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Música

Mapeando a Música e o Estilo de ‘Caindo na Real’

Bem-vindos ao inverno do nosso descontentamento.

Bem-vindos ao inverno do nosso descontentamento.

E falo isso sério. É tudo culpa de Caindo na Real. A nossa obsessão pelos anos 90 é culpa de Caindo na Real, a nossa super-romantização da música dos anos 90 é culpa de Caindo na Real, a nossa queda por caras sombrios e contemplativos como o personagem do Ethan Hawke é culpa de Caindo na Real. Mas vamos dar as mãos e admitir para nós mesmos agora: se esse é o preço de amar Caindo na Real, então tudo bem. Estamos dentro.

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A primeira vez que vi Caindo na Real tinha 25 anos. Era 2010, e eu estava numa busca à la Lelaina por felicidade e/ou uma carreira. Então, quando Troy disse que ela só tinha que ser ela mesma, acreditei que a mensagem dele era dirigida a mim especificamente. Apesar de, é claro, ser a frase de um personagem que odeia a si mesmo tanto quanto odeia as mulheres. Na boa, pessoal: olhem o jeito como o Troy fala com a Lelaina, e não vai restar dúvida alguma de que ele é um misógino em potencial.

Bem, a mensagem não era para mim (porque não sou uma personagem de filme, então tive que escolher trabalhar duro), mas finalmente entendi por que todo mundo curte Caindo na Real pra caralho. Os personagens são imperfeitos, forçados a corresponder às expectativas econômicas irreais e espelham nosso cenário profissional atual, em que os empregos que os nossos pais tinham não necessariamente existem mais.

Além disso, as roupas e a trilha sonora são do caralho. O “revival” dos anos 90 (eles nunca saíram de moda e todo mundo sabe disso) agora é usado à exaustão na moda (ver: as coleções da Gap, as campanhas publicitárias de jeans da Calvin Klein e até o veludo, nesta estação, via Jason Wu), enquanto gerações mais jovens descobrem o brilhantismo do Hole (cujo disco Live Through This completa duas décadas este ano) e do Sleater-Kinney (que lançou música nova e cuja discografia vai ser relançada pela Subpop), o que prova como a década é influente.

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Então vamos justificadamente nos entusiasmar com Caindo na Real – isto é, se você estiver pronto a aceitar algumas verdades duras. Primeiro, Troy é o pior de todos. Segundo, não tem problema não gostar da Lelaina (ela é como todos nós, nos nossos momentos mais narcisistas – não era fácil conviver conosco também). Em terceiro lugar, Vickie e Sammy são os verdadeiros heróis. Se fôssemos abençoados com um filme sobre Vickie e Sammy na fase adulta, meu trabalho estaria completo.

Mas não recebemos essa graça, então não vai rolar. Vamos ter que embarcar nos altos e baixos de quatro personagens que estão passando por um período muito frustrante (seja em relação à década, seja quanto à faixa etária). Então peguem o refrigerante e a pizza de posto de gasolina: o Maxi Pad não é lugar pra brincadeira.

LELAINA PIERCE

Como disse antes, tenho uma teoria de que não devemos torcer por ninguém em Caindo na Real além da Vickie e do Sammy. Mas em termos de ela ser a “protagonista oficial”, a Lelaina é… ok. Ela é legal. Ela está tentando! Tem 23 anos e está confusa sobre para onde a vida deve levá-la, e se você tem mais de 23 anos e ver isso, vai inevitavelmente pensar “argh, me lembro dessa época” e depois gentilmente pedir desculpas a qualquer um que tenha contrariado pensando que era melhor.

Viu? Ela só está aí de boa. Nem ao menos a conhecemos por uma música-tema própria dela – ela faz um discurso depois da Música da Graduação (tocada na frente de centenas) e depois ouvimos “Rock and Roll Part 2”, do Gary Glitter, que é tocada para todo mundo. Posso dizer? A Lelaina é meio – pausa para efeito dramático – bege. Mas não tão bege quanto…

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TROY

Esse filho da puta. Olhe só para ele! Que cuzão! OLHE SÓ ELE SEGURANDO ESSE VIOLÃO. Pessoal, odiaríamos o Troy se o conhecêssemos na vida real. Caralho, você consegue imaginar como seria conversar com ele numa festa? “Literatura!”, ele diria, com a boca cheia de bife de soja. “Sou interessante!”.

O cara merece uma música genérica, uma camisa genérica e um instrumento favorito genérico. Adoro como ele mal pode esperar para diminuir as conquistas de todo mundo que se formou na faculdade porque seguiu outro caminho (brinks, seríamos inimigos se os nossos caminhos se cruzassem). Seja mais como esses caras, filho:

VICKIE E SAMMY

Meus melhores amigos. Além disso, os únicos personagens neste filme – exceto o Michael, que vamos conhecer em seguida, eu prometo – com um estilo próprio. Quero dizer, a Vickie parece um demônio aqui (graças à essa qualidade de VHS de 1994), mas ao menos podemos admirar a escolha dela de usar estampa floral com uma meia calça amarela e sapatos de plataforma.

Enfim, depois do jantar mais desconfortável do mundo (é fato: os pais da Lelaina são divorciados), mergulhamos em como era a vida de alguém de 20 e poucos anos em 1994. A Lelaina (vestindo tons neutros de novo) precisa fazer filtros de café usando papel higiênico.

Troy, o Anticristo, aparece depois de uma trepada casual e, segundos depois de perder contato visual com a menina com quem transou, joga fora o número da coitada NA PORRA DO QUINTAL DELA. Quem é esta pessoa? Quando devíamos torcer por Troy? “Vá se foder, Tammy!”, ele pensou ou está pensando. “Se sinta como lixo da próxima vez que sair de casa!”

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Enfim, depois descobrimos que a Vickie mantém um registro de todos os homens com quem ela já transou, e que o quarto dela é mais legal do que qualquer coisa que a maioria de nós vai ver nessa vida.

Depois, sabemos que ela foi fazer um teste de HIV como uma pessoa sexualmente ativa minimamente responsável. Sério, ela é foda demais. Vai, Vickie!

E tudo isto acontece ao som de “When You Come Back To Me”, do World Party, que ou é um indicativo de como cada um dos personagens que foram rejeitados neste filme se sentem, ou de que a trilha sonora pertence a um filme sobre a Geração X. Seja qual for o caso, eu aceito e vou em frente, tentando criar mais teorias. Vamos deixar registrado também que o Steve Zahn não aparece tanto quanto gostaríamos.

Enquanto isso, essas coroas parecem muito doidas.

Sou aquela felizona ali no meio.

Quem não está tão feliz é a Lelaina, que o-d-e-i-a o trabalho dela, e com toda a razão, porque o chefe dela é desagradável e verbalmente abusivo. Talvez seja por isto que ela não tenha uma música dela ainda e esteja usando tons neutros de novo.

Corta para:

O céu. E eu sei que este lugar é o céu, porque no momento estou usando quantidades abissais de roupas da Gap (estou vestida como Gente Normal, e estou bem assim), e também porque está tocando “Locked Out”, do Crowded House, confirmando a minha teoria de que esta é uma das melhores trilhas sonoras dos anos 90 e que a Vickie e o Steve têm as melhores músicas.

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A Gap é onde a Vickie trabalha, por sinal, e onde a Lelaina toma algumas das melhores decisões dela.

O que é isso, cara? A Vickie é a chefe (literalmente), e toda pessoa que vale a pena conhecer já trabalhou numa loja. Talvez, ao invés da Lelaina, a Vickie seja como todos nós. Porque droga, Lelaina, alguns de nós foram gerentes também.

Me dá esse brinco de cruz!

Enfim, a história se complica: na saída da Gap (cantando “Tempted”, do Squeeze), Vickie e Lelaina começam a discutir com um homem chamado Michael.

Michael é muito gentil, mas supostamente muito coxinha (a julgar pelo fone Bluetooth dele). Mas o cara estava escutando rap na hora do acidente e está usando um blazer quase igual ao da Lelaina, então quão coxinha ele pode ser? Alerta de spoiler: muito coxinha. Mas a teoria fica mais complexa! Com Michael, vamos descobrir que a Lelaina representa todas as pessoas perdidas de 20 e poucos anos. Ela é como a Julia Roberts em Noiva em Fuga. Ela não tem gosto musical próprio, nenhum estilo e nenhuma ambição. Ela é conduzida, não conduz. E porque todos nós já passamos por isso, não podemos julgar (mas vamos julgar, porque já superamos isso e ganhamos esse direito).

Além disso, como ela ousa ficar tão bem num colete?

Mas enquanto a galera fica de boa fumando maconha em casa (ps: acho que todos nós sabemos que o cheiro daquela casa é horrível), Lelaina recebe um telefonema do Michael, interrompendo “Turnip Farm”, do Dinosaur Jr., e fazendo crescer um ciúme fervente dentro do Troy, que não consegue nem se divertir dançando ao som de “My Sharona” num posto de gasolina.

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Informando: ele é um monstro que não merece os amigos legais que tem.

Mas o Michael não é bem um amigo. O que talvez explique por que a Lelaina começa a usar cores diferentes para cada situação. Com os amigos, ela é bege e neutra. Com o Michael, ela vira tipo uma mulher de negócios, e basicamente faz isso usando preto.

Mas ela não pode fingir em casa. Ali, no carro estacionado na entrada, ela tira o cardigã e dá um gole no refrigerante embalada por “Baby I Love Your Way”, do Big Mountain.

Será possível? Será que a Lelaina só ganha uma música se estiver perto dos amigos dela? Quer dizer, faz sentido: não toca música nenhuma nas cenas dela só com o Michael, e nenhuma música é tocada exclusivamente para ela. Neste caso, Troy chega em casa bem a tempo de…. Ver os dois se agarrando no subúrbio? Bizarro. Não querendo julgar, mas quem se pega no banco de trás de um conversível numa garagem de subúrbio? Este é um bairro familiar, idiotas. Ninguém precisa ver um blazer jogado ou um refrigerante pela metade (especialmente ao som do Big Mountain). Talvez seja por isso que Troy tem um surto como um bebezinho mimado e faz a Lelaina se sentir mal por estar viva e fazer escolhas como um ser humano pensante.

Provavelmente não (como eu disse, ele é o pior de todos). Mas estou viajando. Vamos nos focar na representação marcante da Vickie da campanha de outono de 2014 da Gap (ela, como eu, está vestida como Gente Normal), e em como a nova franja da Beyoncé é claramente inspirada na franja dela.

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Vickie é nossa rainha.

Mas depois: silêncio. Enquanto Lelaina ouve o chefe falar mal dela pelas costas, vestindo as cores oficias dos dois times, Troy e Michael, nos perguntamos por que ela escolheu ficar e escutar quando qualquer um de nós presumiria que um chefe desses fala mal da gente pelas costas há muito mais tempo do que uma só tarde. Talvez, já que precisa fazer filtro de café usando papel higiênico, ela só se sinta grata por ter um emprego? Talvez devesse procurar outro emprego, já que está tão infeliz? Talvez seja duro para mim não poder entrar nesse filme e dizer: “O mundo não te deve nada! Só trabalhe muito, seja gentil e deixe de ser preguiçosa!”. Ou, mais especificamente: “Aceite a porra do trabalho que a Vickie te ofereceu, sua perdedora!”.

Ou talvez seja mesmo muito óbvio que eu seja aquela velhinha na plateia do programa de televisão matinal. De qualquer forma, estou certa.

Mas é interessante: Sammy e Vickie estão usando roupas em tons parecidos e iluminados de um jeito parecido, enquanto Troy e Lelaina estão vestidos em tons parecidos e parados sob sombras similares. E “como eu ouso te rebaixar ao meu nível?” é uma das minhas frases de filme favoritas porque é exatamente o que a Lelaina precisava ouvir.

ARGH. Nem a música quer ficar perto deles, porque não está tocando nada. NÓS SACAMOS, Troy. Você é amargurado e culto e tudo que um cara que carrega um violão por aí quer ser. Ah, e não toca música nenhuma desde que a Vickie ficou puta ao som de “Burn Baby Burn”, depois da Lelaina rejeitar o emprego na Gap, e nem os tons neutros da Lelaina, no melhor estilo da metade dos anos 90, podem ajudar.

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Enfim, este é o meu programa favorito de todos os tempos:

E é nesse estilo que eu queria que os caras do Noisey refizessem o site – peço isso há anos.

Então, à medida que a vida de desempregada (por escolha) da Lelaina começa a sair fora de controle, ela começa a se vestir de um jeito mais sombrio, em contraste direto com a Vickie e o Steve, que de fato estão tentando viver como cidadãos de verdade em apartamentos que não têm um aluguel astronômico.

Exemplo A:

Exemplo B:

Mas, depois de um dia ou dois, a Lelaina passa por vários postos de gasolina cometendo fraudes com o cartão de crédito. Usando vermelho (cores!), ela é acompanhada por uma música (que não aparece na trilha sonora), o que marca a primeiríssima vez em que ela age por conta própria. As ações dela são ilegais? Certamente. Mas ao menos ela não está ligando para uma vidente, o equivalente de 1994 a gastar um monte de dinheiro no aplicativo da Kim Kardashian (não que eu esteja confessando alguma coisa).

Também vamos, por favor, fazer uma reverência para essas três roupas maravilhosas e seja lá o que for que Troy esteja usando. Vocês sabem que ele era o cara por trás da hashtag #NotAllMen. Durmo bem à noite sabendo que ele e eu nunca seremos amigos. (Estou falando do Troy. Tenho certeza de que o Ethan Hawke é adorável.)

Troy é o oposto disso. Qual é o seu problema, cara?

E, só para constar, a Lelaina não está parecendo uma toalhinha de renda aqui.

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Ela está usando a sua melhor roupa, pronta para ouvir “Spinning Around Over You”, do Lenny Kravitz, tocar na estreia do reality show dela (o que acontece – embora eu ache que todo mundo sabe que isso tem mais efeito dramático do que um significado concreto), usando tons neutros de uma forma que o Troy não aprova.

Bem, o Troy que se foda. Ah, e que se foda o Michael por usar o trabalho dela sem permissão. E que se fodam as roupas entediantes deles. Ah, e que se foda o fato de que a Lelaina e o Troy transam sem qualquer tipo de trilha sonora aprovada pela cultura pop. (Vocês se lembram de Segundas Intenções? Lembram de “Colorblind”?). E que se foda a banda de merda do Troy e a música de merda deles (“I’m Nuthin”), cantada pelo próprio Ethan Hawke.

Pelo amor de Deus. Só perde para a performance tipo “vá se foder” dele, direcionada à Lelaina, quando o Michael aparece numa jaqueta de couro como se fosse descolado.

E naquele momento, eu juro, todos nós somos Michael.

Infelizmente, nunca mais vemos Michael. E quase nunca mais vemos Troy, porque ele vaza quando o pai dele morre, e só nos resta Lelaina e “All I Want Is You”, do U2 (uma música que eu deixo você gostar, eu juro, porque é perfeita para esta cena, droga) (estou chorando) e esta tomada incrível.

E é isso. Troy volta, e eu acho que eles vão morar juntos (?). Não temos nem a chance de dizer tchau para Vickie. Mal vemos Sammy. Sabemos que Michael fez um programa baseado na vida da Lelaina, e que tudo acaba com “Stay (I Missed You)”, da Lisa Loeb, o que só não é mais bonito do que aquela cena do braquiossauro em Jurassic Park. Sabemos que a Lelaina está ousando mais nas cores, mas ainda segue o código de vestuário do Troy. Também sabemos que ela jamais teve uma música que fosse dela.

Sinceramente. Que diabos foi isso?

Isso lá é jeito de acabar um filme? Tipo, eu entendo, mas e que tal… Todo o resto? Vamos só presumir que, depois do Troy abusar verbal e emocionalmente da Lelaina, eles vão ter uma relação perfeita e maravilhosa? (Eles não vão. Se eles se casarem, com certeza vão se separar). Mas vou te dizer o que é isso: a arte imitando a vida. (Todos nós conhecemos relações desse tipo, e é duro para todos nós).

Finalmente, acho que você pode dizer: é duro cair… (coloca os óculos de sol) na real. (YEAAAAAAH)

Anne T. Donahue é uma especialista (cômica) em tudo que é dos anos 90. Siga-a no Twitter - @annetdonahue