mulheres.

Lá pelo final dos anos 1990 e começo dos 2000, a banda brasiliense Bulimia criava o que viria a se tornar um dos hinos do movimento Riot Grrrl brasileiro: a música “Punk Rock Não É Só Pro Seu Namorado”. E foi ao ouvir esse refrão, quando tinha lá pelos meus treze anos e cabelo cor-de-rosa, que me veio pela primeira vez o insight: essas minas são minas. E tão fazendo música. E eu também era (no caso, ainda sou ) uma mina. E também posso fazer música, se eu quiser.

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É claro que o mundo da música não é um dos melhores para as mulheres. Seja no circuito comercial ou no mainstream, no pop ou no metal, no hip-hop ou no indie, as minas penam muito pra conseguir uma frestinha de reconhecimento em (mais) um oceano dominado por pirocas por todos os lados. Não é à toa que a Myrkur recebeu várias ameaças de morte de uns black metaleiros cuzões só por ser o quê? Mulher. Nem é à toa que uma estátua de cera da Nicki Minaj foi alvo de um monte de otário tirando fotos obscenas com ela.

Daria pra fazer um textão gigantesco só apontando a misoginia na música. E citar incessantemente inúmeras notícias que comprovam e denunciam isso. Porque, infelizmente, é óbvio: se você é mulher, vai sofrer com machismo diariamente. Porém, o que queremos fazer aqui, na real, é reservar esse espaço diário para você, caro leitor ou leitora, contemplar essas artistas. Olhar e pensar nelas não só como objetos da indústria musical, mas sim em como há uma Mulher por trás de tudo isso. Mulher no sentido humano: que sente, que chora, que fica puta pra caralho, que tem crise existencial e várias camadas de subjetividade. Que são indivíduos, assim como eu, escritora, e você, leitor(a).

Não poderíamos ter escolhido nenhuma entrevistada melhor para estrear a coluna “Mulher do Dia” do que a Sara Braga, mais conhecida sob a alcunha de Sara Não Tem Nome. Você já deve ter escutado o seu álbum de estreia, Ômega III (2015) aqui no Noisey. O trampo da cantora e artista plástica mineira de 22 anos traz toda uma atmosfera introspectiva misturada com referências a Sérgio Sampaio e crises existenciais adolescente. Tudo envolto por um ritmo indie-folk (ou seria o nascimento do shoegaze pop nacional?). O disco foi masterizado pelo Rob Grant (que também fez as masters do Tame Impala e do Death Cab for Cutie) e ficou do caralho. Se você ainda não ouviu, se liga abaixo:

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Trocamos uma ideia com a Sara que nos falou sobre seu ingresso no universo musical, suas mulheres-influências e como é difícil montar uma banda inteiramente composta por garotas (apesar de ter muita mina arrebentando por aí). Nossa Mulher do Dia ainda nos indicou outras minas que não devemos deixar de ouvir. Acompanhe o papo: NOISEY: Me fala como você começou a fazer música.
Sara Não Tem Nome: Comecei a compor com frequência a partir dos 14 anos. Antes disso, já escrevia poemas, textos, mas não tocava nenhum instrumento. Aprendi a tocar violão e, então, o processo de composição começou a fluir mais. Com 15 anos, fiz minha primeira apresentação voz e violão. Depois disso, continuei me apresentando, às vezes. Me focava mais em escrever as músicas e guardá-las pro momento em que elas fizessem sentido juntas em um disco. Fui jogando vários vídeos e gravações lo-fi na internet e chamando amigos para tocar comigo. Ano passado, fiz uma residência artística no Red Bull Station e gravei meu primeiro disco.

Você acha que já sofreu algum tipo de preconceito por ser mulher no mundo da música?
Com certeza. O ambiente da música no geral é muito masculino. Já escutei muitos caras falando que há bandas que têm mulheres só pra chamar a atenção, como se elas não pudessem estar na banda por tocar bem. Quando era adolescente, queria montar uma banda com algumas amigas mas os pais e mães delas tornavam isso impossível. Uma dessas amigas pediu de presente de 15 anos uma bateria, e a mãe dela disse que bateria não era instrumento pra mulher e deu pra ela uma festa de 15 anos de presente, dessas que a menina veste aqueles vestidos de “princesa”, dança com convidados.
Também muitas vezes as pessoas acham que tem algum homem por trás das suas ideias, das suas músicas. Uma vez, um jornalista disse que Sara Não Tem Nome era criação de um escritório de publicidade, como se eu não tivesse a capacidade de criar minha identidade. Enfim, tem várias histórias, algumas que não dá nem pra contar aqui, que são muito absurdas.

E como é tocar com uma banda de apoio totalmente masculina?
Na verdade, eu não tenho uma banda fixa. Na formação, quando estava tocando em São Paulo, só tinham homens. Agora, na minha banda em Belo Horizonte, tem mais duas minas na minha banda. Estou procurando me aproximar mais de outras mulheres, pois há muitas meninas muito talentosas na música e que às vezes ficam à sombra dos caras e não ganham reconhecimento.

Quais mulheres você tem como referência/influência?
Algumas delas, entre artistas visuais, cantoras, musicistas: Patti Smith, Laurie Anderson, Kymia Dawson, Karen Dalton, Sibylle Baier, Ana Mandieta, Louise Borgeouis, Cat Power, Valie Export, Sophie Calle, Lydia Lunch, Francesca Woodman. Além de gostar de seus trabalhos, elas me inspiram por seus posicionamentos políticos e artísticos. Me vejo representada por elas. O que você acha do cenário atual da música para as mulheres?
Acho que temos ganhado espaço mas ainda falta muito a percorrer. Existem casos de cantoras que estão ganhando reconhecimento ou já estão consolidadas, mas é bem raro ver uma banda só de mulheres tendo algum destaque no cenário brasileiro. É uma mudança que também parte do público, das pessoas se interessarem por coisas novas, se abrirem para isso. Tem que partir da sociedade também, que nos faz sentir desde pequenas que aquilo não é para nós, que é um lugar para homens, como no caso que eu contei da minha amiga que não tinha apoio da família.Um projeto que acho que contribue muito nesta questão é o Girls Rock Camp, em que várias meninas se juntam para aprender a tocar, fazer músicas juntas, formar bandas, etc.

Dicas de minas que estão começando e você tem ouvido.
Das bandas que têm meninas que tenho escutado tem a Post, Bloody Mary, Harmônicos do Universo, La Burca, My Magical Glowing Lens, Savages, Colleen Green, Frankie Cosmos, Electrelane, Camila Garófalo, Laura Wrona e a Lulina.

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