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Música

Conversamos com o Cara que Fez o Documentário Definitivo Sobre o HC de Washington

Trocamos uma ideia com o diretor que era amigo dos caras do Marginal Man e aparece em uma pá de fotos do Embrace e do Minor Threat.

Ô lá em casa. Quando se fala em Washington, DC, é bem certo que se vá pensar em Casa Branca, Capitólio, Pentágono, Lincoln Center. Mas alguns endereços anônimos da cidade também entraram para a história. Foi das garagens de Washington e da vizinha Arlington que surgiram, nos anos 1980, bandas como Bad Brains, Minor Threat, Dag Nasty, Embrace, Rites of Spring e Fugazi. Elas mostraram que o ideal de faça-você-mesmo era plenamente possível – o maior exemplo é a gravadora Dischord, fundada por Ian MacKaye e Jeff Nelson.

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A cena hardcore de DC ganha um valioso registro com o documentário Salad Days: The Birth of Punk in the Nation’s Capitol. A direção é de Scott Crawford, que assistiu a todos os shows que gostaríamos de ter visto. No filme, ele reúne suas memórias de fã adolescente, as emblemáticas fotos em preto-e-branco de Jim Saah e os depoimentos que colheu na vida adulta. Tem gente de casa, como MacKaye, Rollins, Brian Baker (Minor Threat/Bad Religion), Joe Lally (Fugazi), Alec MacKaye (Faith/Igntion) e Dave Grohl; e turistas como J Mascis, Thurston Moore, Jeff Ament (Pearl Jam) e Fred Armisen (Portlandia).

O Noisey conversou com o Scott Crawford sobre o documentário, que vai estrear nos EUA no dia 20 de dezembro e ainda não tem previsão de exibição aqui. Ele adianta algumas das boas histórias que podem ser vistas no filme:

Noisey: O Soulside toca de novo após 25 anos. Essa reunião ocorre por causa do documentário? Como você se sente quanto a isso, considerando que cresceu assistindo aos caras?
Scott Crawford: Bom, a gente tem falado dessa reunião há mais de um ano agora, coincidindo com o lançamento do filme. Além disso, a Dischord acabou de relançar uma parte do catálogo deles, o que dá o timing perfeito. O Soulside sempre foi um dos meus favoritos e, pra ser sincero, já nem sei a quantos shows deles eu assisti nos anos 80 (sério, são muitos). Acompanhar a evolução deles de Lunchmeat para Soulside foi um dos pontos altos da década, na minha opinião.

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Quantas entrevistas você fez e quantas horas de filmagem você precisou editar? Poderia destacar alguns depoimentos?
Entrevistei mais de 100 pessoas para o filme e mergulhei em centenas de horas de filmagem. Reduzir o filme a 100 minutos não foi fácil. Todo mundo teve algo interessante para acrescentar à história, desde o Ian MacKaye ao Thurston Moore, do John Stabb aos fãs e DJs.

Você teve dificuldade para conseguir o depoimento de alguém? E quem foram os mais “falantes”?
Não conseguir colocar várias pessoas no documentário. Alguns recusaram o convite para participar, enquanto outros simplesmente não foram localizados. Pensando em todas as entrevistas, diria que o John Stabb certamente foi quem mais falou!

Teve algum depoimento que foi completamente diferente da história que você costumava conhecer?
Algumas histórias me surpreenderam ao longo das filmagens. Eu estava imerso naquela cena dos anos 80, e julgava conhecer praticamente tudo – e obviamente queria explorar várias daquelas situações no filme. Mas foi fascinante ouvir as outras versões daquilo que você conhecia como sua verdade. É preciso lembrar que cada experiência pessoal foi diferente. O que é considerado grandioso para algumas pessoas pode ter exercido efeito nenhum sobre outras. Mas um caso interessante foram as circunstâncias sobre o fim do Minor Threat. Acho que exploramos isso bem no filme – que eu saiba, ninguém tinha falado disso até então. Ian Mackaye e Henry Rollins. Fotos por Scott Crawford/Divulgação.

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O que fez você transformar suas memórias em um documentário?
Sem querer soar exagerado, foi uma parte da minha vida que definiu minhas escolhas como um adulto. Foi terapêutico voltar no tempo e explorar um período que teve tanto impacto na minha vida. Mas não é um lance de nostalgia – nunca considerei aquele tempo como meus “salad days” [expressão em inglês que se refere a uma fase jovem e inocente da vida], necessariamente. Esses dias podem ocorrer agora, ou na próxima semana. Quais são as singularidades da cena de DC, comparada ao hardcore de outras partes do mundo?
Essa é uma pergunta difícil, e é algo que tentei responder no filme. Acho que tinha uma certa musicalidade e inteligência trazida por bandas como Bad Brains e Minor Threat, que elevaram o nível para toda a cidade. Tinha também uma ética de trabalho muito real – não havia indústria musical em DC. Se você quisesse que algo acontecesse, teria de arregaçar as mangas.

Pode mencionar 5 músicas essenciais daquele período?
Posso nomear 50? Tá, essa lista está longe de ser completa, mas aqui vão cinco:

Rites of Spring - "Hains Point"

Minor Threat - "In My Eyes"

Bad Brains - "Pay to Cum"

Marginal Man - "Shades of Reason"

Government Issue - "Time to Escape"

Você era praticamente uma criança quando testemunhou o hardcore de DC. Como conseguiu fazer parte dele e como isso afetou sua vida?
Tinha 12 anos quando comecei a ir aos shows. Meus pais tinham acabado de se separar e eu fiquei meio que por conta própria, em vários sentidos. Tive muita sorte de ser cuidado pelas pessoas mais velhas da cena, como os caras do Marginal Man, de quem fiquei muito próximo. Lembro de um show deles, no Wilson Center, abrindo para o TSOL, em que o Steve Polcari anunciou que a próxima música, “Friend”, era dedicada para o amigo deles, Scott… olhei ao redor para ver de quem eles estavam falando! Acho que o hardcore me afetou de maneiras que nem desconfio, e esse documentário me ajudou a identificar algumas delas.

Como anda a cena de DC hoje? Onde as pessoas conseguem ver shows e ouvir música independente?
A cena de DC parece estar adormecida agora, mas devo admitir que hoje em dia não saio como costumava sair antes. Mas há uma cena post-hardcore que parece ser tão comprometida e impulsionadora quanto àquela que vimos nos anos 80. Só não tenho a certeza de que o público está dando o devido suporte. Temos clubes excelentes aqui, como o Black Cat, o Rock & Roll Hotel, DC9 e outros espaços alternativos que podem ser frequentados por pessoas de todas as idades.

Podemos esperar depoimentos polêmicos no documentário?
Ah, acho que você vai encontrar vários quando assistir!

No trailer, o Ian MacKaye menciona que era possível fazer qualquer coisa em DC naquela época [anos 80] porque ninguém estava prestando atenção. Podemos considerar o hardcore de DC uma revolta contra a cidade e o país naquele momento?
Acho que foi uma reação ao que estava acontecendo naquela época. Quando se tem o Ronald Reagan na Casa Branca, bem perto de você, e políticos conservadores ditando as regras, acho impossível não ser provocado criativamente. DC também não era o que é hoje. Era uma cidade desolada e a criminalidade estava fora de controle. Então, essas condições no dia a dia claramente foram perfeitas para que se produzisse uma música incrível. Essa casa tem história pra contar, viu. Foto por Amanda Mont'alvão Veloso.