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O grito homofóbico das arquibancadas afasta muita gente do futebol

Por que as torcidas, organizadas ou não, ainda protagonizam tantos preconceitos?
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ilustração por Verena Antunes

Essa reportagem integra a série Brazica, a nossa busca pelo lado mais inusitado do futebol nacional. Acesse todas as matérias aqui.

Torcedora do Paysandu, Vera Correa, de 53 anos, tem dois filhos gays e com tristeza fala sobre a homofobia que ecoa nas arquibancadas. “Eu definiria isso em poucas palavras: tristeza e asco. Isso é muito pequeno, muito sujo.” Ela, assim como muitas pessoas do Brasil, se afastou do estádio e do clube que ama por não suportar ouvir os preconceitos que começam no grito de “bicha” e terminam nos xingamentos mais grosseiros sobre a sexualidade alheia.

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Como tantos outros, ela também questiona: será que algum dia esse tipo de comportamento mudará? Será que as pessoas vão parar de gritar “bicha” a cada tiro de meta?

O grito, vale lembrar, causa mal-estar internacional. Tanto é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi multada pela quinta vez no dia 10 de outubro do ano passado por causa desse grito. O caso: o Brasil enfrentou o Chile no Allianz Parque, estádio do Palmeiras, e os gritos de “bicha” foram tristemente protagonistas. A soma das punições chegam a quase a 300 mil reais e, até agora, a entidade não fez nenhum pronunciamento sobre o ocorrido.

A única grande torcida nacional que se posicionou contra foi a Gaviões da Fiel, do Corinthians. Em maio de 2016, uma nota oficial foi publicada no Facebook da torcida em que sugeriam trocar o grito de “bicha” por “vai, Corinthians”.

Wildner Rocha, o Pulguinha, ex-presidente da torcida e liderança histórica dos Gaviões, explica que o posicionamento da organizada foi para frear algo que estava se tornando muito grande. “O grito não faz parte do nosso contexto. Tem torcedor que só grita isso. Era uma brincadeira que nasceu sem querer, mas virou palhaçada. Tem torcedores comuns que não gritam nada, mas se esforçam para este grito.”

O problema é que a campanha não funcionou por muito tempo. A homofobia, afinal, é maior e mais severa do que pensamos: está em praticamente todas as arquibancadas e quase todo time tem o seu canto bizarro para chamar de seu.

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A torcida do Palmeiras costuma cantar em jogos contra o São Paulo: “Ô bicharada, filha da puta, não adianta inventar! A sua fama se consagrou, todo viado é tricolor!". Para provocar os gremistas, os torcedores do Internacional entoam: “ A imprensa esconde a poltrona 36! O Capone e o Bilica fazem parte da tua vida, a geral só encocha, o chiqueiro vai cair!”. Para atacar os corintianos, a torcida são-paulina costuma cantar . “Gambá me diz como se sente. Por que você gosta de beijar? Ronaldo saiu com dois travecos, o Sheik Selinho ele foi dar, Vampeta posou pra G, o Dinei desmunhecou, na Fazenda de calcinha ele dançou. Não adianta argumentar, todo mundo já falou, que o Gavião virou um beija-flor.”

Infelizmente, esses são apenas três exemplos entre dezenas de cantos. O estádio ainda é o lugar em que os pais ensinam aos filhos que o adversário é “viado” e que isso é uma ofensa, que afirmar que seu adversário é gay o torna mais hetero.

Vera, a mãe que prefere não estar mais dentro do estádio, não crê que isso acabará tão cedo. “É de coração partido que eu falo que existem essas pessoas monstruosas, que não são avaliadas como merecem”, diz. “É profundamente entristecedor.”

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