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Politică

Tudo que você precisa saber sobre o 'distritão'

E como a PEC da reforma política pode mudar o rumo das eleições de 2018.
Dia de distritão. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O "distritão", modelo de voto que deve mudar a dinâmica das eleições em 2018 e principal PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da reforma política, é a bola de vez entre as polêmicas em curso no Congresso.

Para que a PEC possa valer no pleito do ano que vem, o primeiro passo já foi dado. O texto-base para a mudança eleitoral foi aprovado na última quinta-feira (10). E o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, previsto pela PEC, caso ela seja aprovada, entregará um montante de R$ 3,6 bilhões do Orçamento da União para gastos eleitorais, originados da receita corrente líquida apurada nos 12 meses anteriores.

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A proposta prevê que, em eleições para deputados federais, estaduais e vereadores, cada estado ou município vire um distrito, que elegeria os candidatos mais votados. Votos para partidos ou coligações não seriam levados em conta.

Na prática, a eleição fica muito parecida com a escolha do presidente, governador, senador e prefeito.

Como funciona?

O distritão acaba com os "puxadores de votos", aqueles candidatos que, com um desempenho expressivo nas urnas, puxam outros membros de sua coligação para o Congresso. O Tiririca (PR-SP), eleito por São Paulo em 2010 com 1.353.820 votos, beneficiou candidatos como Vanderlei Siraque (PT) e o Delegado Protógenes (PC do B), que obtiveram algo em torno de 90 mil votos cada um na época.

Tiririca, o puxador de votos. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Isso quer dizer que o distritão pode dificultar a presença de novos nomes nas esferas municipais, estaduais e federais? "Pode, à medida em que ele facilita a vida dos candidatos já conhecidos do eleitor, sejam aqueles que buscarão a reeleição, sejam os que estão atualmente ocupando outros cargos, como prefeitos, por exemplo", explica o sociólogo e professor de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP Wagner Iglecias.

Mas não é bem assim. "Poderá haver algum grau de renovação se muitos candidatos que são conhecidos fora da política, como atores e apresentadores de televisão, [no caso de] se lançarem em busca de uma vaga na Câmara dos Deputados."

E os partidos?

Os efeitos da disputa eleitoral tende a ser mais individualista no caso da aprovação da reforma. O foco deixa de ser a coligação e o partido e passa a ser o candidato. "O distritão atrapalha muito a sobrevivência dos partidos políticos, dado que é um sistema que personaliza ainda mais a escolha dos representantes para o Poder Legislativo e aprofunda a competição individual intrapartidária, com os candidatos de uma mesma legenda competindo entre si pela captação de recursos e pela maximização da exposição individual junto aos eleitores", explica Wagner.

O novo formato também pode causar o que tem sido chamado de desperdício de voto. "Ao que parece, milhões de votos poderão ser 'jogados fora', dado que só serão considerados os votos dos candidatos eleitos. Isso pode fazer o eleitor reiterar aquela lógica de 'votar no que está na frente nas pesquisas para não desperdiçar o voto', que já existe na eleição para a Presidência da República, os governos estaduais e as prefeituras municipais. Por outro lado, é provável que uma parte do eleitorado, que vota de modo mais ideológico ou programático vá continuar apoiando candidatos que defendam bandeiras, projetos, propostas, mesmo que não sejam tão famosos", acredita o sociólogo.

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E esse fundão de R$ 3,6 bi?

Vicente Cândido, o relator da PEC. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Na semana passada, o relator da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), dobrou o valor previsto para gastos de fins eleitorais, colocando um teto de R$ 3,6 bilhões.

A criação desse fundo se tornou uma exigência de alguns dos parlamentares desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a contribuição de empresas em campanhas políticas.

"Em tese a ideia de criação de um fundo público e exclusivo de financiamento de campanhas eleitorais é muito acertada", acredita Iglecias. "Reduziríamos enormemente a influência nefasta do poder econômico sobre os processos eleitorais e sobre a atividade parlamentar e a gestão pública posteriores à escolha dos nossos representantes para o Legislativo e o Executivo. O peso do poder econômico introduz uma competição desigual também no momento pós-eleições, porque é obvio que grupos privados que aportam grandes quantias de dinheiro na escolha dos nossos governantes e representantes terão muito mais capacidade de influenciá-los do que nós, simples cidadãos que só temos o poder do nosso voto."

A crise, porém, agrava a popularidade da ideia: "se a sociedade tivesse consciência de que vale mais a pena destinar uma parte do orçamento para financiar eleições do que não fazê-lo e deixar nossos governantes e representantes à mercê de toda sorte de assédio de grupos privados poderosos, certamente haveria mais apoio à tese do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. No entanto, soa como uma afronta à sociedade, num momento de crise econômica grave como esse que o país está atravessando, com tantos cortes orçamentários em áreas cruciais como educação, saúde, assistência social etc., destinar uma quantia vultosa de recursos como essa para as mãos das elites partidárias financiarem campanhas eleitorais."

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Sistema beneficia grandes partidos?

Uma das principais consequências previstas para a reforma política é um benefício financeiro e de exposição dos grandes partidos, PSDB, PMDB e PT principalmente. A tese perdeu força com a retirada da cláusula que dava aos partidos poder para decidir como fazer a divisão do fundo eleitoral, após pressão de bancada do Partido dos Trabalhadores. A forma como os recursos serão divididos será debatida em um novo projeto de lei.

O problema é que há um terceiro colegiado analisando uma proposta que acaba com as coligações partidárias nas eleições e cria uma cláusula de desempenho eleitoral. Nesse sentido, partidos que não alcançarem um número mínimo de votos ou de eleitos perderão direitos, como acesso ao próprio fundo e tempo gratuito de televisão e rádio.

Se levarmos em consideração as eleições de 2014, o PMDB seria o partido mais beneficiado pelo distritão, junto do PSD, com seis deputados a mais cada. O PT teria três vagas a mais e o PP e PSDB ficariam com o mesmo número. Os números garantiriam aos partidos acesso sem restrições ao fundo eleitoral por esse critério de desempenho, o que pode representar um obstáculo para partidos "solitários" e de menor poder aquisitivo, como o Psol, por exemplo, ou novas legendas, como o PMB (Partido da Mulher Brasileira) e o PEN (Partido Ecológico Nacional), que deve ter Jair Bolsonaro como principal novidade em 2018.

Agora o projeto precisa passar por duas sessões de votação na Câmara (por ser uma PEC), onde deverá ter o mínimo de 308 votos em cada uma das votações, e também ser aprovado pelo Senado até o dia 7 de outubro. A corrida contra o tempo já começou e tem votações agendadas para esta terça-feira (15).

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