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Entretenimento

Uma professora de retórica explica como ganhar uma discussão na internet

Primeira lição: evite mandar o interlocutor se foder.
Vincenzo Ligresti
Milan, IT
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
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O oposto de cuidar bem de si mesmo é entrar numa discussão com um estranho nas redes sociais. Mas há momentos em que, apesar das boas intenções, você não pode deixar um chorume passar – e se você vai entrar nesse buraco de coelho, é melhor estar preparado.

Elisabetta Matelli é professora de Retórica Clássica da Universidade Católica de Milão, na Itália. Falei com ela para descobrir por que os trolls da internet podem ser tão eficientes, como combater discurso de ódio e se é OK mandar a pessoa simplesmente se foder.

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O presidente Obama e Jack Dorsey respondendo perguntas no Twitter. Foto cortesia dos Arquivos da Casa Branca.

VICE: Como especialista em retórica, por que você acha que as pessoas falam tanto com frases prontas?

Elisabetta Matelli: O conceito de slogans e frases prontas vem da Grécia Antiga na Sicília. Havia um impulso crescente na época para a democracia substituir as monarquias e ditaduras dominantes. A diferença para hoje é que aqueles slogans eram criados para espalhar sabedoria – máximas como “conheça a ti mesmo” ou “quem ri por último, ri melhor”. Essas expressões podem ser aplicadas hoje para várias situações e são usadas para fortalecer suas conclusões, porque resumem qualquer tópico sobre o qual você argumentou. Máximas deviam e devem significar uma figura de linguagem que todo mundo reconhece que tem um valor mais alto que a fala normal.

O que mudou?

De maneira crítica, nossa cultura contemporânea baixou o nível de sabedoria, então tudo que exigimos é que alguém popular diga uma frase que pega e muitas pessoas vão repeti-las. O problema que temos agora são as pessoas para quem demos autoridade. No passado, conseguíamos reconhecer o valor de uma pessoa – citávamos um filósofo ou um grande poeta, sabendo que eles estavam próximos da verdade. Hoje, muitas vezes nem questionamos se certas afirmações são verdadeiras. Estamos testemunhando uma queda do nosso reconhecimento de valor social.

O que faz um slogan ter sucesso?

Para um slogan ser eficiente, ele não tem apenas que vir de um lugar de autoridade, mas precisa ser universal, e isso se aplica a qualquer época.

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Vamos começar disso. Digamos que temos duas pessoas falando sobre um tema controverso, como imigração, e uma delas diz “eles deveriam ficar em seu país, não vir pra cá roubar nossos empregos”. Qual é uma boa resposta para argumentos assim?

A suposição geral numa discussão é que você e eu temos duas verdades, que mantemos num nível racional, emocional e sensível. E acreditamos nessas verdades tão fortemente que estamos prontos para brigar por elas. Mas também temos que considerar a intenção aqui: estamos debatendo para vencer e mostrar para a outra pessoa que somos superiores, ou para buscar juntos uma verdade que está acima do nosso entendimento coletivo? Uma forma efetiva de persuasão retórica geralmente acontece quando as pessoas estão tentando honestamente resolver um conflito, ou então só estamos brigando – o que vemos tanto na nossa sociedade hoje.

Eu tentaria uma abordagem empática – um jeito de entender melhor os medos de outras pessoas. Essencialmente, se quero te contradizer, não é o suficiente dizer o oposto. Preciso procurar uma premissa abrangente. É como cavar no nosso conhecimento mútuo e descobrir que a verdade é algo no meio do caminho entre o que você pensa e o que eu penso.

Então eu deveria perguntar para a pessoa quais são os medos que a fizeram pensar que os imigrantes querem roubar o trabalho dela?

Eu não falaria explicitamente de medos, porque a pessoa pode ficar na defensiva. Em vez disso, eu tentaria entender as motivações dela perguntando por que ela acha isso. Se a pessoa responde que está desempregada e teme que oportunidades de trabalho serão tiradas dela, então você precisa considerar isso. Se você não leva essa experiência em conta, você se arrisca a simplificar a realidade dela e não vai poder fortalecer seu argumento e encontrar uma solução compartilhada.

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E se sei que a pessoa é simplesmente xenofóbica?

Nesse caso, eu apresentaria fatos e dados para tentar fazer a outra pessoa entender a razão. Mas ainda preciso entender a raiz da xenofobia dela. Se é um impulso irracional, talvez eu teria que começar com as experiências que desencadearam isso. Há muita discussão sobre neonazismo agora. E como com todas as ideologias, isso começa com e esconde sinais de insegurança social – e as pessoas aderem a isso porque encontram uma refeição pronta que podem digerir facilmente porque acham que vão conseguir segurança com isso.

Quão importante é a proximidade física entre as duas partes?

Comunicação não é apenas verbal ou racional, ela também pode ser não-verbal. Então geralmente o resultado de um diálogo em que as pessoas não precisam ser o grande vencedor será mais positivo se você estiver conversando de frente com a pessoa tomando um café, e não num estúdio de televisão onde a distância entre nós é exagerada de propósito, ou na internet, onde você nem está vendo a outra pessoa.

Então o que você faz quando a pessoa simplesmente se recusa a ouvir a razão ou diz algo básico como “leva os refugiados pra casa então”, repetindo um slogan da moda mas sem fundamento?

Eu responderia que nosso sistema de imigração não exige que eu ou você hospede um refugiado em casa. É uma premissa falsa. Ela está fazendo perguntas sobre um contexto que não existe. Eu diria para a pessoa que isso é tão relevante quanto eu perguntar por que os elefantes não nadam no oceano.

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Se vejo que a pessoa está realmente agarrada a suas visões e não está aberta ao diálogo, posso dizer simplesmente mandar ela se foder?

Eu não usaria abusos verbais porque um insulto te coloca numa posição de fraqueza. O melhor jeito de dizer para a pessoa se foder é parar de falar e acabar com a conversa.

Você tem alguma recomendação para pessoas que querem estudar a arte da discussão?

Acho que retórica deveria ser ensinada nas escolas porque ensina o básico de como separar mentiras da verdade. Aristóteles explicava que a aparência de verdade não é necessariamente sobre manipular a verdade, mas das nossas tentativas de se aproximar de uma verdade que não conhecemos.

Sugiro ler Retórica de Aristóteles e Institutio Oratoria de Quintiliano. As aplicações práticas deles estão por trás das oratórias mais eficazes da história. Mais recentemente, tem um trabalho do americano Marshal Rosenberg que explica que palavras podem ser janelas ou paredes, dependendo de como são usadas. Disso podemos extrapolar a abordagem empática, que é uma questão de ser aberto com o outro, não de abusar do poder.

Somos mal educados nisso em nossa linguagem cultural atual, que busca, fraudulentamente, fazer algo parecer maravilhoso quando não é exatamente. O homem contemporâneo foi prejudicado por exemplos extremamente ruins de “comunicação comercial” no sentido mais amplo. Se reduzimos a comunicação de questões existencialmente importantes para o nível da publicidade, nos fechamos numa pequena dimensão e nos tornamos incapazes de lidar com a complexidade do presente.

Matéria originalmente publicada pela VICE Itália.

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