Estou me transformando num palhaço aterrorizante para vencer minha ansiedade depois que fiquei sóbrio

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Estou me transformando num palhaço aterrorizante para vencer minha ansiedade depois que fiquei sóbrio

Estou me obrigando a subir no palco... o que pode dar errado?

Matéria originalmente publicada pela VICE Canadá.

A temporada do Orgulho Gay de Vancouver está chegando e, pelo segundo ano consecutivo, estou organizando um evento chamado Drag Carnival. O título já explica a coisa toda: é um show de drags com temática de circo. Ano passado, apesar de fazer a curadoria dos artistas e transformar um espaço num circo bizarro, fiquei nos bastidores. Apareci no palco para fazer uma pequena reverência e sussurrei um “obrigado” no microfone. Me senti nervoso e sobrecarregado. Na minha cabeça, eu conseguia ver a versão de mim que queria estar mostrando… carismático e despreocupado.

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Não me sinto assim há muito tempo. Completei quatro anos sóbrio mês passado. Não sei a data exata em que parei com tudo, só que foi em junho, em algum momento no meio do mês. Como sou esquecido, geralmente procuro “sóbrio” nos meus tuítes, ou olho as memórias do Facebook para me lembrar de comemorar. Nunca fui o tipo “um dia de cada vez”; sou adepto de bloquear coisas sobre mim mesmo – e meu passado – que não quero ver. O meu eu viciado está arquivado no fundo da minha psique até o ponto em que não penso mais nele. Algumas facetas da minha personalidade viciada ainda são aparentes. Posso facilmente torrar algumas centenas de dólares num caça-níqueis em vinte minutos, mas não luto para ficar longe de cassinos. O que me preocupa são outras partes da minha personalidade que estão arquivadas junto com o vício. Partes ligadas ao vício que tive que sacrificar para ficar limpo… para sobreviver.

Eu era engraçado. Eu era barulhento, enérgico, devasso. Fazer as pessoas rirem me deixava orgulhoso. Mas depois que as festas acabavam, eu estava bêbado, chapado e sozinho. O vício é esse carrossel amaldiçoado de qual você não consegue sair, sempre circulando e se repetindo. E mesmo que você se sinta mal no passeio, pelo menos há um senso de normalidade e expectativa. Depois de um tempo, você tira consolo da familiaridade da música do carrossel, dos giros, dos animais grotescos te cercando. Agora que saltei do carrossel, pouca coisa parece divertida para mim. Quando parei de beber e usar drogas, parei de socializar. É difícil me divertir quando não sinto mais que sou divertido. Quero reclamar essa parte de volta; quero fazer as pessoas rirem de novo.

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Uma página de Pop, 2018

Riso é um grande fator da minha arte. Sim, faço arte. A única razão para ter conseguido algum sucesso artístico é porque quando fiquei sóbrio, mergulhei completamente no trabalho. Não era só uma distração para preencher o tempo, era eu tentando compensar o tempo perdido. Nunca fiz arte boa antes disso. (Tenho um diploma da Emily Carr para provar isso.) Mas mesmo se minha arte faz as pessoas rirem, ainda há um nível insatisfatório de desapego que quero apagar.

No começo do ano, publiquei um livro chamado Pop. É uma grafic novel curta sobre um palhaço chamado Pop. A história se passa em 1955 e o acompanha num dia em que ele tenta desesperadamente conseguir dinheiro para pagar o aluguel e não ser despejado. Ele odeia crianças e odeia se apresentar. Fiz uma exposição em Portland em abril onde lancei o livro e uma máscara de látex que esculpi para ele. Em algum lugar da minha mente, acho que sempre planejei transformá-lo num personagem vivo. Eu não planejava usá-lo como ferramenta para combater minha ansiedade social, até que uma amiga drag queen me explicou como era libertador se apresentar enquanto personagem.

Apesar de ter abraçado a reclusão, é hora de dar um passo para voltar a ser o palhaço adorável que eu me sentia em todos aqueles anos no bar. A temporada do Orgulho Gay é sinônimo de festas e se sentir um pouco mais solto que o normal. Ser um queer sóbrio tem sua própria variedade de problemas. Mas este ano no circo, vou encarar esses sentimentos de frente. Achei uma estranha loja de fantasias vintage onde comprei uma roupa de diabo usada que alguém fez muito tempo atrás. Tirei o rabo dela e costurei pompons gigantes que parecem cabeças de couve-flor pintadas de azul. Duas semanas atrás, um artista de efeitos especiais fez algumas próteses e minha maquiagem, e pela primeira vez, me transformei em Pop Puppyteeth.

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O Drag Carnival é em 2 de agosto, e estou me preparando para me transformar nele de novo. Escrevi uma apresentação que estou ensaiando para o show, e estou ansioso para me colocar sob os holofotes. Pode ser uma abordagem pesada para combater minha ansiedade social, mas o fato de estar usando a premissa do meu próprio personagem palhaço, saindo da aposentadoria e se apresentando pela primeira vez em 50 anos, me intriga. Isso me dá um espaço de manobra. Todos os erros e buracos da minha apresentação podem ser atribuídos ao extenso período sabático do Pop. Mal posso esperar para ver o palhaço que eu costumava ser se tornar um novo palhaço.

Jaik Puppyteeth é um artista e escritor que mora em Vancouver. Siga o cara no Instagram e Twitter.

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