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Games

Este foi o primeiro jogo a apavorar a sociedade por ser violento

Em 1976, Death Race era acusado de deturpar a mente da juventude.
Imagem: Reprodução

Eu não me lembro de uma época em que não se falava mal da violência dos videogames na mídia. Lá em casa era super de boa; meu primo e eu jogávamos Mortal Kombat antes de aprendermos a ler, mas eu sabia que, no geral, crianças cantando alegremente "Sangue, tripas e ossos!" enquanto assistiam aos personagens pixelados do jogo sendo esquartejados não era exatamente uma atividade infantil ideal.

O tempo mudou e os jogos ganharam um tratamento diferente. Pra geração atual que cresce jogando Minecraft em qualquer tipo de dispositivo, a revolta contra os videogames, como se fossem um veneno da juventude, parece tão distante quanto as polêmicas em volta de quadrinhos e heavy metal pareciam na minha infância. Hoje, é ridículo pensar que a violência dos jogos podem corromper a sociedade.

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Mas onde foi que a guerra moral contra os games começou? Supreendentemente, o início desse papo data de 1976, quando a repórter Wendy Walker, da Associated Press em Seattle, parece ter publicado a primeira reação de espanto e preocupação com um jogo eletrônico que estava atraindo crianças.

O culpado era Death Race, um jogo de fliperama no qual um ou dois jogadores usavam volantes para controlar pequenos carros numa tela monocromática e atropelar "pedestres". Digo pedestres entre aspas porque Walker os chamava assim em seu artigo, mas a Exidy, empresa que criou e distribuiu Death Race, sempre explicou que eles eram "gremlins". O que quer que sejam, os monstrinhos viram crucifixos plantados no chão assim que são atingidos pelo jogador.

Cabine de 'Death Race'. Imagem: The Dot Eaters/Reprodução

"Se as pessoas acham legal atropelar pedestres, você tem que deixar elas fazerem isso", disse Paul Jacobs, diretor de marketing da Exidy, a Walker na época. Esse é o tipo de declaração que não inspira muita confiança em pais super preocupados que não entendem bem de videogames. Para piorar, a matéria de Walker segue entrevistando o psicólogo Dr. Byrde Meeks, que, sem nunca ter nem visto o jogo, declara que o game "apela para morbidez de uma pessoa" e que os prisioneiros violentos que ele tratava iriam adorar Death Race.

No artigo, Walker chegava até mesmo a denunciar os ruídos agudos do jogo, que ela chamava de grunhidos e se parecem com tudo, menos os gritos de vítimas humanas. Aliás, tudo no jogo segue a mesma regra: é mais chocante como ideia do que na tela em pixels.

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"Jogo permite que motoristas sejam assassinos", dizia o artigo da Wendy Walker. Imagem: Newspapers.com/Reprodução

Assim como tantas outras polêmicas do tipo, o pavor que pais e jornalistas nutriam por Death Race teve uma consequência curiosa: ele aumentou as vendas do jogo. Após a publicação da notícia, foi necessário produzir uma segunda leva do fliperama, indo além das mil unidades feitas originalmente. Ao fim, foram mais cerca de três mil cópias vendidas, levando a Exidy a faturar US$ 3 milhões de dólares naquele mesmo ano – em comparação, eles só haviam faturado US$ 250 mil no ano anterior.

Mesmo pros anos 70, é difícil de acreditar que esse tipo de violência inspirou o artigo de Walker e, consequentemente, inúmeros outros pelo mundo (na época, teve até notícia da Holanda falando sobre o jogo), dando o pontapé inicial pro alarmismo sensacionalista em torno da violência dos games.

Agradecimento especial a Phil Salvador, Keith Smith e Chris Chapman, cujas pesquisas me ajudaram muito nesse artigo.

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