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Música

A Turnê de Merda do Black Drawing Chalks

Eles pegaram disenteria, encararam um busão apinhado de gente em pé e com o banheiro quebrado por mais de 15 horas, e quase afundaram no Rio Madeira a bordo de uma balsa podre...

Imagina só que chato deve ser viajar 15 horas sem intervalo num busão sem o mínimo de conforto, entupido de gente estranha em pé, fungando no seu cangote, e fedendo a merda porque, mesmo com o banheiro quebrado, geral foi lá e mandou ver. Tenso, falaí?! Agora pensa que isso aconteceu com os caras do conjunto goiano de stoner rock Black Drawing Chalks, na última data de uma turnê, quando eles em vão comemoravam o fato de que tudo tinha dado certo até ali.

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E esse é apenas o começo da história. Por isso eu costumo dizer que às vezes a realidade leva uma com a nossa cara, como se os eventos cotidianos fossem o roteiro de um filme dos IrmãosCoen. Tá ligado no que quero dizer? Tudo está caminhando de um jeito até que sussa, com aqueles entraves que a gente já espera da vida e tal, aí de repente um fato maluco te surpreende e o que se descarrilha é uma sucessão de quiproquós hermeticamente entrelaçados por um deus zombeteiro na intenção de apenas te mostrar que o pior está sempre à espreita. Como a galera chama isso mesmo? Isso, Lady Murphy.

Na mesma ocasião do show em que abordei o Victor, vocalista e guitarrista da banda, para esta entrevista que dá sequência à série Roubadas na Estrada, escutei uns maconheiros na pista dizendo que os manos do BDC eram “estrelas”. Olha, bicho, não sei no que se baseia essa acusação; o que sei é que uns estrelas que têm a moral de se submeterem a atravessar um rolê zoado desses em nome do rock merecem que peguemos leve com eles.

Noisey: Bora lá. De cabeça, assim, qual o rolê mais desgraçado que vocês já encararam na estrada?
Victor Rocha: Tem um episódio inesquecível, que eu colocaria no topo da lista, entre os cinco primeiros fatos, de roubadas pelas quais já passamos na estrada. É a vez em que estávamos numa tour, e fizemos uma viagem de Rio Branco para Porto Velho. Uma viagem que levou 15 horas! Os shows dessa tour eram firmeza, eram eventos grandes e tal. Mas aí, de última hora, não tinha passagem de avião, e os caras da organização falaram que era sussa fazer esse trajeto de ônibus. Até aí beleza, porque nós não somos frescos, o Black Drawing Chalks é a banda mais de boa que tem. “Qualquer coisa vamos dormindo”, eu falei. Mas, véio, se você visse o ônibus… Puta que pariu! Era um ônibus, assim, que a gente entrou nele, e o motorista já nos recebeu alertando: “Gente, vamos ter bom senso que o pisero já começou aqui. O banheiro está quebrado” (risos). Na época, acho que era em 2010, a gente tinha acabado de chegar do Canadá, e eu trouxe de lá um iPod Touch, lançamento. A galera do busão, véio… Eu cochilei, assim, e quando acordei, o ônibus tava lotado de gente em pé. E não era um coletivo, era um ônibus de viagem! Chegou num ponto em que o motora parou até prum cara botar umas caixas. Tinha uma galera muito esquisita, mesmo. Tinha uma turma tipo de travestis também, parece que tavam prontos pra trabalhar.

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Qual é a distância desse trajeto infernal, mano? Tem que ter muito amor à causa pra não desencanar e voltar pra casa. Se eu fosse vocês, dava o balão nesse show, man. Ética underground tem seus limites.
Acho que é uns 500 quilômetros, mas não tinha andado nem 50 quilômetros, eu dormi umas duas horas. Tinha gente demais no busão, o cara tinha parado até pra cabrito entrar. O Douglas [de Castro, baterista] até comentou na hora: “Parece que se uma planta balançar o galho o cara para pra ela entrar”. Se tivesse cachorro no meio da estrada, ele parava. E o banheiro? Teve uns doidos, que mesmo sabendo que o banheiro estava quebrado, foram lá e detonaram (risos). Até que sai um senhor lá de trás, atravessando, todo mundo espremido igual num coletivo em horário de pico, foi lá pro motorista e começou a gritar: “Para esse ônibus agora que eu mesmo vou ali no rio, busco a água, e jogo ali, porque não tem condição, nóis tá cozinhando aqui dentro” (risos).

Cozinhando no vapor de merda, né? Quer dizer então que rolou um microclima de efeito estufa por causa do metano que a galera legalizou no busão?
Bem isso! Ah, mas voltando… tava falando do lance do iPod… Acordei com a galera assim, em cima de mim, tipo “o que é isso?!”. Sabe? Sem ser maldoso, mas nós parecíamos seres de outro mundo pra eles. E o povo secando a gente. Tinha um pessoal já cochichando e pedindo pra ver. “Deixa eu ver, deixa eu ver”. Aí eu escondi, falei que era meu celular e tal. Então finalmente paramos pra atravessar o Rio Madeira. Isso, já tinha dado umas oito horas de viagem. O normal do trajeto todo seria de seis a sete horas.

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Sua maravilhosa ideia de ir dormindo no ônibus, sem condições pelo jeito…
Quem disse que dava pra dormir naquele ônibus lá?! O cheiro era indescritível… eu tava com a camiseta e um lençol, que eu levo sempre comigo, enrolado na cabeça, pra conseguir aguentar. Fomos atravessar o Rio Madeira, mas isso depois de atolar umas duas vezes. Já estávamos no limite… O cara chega e informa: “Ah, a balsa não tá aqui, a próxima só daqui a duas horas”.

(risos) Bicho, vocês viveram um pesadelo! A essa altura, pelo que você já me contou, nem tenho esperança de achar que a balsa era realmente uma balsa…
Cara, quando chega essa balsa, a balsa fraquinha, e o rio era de assustar. Todo mundo fala, mas quando você vê, o negócio é assustador. Que que é aquilo?! Eu tremendo de medo, aquela balsa capengando, tudo enferrujado, balançando, o ônibus lotado, aquele fedô do cão, a gente saindo do ônibus e rezando pra respirar um pouquinho de ar. Chegamos em Porto Velho, e a galera: “Então, deixa as coisas no hotel que já foi a passagem de som e vocês já vão tocar”. Ou seja, entramos virados no palco. Com aquele sal do suor na cara. Foi tenso. Rolou, mas foi tenso. E outra, quando chegamos em Porto Velho devia estar fazendo uns 50 graus. Estávamos passando mal, deu disenteria na galera, tudo que você pensar aconteceu. Eu sem voz, todo mundo doente, aquele ônibus… Fizemos o show dando o sangue. Depois que voltamos pra casa, não teve jeito, entramos no antibiótico…

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O saldo da apresentação pelo menos foi positivo pra banda? Pros fãs? Você diria que valeu a pena?
Os shows foram legais, mas essa história da viagem ficou pra sempre na minha vida, nunca mais eu pego um ônibus de Rio Branco pra Porto Velho! Quando você tá todo detonado, você finge que é uma banda de punk, né? Canta estragado e dá uma batida de cabeça a mais que a galera presta atenção menos na música e mais na bagunça. Não dá pra ter banda e não passar pro roubadas. Vê os shows do Soundgarden, de cada dez shows, em dois o Chris Cornell tá com a voz inteira. Aí a galera critica, mas vai topar umas viagem de banda de rock pra você ver… Meu sonho era eu dar conta de cantar que nem o Phil Anselmo do Pantera, porque eu não estaria nem aí, ia cantar de qualquer jeito, estragado ou não, só no berro… Infelizmente eu canto igual uma mulherzinha, fininho, aí uma noite mal dormida e uma viagem dessas, detona. Essas viagens, é chegar e ficar doente.

No começo da nossa conversa você disse que o negócio era uma turnê. Quer dizer, quando chegou a hora de cumprir essa última data, vocês já deviam estar só o pó, de um jeito ou de outro. Qualquer desgaste a mais na rota final de uma turnê, é sentido com mais peso…
Bem isso! Passamos antes por Manaus, e era uma época em que a umidade lá estava mais foda. E o calor, então?! Foi igual a tocar numa sauna! Acho que foram cinco shows nessa viagem.

Tá poco de rolê zoado? Então pega essas histórias de outras bandas que já passaram por poucas e boas em nome do rock’n’roll:

Roubadas na Estrada: O Dia em que o Móveis Coloniais de Acaju foi Cercado por uma Quadrila Armada

Roubadas na Estrada: Ruy Fernando Contra os Metaleiros que Curtem Titãs e Outros Causos

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