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Identidade

Ser gay é ilegal na Índia, mas isso não vai parar essas drag queens

As queens indianas contam o que as levou a se apresentar num país onde ser drag é uma declaração política.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

"Comecei a me apresentar como drag em 2014. Me assumi no mês seguinte", disse Alex Mathew, rindo sem constrangimentos. "Por seis meses, trabalhei numa carta me assumindo para os meus pais. Não gosto de ser colocado em caixas — me considero queer, acho que a sexualidade é fluída. Então isso não deu muito certo. Mas Mayamma me arrancou do armário."

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Alex é um profissional de comunicação de 28 anos de Bangalore, Índia — um país onde sexualidade, gênero e identidade estão profundamente entrelaçados à religião, superstição e hierarquia de castas, dando quase nenhum espaço para quem nada contra a corrente. Se assumir gay ou lésbica por lá é muito menos aceito publicamente que em muitos países ocidentais; então declarar fluidez na própria identidade é uma ação desafiadora, ainda mais se apresentando publicamente como drag, como Alex faz quando se transforma em Mayamma (a.k.a. Maya).

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Na Índia, a homossexualidade pode significar ser ridicularizado, mantido no ostracismo e se arriscar a sofrer perseguição — a Seção 377 do Código Penal Indiano, introduzida em 1860 sob o controle britânico, criminaliza atividades sexuais que "vão contra a ordem da natureza". Mas Alex, ao lado de uma classe de artistas em ascensão espalhando o evangelho drag pelo país, tem levado suas performances a clubes e palcos em sua cidade natal, onde Maya pode incitar um diálogo progressista e encorajar a aceitação LGBTQ.

Vestindo um sari branco vistoso, cantando uma reedição emocionada de "Let It Go" da Frozen, com flores de jasmim nos cabelos, ou fazendo um cover tempestuoso de "Lady Marmalade" com a letra mudada para "Lady Mayamma", toda apresentação encapsula uma ideia de que Alex considera profundamente: nunca deixar de ser fiel a si mesmo. É tanto uma filosofia quanto uma mensagem sobre individualismo, feminismo e igualdade de gênero.

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"Drag é uma arte performática; é o que eu faço. Minha sexualidade é minha identidade" — Alex Mathew, a Mayamma

"Drag é uma arte performática; é o que eu faço. Minha sexualidade é minha identidade", diz Alex, cuidadosamente separando as duas coisas. Então não é surpresa que sua atração pelo universo drag desencadeou sua saída do armário: crescendo com uma dieta farta de filmes de Bollywood e musicais clássicos de Hollywood, Alex desenvolveu um amor pelo teatro. "Sempre quis ser um ator da Broadway, então aprendi formas diferentes de dança, atuação e improviso, e atuava em produções teatrais locais. Mas sempre senti que estava perdendo a empolgação e adrenalina que eu esperava de estar no palco", ele disse. Quando assistiu de novo o filme Uma Babá Quase Perfeita já adulto, ele se inspirou para dar uma chance ao drag.

"Me apresentar como mulher me deu uma sensação diferente", ele disse. "Foi uma porta para uma vida criativa que estava esperando por mim."

Um homem vestindo roupas femininas para se apresentar como mulher está longe de ser uma novidade na Índia — antes isso já era comum em formas de arte tradicionais e folclóricas, como Kathakali, Yakshagana e Theyyam. Mas no Ocidente, o sentido RuPaul's Drag Race que temos do drag hoje — como ato político e arte performática — surgiu apenas recentemente no país. É irônico, então, que abraçar uma vida de drag queen ainda seja visto com desconfiança, considerando a história cultural da Índia de formas similares de performance.

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Diferentemente de Alex, que chegou ao drag buscando uma saída criativa para se expressar melhor, a primeira performance de Sudipto Biswas, de 23 anos, aconteceu meio que por acaso. Estudar música clássica ocidental, canto, composição musical e atuação era uma parte central da vida de Sudipto, mas ele achava atuar mais assustador que emocionante, porque ficou marcado pelas primeiras memórias de ser zombado por seus maneirismos efeminados.

"Cantei minha vida inteira", ele disse. "Mas também tenho grandes problemas com minha imagem corporal e medo de palco, porque não sou exatamente um 'homem masculino'."

Sudipto conheceu o drag em 2014 assistindo uma apresentação de Mayamma; RuPaul's Drag Race também estava ganhando popularidade na época. Casando sua fascinação da infância por divas fabulosas com seu desejo de cantar, ele desenvolveu seu próprio avatar drag: Rimi Heart. Ele teve a chance de se apresentar como Rimi no Queer Carnival de Bangalore ano passado, uma festa que visa levantar fundos para a parada gay da cidade, que ele diz ter liberado uma artista destemida de dentro dele.

"Quando subi no palco, senti uma diferença radical no meu nível de confiança!" — Sudipto Biswas, a Rimi Heart

"Quando subi no palco, senti uma diferença radical no meu nível de confiança!", ele disse. "Sabe quando dizem 'Dê uma máscara a um homem e ele vai mostrar seu verdadeiro eu' — eu não precisava esconder meus maneirismos. Na verdade, eu estava exagerando todos eles!"

Nilay Joshi, 22 anos, é um estudante de engenharia e psicologia com um objetivo claro — usar seu conhecimento de psicologia para desenvolver suas performances em drag e trazer as realidades da vida LGBTQ para o palco.

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"Sendo uma drag queen, você pode tomar uma plataforma e falar com um público que quer te assistir e te ouvir. Sinto que essa é a melhor maneira para falar sobre questões relevantes", disse Nilay. Sua personagem drag, Kashtaani, é uma junção dos nomes Kashibai e Mastani, as duas esposas de Bajirao I, o peshwa governante do século 18 da Índia Central. "Fui inspirado pelas personalidades diversas delas. Kashi era carinhosa e sutil, uma típica mulher indiana, e Mastani era corajosa e mente aberta", ele explicou.

Para alguns, o drag se tornou uma maneira de tomar uma posição política sobre a comunidade LGBTQ em si, como Harish Iyer, um ativista LGBTQ indiano muito conhecido. Você pode vê-lo aplicando base enquanto reflete sobre o que o drag significa para ele para as lentes do cineasta Judhajit Bagchi: "Mesmo alguns simpatizantes da comunidade LGBTIQ sentem que tudo bem ser LGBTIQ, desde que você não seja exagerado. Eu sei o que eles querem dizer — querem dizer drag", ele disse. Ele disse a Judhajit que seu drag representa "o homem gay efeminado, a lésbica masculina… que ainda são amplamente mantidos no ostracismo", mesmo dentro da comunidade LGBTQ.

Considerando a ascensão assustadora da homofobia na Índia, pessoas como Harish, Alex, Sudipto, Nilay e outras estão usando o drag para ajudar a subverter a ideia de que papéis de gênero são binários e sexualidade é algo rígido, num país tentando conciliar tradições profundamente enraizadas e nossa era moderna global. "É extremamente importante entender que só por ser um homem de salto alto e vestido dançando e cantando, isso já é um ato político", disse Sudipto. "Mas tem um grande processo criativo por trás disso, um talento real. Seria legal ver as pessoas se focando nisso também."

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A homossexualidade ainda é crime na Índia — em julho de 2009, um tribunal de Deli descriminalizou atos homossexuais privados e consensuais prescritos pelo Artigo 377; aí, em dezembro de 2013, a Suprema Corte indiana os criminalizou de volta. Em fevereiro passado, a Suprema Corte ouviu argumentos contra a constitucionalidade da lei, mas em julho decidiu não reexaminar a validade do Artigo 377.

Essas idas e vindas indicam a natureza ainda polêmica dos direitos LGBTQ na Índia. Mas seja Alex em drag palestrando em conferências de prestígio, Sudipto desafiando fronteiras de gênero em suas apresentações, ou Harish apontando o ódio mesmo dentro da comunidade LGBTQ, parece que chegou a hora do drag na Índia.

Revati Upadhya mora em Goa, Índia, e escreve sobre culinária, viagens, cultura, direitos das mulheres, saúde e estilo de vida.

Alex Mathew (como Mayamma). Foto cortesia de Alex Mathew.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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