Quero morar em 'Yakuza 6'
'Yakuza 6'. Imagem: Sega/Reprodução.

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Quero morar em 'Yakuza 6'

Capítulo final de Yakuza não é o ápice da série, mas tem uma bela vista panorâmica.

Yakuza 6, diz a SEGA, é o fim da saga de Kazuma Kiryu, uma figura imponente e ao mesmo tempo um carinhoso e introvertido ex-membro da Yakuza. Conhecido como "O Dragão de Dojima", ele já entrou e saiu da cadeia algumas vezes, mas isso porque mantém um código que honra que, com o passar dos anos, cada vez mais parece uma relíquia do passado.

Como o homem faz justiça com as próprias mãos no bairro de Kamurocho desde os anos 80, eu não tenho razão para duvidar da sua aposentadoria. Além da dezena de jogos que Kiryu já estrelou, há ainda pelo menos um remake e um spin-off vindo por aí. Explorar a imagem de Kiryu sem ter que empilhar mais acontecimentos em sua já fantástica existência parece o melhor a se fazer mesmo.

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Eu sou um neófito quando se trata de Yakuza. A série começou em 2002, mas meu primeiro contato direto foi com Yakuza 0 (um prólogo da história original), no ano passado. Mesmo assim fui totalmente seduzido pelas intrigas do bairro fictício de Kamurocho, pelas luzes neon refletidas nas poças d'água, o dramalhão de máfia da história de Kiryu e as hilárias e desconfortáveis situações das missões paralelas do jogo.

Lugar real usado de inspiração pra foto acima. Foto: Gus Lanzetta.

Depois do prólogo, devorei Yakuza Kiwami, um remake do primeiro jogo da série na engine moderna de Yakuza 0. Não foi uma experiência tão coesa quanto Yakuza 0, mas foi ótimo para ver o início da relação entre Kiryu e sua quase filha Haruka. É incrível ver como ela cresceu e se desenvolveu como personagem através da série.

Quem também se transformou muito nesse tempo foi Kamurocho. O bairro é baseado em Kabukicho, uma área da região de Shinjuku, uma região descolada de Tóquio — cheio de bares, moças oferecendo massagens e mais telões que o Times Square.

'Yakuza 6'. Imagem: SEGA/Reprodução.

Lugar real usado de inspiração pra foto acima. Foto: Gus Lanzetta.

Depois que passei umas férias no Japão, Kabukicho acabou se tornando uma grande conexão entre a série Yakuza e eu: antes de jogar Yakuza 6, eu passei 21 dias no centro de Kabukicho. Cada dia eu conhecia melhor as vielas que me cercavam, sabia como chegar em restaurantes cujo nome eu não conseguia ler para comer "aquele negócio que o garçom recomendou da outra vez”.

Tóquio é uma cidade fascinante de qualquer maneira, mas andar por Kabukicho e ver o quanto eu me sentia em Kamurocho foi o ápice desse fascínio. Eu entrava em kombinis (lojas de conveniência do Japão) e comprava refrigerante em máquinas, logo depois de desviar de um cara tentando me convencer a ir ser roubado num hostess bar da Yakuza.

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E eu pensava em Kazuma Kiryu.

Quando finalmente botei as mãos em Yakuza 6, vi que o hotel onde fiquei estava no jogo (com outro nome) e que havia reproduções fiéis de muitos locais com os quais convivi por quase um mês. Reviver as ruas de Kabukicho através de Kiryu e suas aventuras em Kamurocho também foi um jeito de matar a saudade. Escrevendo sobre videogames, me acostumei a falar sobre imersão e a experiência de me sentir num lugar, mas é diferente quando sentimos isso na pele.

'Yakuza 6'. Imagem: SEGA/Reprodução.

Lugar real usado de inspiração pra foto acima. Foto: Gus Lanzetta.

Recriações de lugares reais em videogames raramente são tão atentas aos detalhes quanto em Yakuza 6, principalmente porque o jogo pode focar em só um pedacinho pequeno da cidade. Na maioria dos jogos que se passam em lugares assim, é necessário alterar a escala de muita coisa para servir à jogabilidade.

Yakuza tem a vantagem de reproduzir um local denso e feito para pedestres num jogo em que o que você mais faz é andar e entrar em lugares para encontrar pessoas. Kamurocho nunca foi tão denso, cheio de prédios com vários andares para serem explorados. Sem telas de loading, entrar e sair das dezenas de lugares que você pode visitar é fácil e realista. O bairro nunca teve tantos detalhes visuais e agora rola até carros passando pelas vias mais largas de Kamurocho.

'Yakuza 6'. Imagem: Sega/Reprodução.

Lugar real usado de inspiração pra foto acima. Foto: Gus Lanzetta.

Mas e o que se passa no jogo?

A história de Kiryu é muito importante em Yakuza 6. Há horas e horas de cutscenes e rola aquela sensação tediosa de Metal Gear Solid 4 e suas longas cenas sem interação. Em vários momentos você larga o controle e assiste praticamente a um episódio de uma série. Isso não é necessariamente um problema, a história é muito interessante em grande parte do jogo, mas a distribuição desses longos diálogos de exposição não tem um bom ritmo.

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E olha que esses diálogos são muito bem atuados por um elenco maravilhoso. Até o venerável ator Takeshi Kitano está no jogo. É uma direção cinematográfica de dar inveja. Porém a presença desses atores muito bem recriados em modelos poligonais deixa mais óbvio o quanto Kiryu não é uma pessoa. Ele parece um personagem de anime perto dos outros personagens de carne e osso. Kiryu acaba sendo um Roger Rabbit, mas isso é, de alguma maneira, tematicamente coerente. Ele é o Dragão de Dojima, ele sobrevive a tudo, ele mal envelhece e se mantém uma força imbatível do combate. Num mundo de meros mortais, ele é um ser fantástico com um comportamento de um adolescente boca suja em sérias reuniões do crime organizado em bares de Kamurocho.

A história porém degringola muito quando vai chegando perto do que os desenvolvedores tentam chamar de conclusão. É um pouco triste que depois de todo esse tempo a gente saia da vida de Kiryu (e ele da nossa) com uma lasanha de reviravoltas bem pouco satisfatória. Até porque mesmo depois dos créditos o jogo começa a desfazer coisas que aparentemente aconteceram sem muita razão para desfazê-las. No geral, o roteiro de Yakuza 6 mostra como mais não significa melhor.

'Yakuza 6'. Imagem: Sega/Reprodução.

Lugar real usado de inspiração pra foto acima. Foto: Gus Lanzetta.

As missões paralelas que você encontra em Kamurocho e em Onomichi também ficam aquém do clima de sitcom de Yakuza 0 e mesmo do escracho ainda presente em várias das missões paralelas de Yakuza Kiwami. É muito bem vindo que agora todos os diálogos dessas histórias são dublados, mas parece que junto com isso veio uma vergonha de fazer os mesmo tipos de diálogos cheios de besteiróis como antes.

Na parte técnica, houve muitas melhorias, como o novo sistema de combate mais simples e satisfatório (mesmo que ainda repetitivo), a maneira bem mais simples de subir o nível das suas habilidades e o uso do mapa é muito melhor.

Dessa forma, Yakuza 6 é um paradoxo: o melhor Yakuza de se jogar (tecnicamente falando) é também um Yakuza que não é tão interessante de se jogar (narrativamente falando). Há um enredo bacana, boas missões, minigames e mapas ótimos nesse jogo, mas há melhores na franquia. Não dá pra ter tudo e esperar um ideal platônico de qualquer jogo da série seria um erro. Mas sinto saudades de coisas que já vivi em Kamurocho. Como sinto saudades de Kabukicho.

'Yakuza 6' foi lançado em 6 de dezembro de 2017 no Japão e estreia dia 17 de abril deste ano no resto do mundo. Autor se baseou em uma cópia fornecida à imprensa pela SEGA.

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