Por dentro da subcultura underground das tatuadoras coreanas

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Por dentro da subcultura underground das tatuadoras coreanas

Tatuar é ilegal na Coreia do Sul, mas essas mulheres tiveram coragem de sacrificar sua segurança em nome da arte.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa da i-D

Não é ilegal ter tatuagens na Coreia do Sul, mas ainda é ilegal ser um tatuador por lá. Para um país altamente progressista quando se trata de moda e cultura pop, esse conservadorismos de antigas gerações se coloca como um desafio para os jovens coreanos que tentam se expressar para além de roupas e acessórios. A menos que saiam do país, eles não podem se tatuar legalmente. Se visitarem um estúdio underground, eles correm o risco de serem presos — e levar o tatuador junto com eles.

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Modificações corporais, na Coria do Sul, são mais problemáticas para mulheres: tatuagens destroem a suposta pureza física e simbólica que é reverenciada tradicionalmente nas mulheres coreanas. Qualquer coisa além de um brinco na orelha atrai um estigma de atividade criminal e tons sombrios. Então o que acontece quando uma garota coreana com tatuagens também é uma tatuadora? Bom, para as oito rebeldes com quem conversamos, a cultura da tatuagem é menos um desrespeito à cultura coreana e mais uma questão de respeitar a si mesma.

"Não é fácil", diz Jiran, que deixou seu trabalho como assistente veterinária para seguir o sonho de abrir um estúdio de tatuagem. "Mas no final do dia, é melhor fazer algo que você ama [do] que passar a vida inteira com medo e perguntando 'e se'."

Nome: Lyuhwa
INSTAGRAM: @holy_night_girl
Idade: 27 anos
Número de tatuagens: Mais de 100
Primeira tatuagem: Imagem de grama na barriga

VICE: O que te inspirou a começar a tatuar?
Lyuhwa: Quando estava no colégio, eu sofria muito bullying de uma garota que tinha uma tatuagem enorme. Uma vez fiquei dois dias sem ir à escola por causa dela. Acabei entrando na faculdade de moda, mas decidi seguir minha paixão por arte e entrei para o mundo da tatuagem. Meu objetivo e ter mais tatuagens que a garota que me provocava.

Como as pessoas reagem quando veem suas tatuagens?
As pessoas geralmente me evitam quando me veem na rua. Algumas ficam fascinadas com meu visual, mas a maioria se sente desconfortável e assustada.

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Como sua família se sente sobre as suas tatuagens?
Agora tenho tantas que eles pararam de se importar. Mas quando mostrei minhas primeiras tatuagens para eles, eles acharam que elas eram temporárias e que sairiam com água ou em 30 dias.

Como ter tatuagens afeta seu cotidiano?
Casas de banho e spas são muito populares aqui na Coreia, mas só posso frequentar um spa daqui porque estrangeiros também são aceitos e eles muitas vezes têm tatuagens. Meus pais são cristãos muito devotos e a igreja deles me proibiu de frequentar o culto, eles acham que sou um ser "satânico" com todas as minhas tatuagens.

Você sofreu algum bullying depois do colégio?
Na verdade, recebi uma mensagem daquela menina perguntando se eu não faria algumas tatuagens para ela. Nunca respondi.

Nome: Mirae
INSTAGRAM: @tattoist_mirae
Idade: 25 anos
Número de tatuagens: 13
Primeira tatuagem: Mão segurando uma flor no peito do pé

VICE: O que te inspirou a começar a tatuar?
Mirae: Sempre gostei de desenhar e sempre gostei de moda. Tatuar é um jeito de combinar meus desenhos com um senso de moda e estilo pessoal. Você usa suas tatuagens do jeito como usaria uma roupa.

Como sua família se sente sobre suas tatuagens?
Meu pai ainda não sabe que tenho tattoos. Só visito a casa deles no inverno ou quando está chovendo, assim posso usar um suéter ou uma jaqueta para cobrir os braços. Também uso vestidos longos.

Qual a pior história que você já ouviu sobre a indústria de tatuagens aqui?
Ouvi a história de um tatuador que chamou a polícia para a concorrência, para tentar fechar os estúdios dos outros. A coisa pode ficar muito competitiva aqui.

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Você acha que a percepção da tatuagem está mudando no Coreia?
A cultura da tatuagem é como a moda; está sempre mudando, e muda muito rápido. Só torço para que mude para melhor.

Nome: Nini
INSTAGRAM: @tattoist_nini
Idade: 22 anos
Número de tatuagens: "Um monte."
Primeira tattoo: Uma rosa no peito

VICE: O que te inspirou a começar a tatuar?
Nini: Gosto de colecionar memórias. Posso compartilhar uma memória com todo mundo que tatuo, e toda tatuagem também me lembra um momento particular da minha vida. Por exemplo, tatuei as iniciais do meu ex-namorado no braço depois que ele morreu.

O que sua família acha das suas tatuagens?
Meus pais não gostam e sempre me pedem para não fazer mais. Ainda assim, comparando com outras famílias, meus pais são bastante mente aberta; eles só se preocupam com o que os outros vão pensar. Eles se preocupam menos com minhas tatuagens e mais com como as pessoas vão me tratar na sociedade.

Você acha que a percepção sobre a tatuagem na Coreia está mudando?
Eu queria estabelecer uma camaradagem maior entre as tatuadoras da Coreia, e entre as mulheres no geral. Precisamos nos apoiar em vez de atacar umas às outras.

Nome: Ellie
INSTAGRAM: @elliegreenlee
Idade: 23 anos
Número de tatuagens: 11
Primeira tatuagem: Uma maçã atrás da orelha ("Quatro anos atrás estive em São Francisco, foi minha primeira vez nos EUA. Eu queria alguma coisa para comemorar a viagem").

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VICE: O que te inspirou a começar a tatuar?
Ellie: Sou bem nova na profissão. Já fiz muitos piercings e agora estou entrando na tatuagem. Mas tatuei todo o lado da minha cabeça, então acho que você pode dizer que mergulhei de cabeça.

Como sua família se sente sobre as suas tatuagens?
Meus pais são pastores e acreditam que seu corpo deve ser um templo. Nem preciso dizer que eles ficaram chocados.

E quanto aos piercings? Como sua família reagiu?
Fiz meu piercing no septo quando tinha 21. Também inseri um ímã na mão. Tenho um monte de piercings e modificações corporais, e meus pais nunca viram nada disso.

Como é ser uma mulher tatuada na Coreia?
Há essa expectativa de que as garotas devem ser modestas e recatadas, mas acho que é mais hipocrisia. Os caras podem se tatuar, colocar piercings nos mamilos e todo mundo acha "legal", mas quando uma garota faz isso, ela se torna automaticamente "má". Não entendo.

Você acha que a percepção disso está mudando?
A cultura não vai mudar, mas as pessoas podem [mudar]. Podemos mudar como percebemos tatuagens e como reagimos a pessoas que as têm. Teve gente que já disse na minha cara que me achava "nojenta", mas meninas mais jovens já chegaram para mim e disseram "Você é legal" e "Quero ser como você". No final das contas, só estou me expressando e essa é a melhor mensagem que podemos passar.

Nome: Jiran
INSTAGRAM: @jiran_tattoo
Idade: 27 anos
Número de tatuagens: Mais de 12
Primeira tatuagem: Borboleta na nuca ("Tenho vergonha de admitir. Eu achava que era um desenho descolado").

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VICE: O que te inspirou a começar a tatuar?
Jiran: Só comecei a aprender sobre tatuagem cinco anos atrás. Sempre amei desenhar e achei que essa seria uma maneira fácil de ganhar dinheiro. Eu não imaginava quão discreta teria que ser sobre a minha profissão.

Como você descreveria seu estilo de tatuagem?
Meu estilo é mais fofo que sério. Me especializei em desenhar animais e bichos de estimação. A maioria das minhas tatuagens são do meu gato. Trabalhei um hospital veterinário por dois anos, então acho que isso me inspirou.

Como as pessoas reagem quando veem suas tatuagens?
Crianças geralmente acham legal. Mas tias aleatórias na rua já gritaram coisas para mim tipo "Como você vai casar com todas essas tatuagens?" e "Nenhum homem vai te querer assim".

O que sua família acha das suas tatuagens?
Tenho sorte. Minha família me apoia. Meu irmão mais novo também tem tatuagens e meus pais nunca os julgaram.

Nome: Ki Kyung Eun e Hana
INSTAGRAM: @dan_tattoo / @21lee21
Idade: 23 e 25 anos
Número de tatuagens: mais de 30 (nas duas)
Primeira tatuagem: tatuagens iguais dizendo "Somos Uma" em Latim.

VICE: Há quanto tempo vocês estão juntas?
Hana: Cinco anos. Namoramos desde que éramos adolescentes.

Como vocês entraram para a cultura da tatuagem?
Kyung Eun (nome artístico: Kimdan): Eu queria ser tatuadora desde criança. Vi um nort-americano grande tatuado na TV. Achei legal que você pudesse desenhar no seu corpo e manter as imagens com você para sempre.
Kimdan: Como a cultura da tatuagem é malvista aqui, passo muito tempo nas redes sociais, vendo o que as outras pessoas estão fazendo. Tinha alguns caras cujo trabalho eu admirava, então comecei a aprender a tatuar e desenhar baseada no que eles estavam fazendo.

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Qual a reação das suas famílias às tatuagens?
Kimdan: Elas ficaram chocadas, mas queriam que eu conseguisse lidar com as reações que viriam disso.

E quais têm sido essas reações?
Kimdan: Uma vez uma mulher me perguntou por que eu gostava de "deixar cicatrizes" no corpo das pessoas. Mas nem tudo é ruim. Conheci uma garota que tinha cicatrizes nos braços por autoflagelação. Ajudei a cobrir as cicatrizes com uma tatuagem e ela disse que eu a estava ajudando a deixar memórias ruins para trás. Ela me agradeceu muito.

Nome: Mighi
INSTAGRAM: @hi_migi_hi
Idade: 30 anos
Número de tatuagens: Mais de 50
Primeira tatuagem: Estrela no pulso

VICE: Descreva seu estilo de tatuagem.
Mighi: Meu estilo é principalmente uma celebração do corpo humano e ver objetos do dia a dia como extensões do seu corpo.

O que sua família acha das suas tatuagens?
Meus pais achavam que minhas tattoos eram adesivas no começo. Eles sabem que tenho tatuagens nos braços e pernas, mas ainda não sabem sobre as tatuagens no resto do meu corpo. É difícil esconder esse segredo deles.

Qual foi a pior coisa que já te aconteceu como tatuadora aqui?
Já me levaram para a delegacia três vezes. Na primeira, alguém me denunciou e a polícia veio ao meu estúdio. Menti e disse que gostava de desenhar e que era uma artista, não uma tatuadora. Eles não acreditaram, me levaram para a delegacia e me fizeram ficar sentada lá por quatro horas. Depois paguei a multa e eles me deixaram ir.

Por que continuar tatuando se isso pode te causa tantos problemas?
Antes eu pulava de um trabalho temporário para outro porque não sabia o que queria fazer da vida. Aprendi sozinha a tatuar e agora me sinto satisfeita, como se tivesse finalmente recebido meu chamado.

Créditos:
Texto – Tim Chan
Fotografia – Peter Ash Lee
Styling – YeYoung Kim
Cabelo – An Mi Yeon
Maquiagem – Kang Yoon Jin
Assistente de Styling – Paeng Hyemi

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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