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Música

A Festa de Nove Anos da Rinha dos MCs Foi Foda

No feriado da Consciência Negra, fomos no aniversário da batalha criada por Criolo e DJ DanDan para conferir as rimas sangrentas e o clima de comemoração.

Criolo na comemoração dos nove anos da Rinha de MCs. Todas as fotos por Lucas Jacinto.

Já na aurora do feriado prolongado do Dia da Consciência Negra, o Centro Cultural da Juventude (CCJ) da Vila Nova Cachoeirinha — zona norte de São Paulo — ficou pequeno nesse último domingo (22). A Rinha dos MCs fez uma festa em comemoração aos seus nove anos de existência, reunindo, segundo a organização, 5 mil pessoas.

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Enquanto DJ Dipper e DJ Marco trincavam a cabeça da galera com clássicos do hip-hop nacional e internacional, a organização da Rinha zanzava de um lado para o outro atrás dos MCs que batalhariam logo na sequência. No corre-corre, encontrei o DJ DanDan.

Em 2006, DanDan e Criolo fundaram juntos a Rinha dos MCs. Quase uma década depois, muita coisa mudou. “A gente não imaginava que um projeto singelo, que surgiu no fundão da zona sul, pudesse tomar essa proporção, contribuindo tanto para a história da cultura hip-hop”, contou DanDan.

DanDan

“É importante entender que a nossa cultura se multiplica e cresce cada vez mais, e seria inevitável que as outras classes nos ouvissem”, lembrou. Na década de 1990, a cultura hip-hop enfrentou muito preconceito. “Achavam que era coisa de maloqueiro, de gente que não sabe falar. Mas a gente chutou essa porta faz tempo, e estamos aqui hoje.”

Mas no papo reto, DanDan alertou que é preciso ficar atento. “A luta continua. O hip-hop é utilizado como ferramenta de transformação em várias comunidades. Precisamos preservá-lo”, frisou.

Sobre como esse lance de organizar batalhas de MCs de regiões diferentes deu certo, DanDan explicou que tudo sempre foi feito com muita responsabilidade. “Pegar num microfone e falar no palco é algo muito importante. Mas as batalhas cresceram, e isso me preocupa. É preciso lembrar que cada MC vivencia coisas diferentes, e uma batalha representa para cada menina e menino um momento de libertação.”

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Por isso, como num templo, é necessário ter o máximo respeito — e isso vale para o público e para quem vai rimar. “É pra isso que existe o mediador, facilitador, mestre de cerimônia — você pode usar vários nomes pra isso. Quem cumpre esse papel tem sua importância por se fazer manter a disciplina. Aqui não vale pederastia”, lembrou DJ DanDan. E rolou de tudo mesmo nessa festa, menos fita errada.

Pirata

No meio da multidão, encontrei o Pirata. “O DanDan fala que eu já ganhei mais de 16 Rinhas dos MCs, mas é mentira”. Pirata foi o MC que venceu a primeira Rinha, em 2006. Na época, ele era da Oficina da Rima e morava no Grajaú. “O Criolo me conhecia porque eu fazia freestyle com o meu grupo, daí fui convidado pra Rinha. A primeira edição aconteceu no Território, na Zona Sul”, lembrou.

Entre vitorias e derrotas — inclusive uma vitória contra o Emicida —, Pirata se afastou da música e das batalhas depois que virou pai. “Mesmo assim continuei escrevendo, e agora vou lançar um disco. Uma das músicas fala da Rinha dos MCs”. A faixa se chama “Em pé na cadeira” e retrata o começo das batalhas da Rinha. “Nas antigas, como não tinha palco, quem rimava tinha que subir na cadeira pra todo mundo poder ver”, recordou. “Dá muita emoção ver como as coisas estão melhores hoje.”

Kauan (à esq.) e TVS

TVS, um dos MCs selecionados para a Rinha, conta como foi escolhido para representar a Batalha da Santa Cruz. “As batalhas selecionam geralmente os MCs mais ativos. Todo lugar tem algum rimador que se destaca por ser bom no freestyle, mas se ele não se compromete com a cena, acaba ficando de fora”, explicou. “Como tenho participado de várias batalhas e estou com um desempenho bom, a Santa Cruz me convidou.”

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Representando a Batalha da Matrix, Jorge Mário participou pela primeira vez da Rinha. “Eu nunca tinha colado, nem pra assistir, nem pra batalhar. É bem longe de casa”. Mário conta que vive de rap. “Não trabalho pra ninguém, ai fica difícil. É 20 reais pra vir e mais 20 pra voltar”, brinca. “Aqui estão vários nomes de São Paulo, tudo menino bom. Quem vier batalhar comigo vai ser lucro.”

Tom e Vick

E não demorou muito pra chamarem os MCs pra subir no palco. Aí todo mundo ficou sabendo quem seriam as vítimas do dia. TVS, Jorge Mário, Kauan, Hard, Tom e Vick, foram os samurais que se gladiaram na batalha especial de aniversário.

“Alguém me empresta um boné”, pediu DanDan. Todos os nomes foram anotados em bilhetes, embaralhados e quem sorteou as duplas foram pessoas da plateia. Os primeiros sortudos foram TVS e Kauan. Com “espadas afiadas”, como bem falou DanDan, o público ferveu. Mas no fim, o tempo fechou pro TVS depois que Kauan lançou que ele sofria de “desnutrição mental”, apesar de sua aparência saudável [risos]. Kauan passou pro double tree, a última etapa antes da final, em que batalham três MCs, cada um por si — esse tipo de batalha sempre acontece quando o número de semifinalistas é impar.

Jorge Mário (à esq.) e Hard

Prosseguindo com as batalhas, colaram pra rimar o Hard e Jorge Mário. Arrastando até o terceiro round, os MCs se resolveram numa rima enroscada do Hard. Jorge Mário mandou bem melhor e passou pra fase seguinte.

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A última batalha eliminatória foi entre Vick e Tom — e a chapa esquentou. Vick pegou pesado no flow, e sem conversa torta, mostrou de onde veio, pra que e o quê queria ali em cima do palco. Tom bem que tentou tirar uma onda com o mano que representava a Batalha do Conhecimento, mas não rolou. Vick esculachou e finalizou — “na-zona-norte-os-boy-rala”.

No double tree disputado entre Vick, Kauan e Jorge Mário, foi “só bala perdida” e acabou dando ruim pro Mário, que ficou de fora na final. A última e decisiva batalha da Rinha dos MCs ficou por conta de Kauan e Vick. Fazendo jus ao lema “só um canta de galo e o resto é frango”, e ao feriado da Consciência Negra, os dois deram uma aula de “visão”.

Kauan e Vick

Ao invés de se atacarem, os dois MCs, no improviso total — sem nenhum combinado, sem nenhum tema pautado — passaram a fazer versos que lembravam as quebradas de São Paulo, a intolerância, o racismo, o preconceito, a injustiça social e os abusos da PM. Pra por mais lenha na fogueira, Criolo chegou bem no meio da batalha e o público ficou malucão, instigando ainda mais os MCs. No fim do terceiro round, a plateia teve que escolher entre qual improvisador mandou a ideia mais pesada pra multidão. Foi difícil saber quem mandou melhor, mas o grande campeão da noite foi o Kauan.

Depois da bagunça eu troquei uma ideia com os caras. “A Rinha é foda porque é uma das mais tradicionais. Teve uma vez que colei e tinham 18 MCs pra batalhar. Sortearam no papelzinho, e fiquei de fora”, contou Kauan, que batalhou representando a Batalha da Roosevelt. “Me sinto na atividade por ter ganhado hoje. A gente é um bando de pobre, fodido, e mesmo um xingando o outro na rima, a gente é parça e é isso que importa”, brincou.

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Batalhando desde 2010 nas vertentes de sangue — tradicionais batalhas em que tá permitido mandar ofensas —, Vick batalha há três anos na vertente de conhecimento e explicou o fenômeno que aconteceu na final da Rinha. “A ideia foi expor a própria hipocrisia que a gente vive. Então, quando a gente manda umas rimas dessas — conscientes, que contrariam essa coisa de dois rimadores se ‘esfaqueando’ — todo mundo grita também, é como um momento onde cada um se vê como ser humano e para pra pensar no que ta fazendo da vida”, comentou. “Assim a gente mostra o que é a união do rap, se abraçando, sem pancadaria.”

“Mandaram avisar que vão torrar o centro”

Estava quase anoitecendo e o show do Criolo e DanDan finalmente começou. No estilo tradicional — com DJ, pick-ups e microfone — o primeiro som da apresentação, “Convoque seu Buda”, tirou todo mundo do chão. Na pausa, Criolo deu o seu salve: “Esse é um evento de paz e amor. Para quem duvidou, estamos aqui em completa harmonia. Chega de violência, de racismo, de homofobia. A gente pode viver mais vezes momentos maravilhosos como esse.”

Entre uma música e outra, Criolo e DanDan não perdiam a chance de passar a mensagem da cultura hip-hop, especialmente pela data marcante daquele feriado. “Não devemos deixar passar o preconceito, as diferenças. Precisamos cobrar melhorias nas quebradas, precisamos reconhecer todos como parte da cultura, respeitar as mulheres e sua importância inestimável para a história da humanidade”, lançou DanDan.

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Domenica Dias

Na plateia, Domenica Dias assistia ao show, compenetrada. “Acho que ver esse discurso num show de rap é avanço demais. Saber que os caras estão abrindo a mente, entendendo que o hip-hop, como ferramenta de inclusão social das minorias deve também envolver a mulher, que passa por muita opressão, é muita evolução”, comentou.

Tatiane estava com seu filho Luiz Henrique, de 4 anos, montado nas suas costas. “Em show de rap eu sempre vou, mas na Rinha é a primeira vez”, contou. “Eu trago meu filho pra eventos assim porque o rap fala da realidade, do cotidiano. Pra mim é muito importante que ele aprenda desde cedo.”

Tatiane e Luiz Henrique

Para lembrar das raízes do rap paulistano, Criolo convidou pro palco um MC de milianos. Pepeu colou e puxou seu clássico, “Nomes de meninas”. Também botou DanDan e Criolo pra dançar o passinho. “Um, dois, três, quatro, cinco mil, quem não gosta de Criolo vai pra ($@¨#*&)”.

E pra fechar a noite, os MCs convidaram todos que batalharam na Rinha pra cantar as saideiras. Criolo sumiu na neblina, porque tinha que ir direto pro Aeroporto de Cumbica — de onde partiria para o México —, mas a rapaziada não deixou barato e junto com Dadan agitaram o público até o final. Em um último manifesto, DanDan deixou claro que “quando alguém disser que alguma coisa vai denegrir sua imagem, vai lá e faz. Porque denegrir, no dicionário, significa ‘tornar negro’”, encerrou.

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Pepeu

O Ronald Rios tava lá

Helibrown mostrando o trampo novo