Os novos nomes e sons do R&B chavoso
Da esq à dir, em cima: Hodari, Alt Niss, Ferrugem e Junior Lord. Da esq à dir, embaixo: Solveris/foto de Divulgação, Luiz Lins, Fabriccio e Lucas DCan. Todas as fotos do Facebook, exceto Solveris.

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Música

Os novos nomes e sons do R&B chavoso

O 'novo R&B' do Brasil é uma mistura sem limites do som norte-americano com o nosso rap, MPB, funk e pagode.

Durante o show do Illa J no Sesc Pompeia nessa última quinta (5), o rapper e cantor tocou dois sons do D’Angelo, “Brown Sugar” e “Untitled (How Does It Feel)”. Nos dois momentos o Nyack, que tocava com ele, largou a controladora por um momento e deixou Illa ficar sozinho com seu teclado, ou quase, já que ele era acompanhado por grande parte da plateia, que cantava seus versos palavra por palavra. D'Angelo foi um dos grandes nomes do que, talvez um pouco mais tarde, viria a tomar a forma do R&B que conhecemos hoje, o “R&B contemporâneo”, se assim preferir — originário da música negra norte-americana lá pelos anos 40, mas com um apelo pop moderno inconfundível.

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Os anos seguintes aos quais D'Angelo lançou seus dois primeiros e clássicos discos (Brown Sugar, de 1995 e Voodoo, de 2000) foram do auge do ritmo nas rádios e paradas, inclusive brasileiras: uma galera como Kelly Rowland, Usher, Alicia Keys, Ne-Yo e R. Kelly foi tocada à exaustão por aqui durante a primeira metade dos anos 2000. Eu duvido você achar um millennial que nunca cantou “Dilemma” num karaokê.

A produção brasileira de R&B, porém, nunca vingou real por aqui. As tentativas que tivemos de replicar o que a galera gringa fazia por lá até chegou a render uns bons hits (como “Você Vai Estar na Minha”, da Negra Li, e a parceria dela com D’Black, “1 Minuto”), mas nunca foi possível falar em uma cena ou um grupo de artistas que investisse no som, ou um público que os acompanhasse fielmente.

Mas não é como se o R&B fosse completamente alienígena à cultura musical brasileira — talvez a gente só não tenha o nomeado dessa maneira. A própria história do termo R&B é um pouco controversa e com cunhos de racismo, já que a expressão, assim como o "urban contemporary" e a "black music" aqui no Brasil, nasceu como uma aglutinação de toda e qualquer música feita por negros que carregasse essa sonoridade mais pop, como uma forma de a homogenizar e diluir.

Mas não dá pra negar, por exemplo, Tim Maia e Cassiano como filhos do mesmo soul e funk que deram origem ao R&B. Não dá pra negar, também, que o rap brasileiro, mesmo no auge de sua agressividade e crueza com, por exemplo, Racionais e Trilha Sonora do Gueto, trazia com frequência uma melodicidade em seus refrões e/ou samples. E não dá pra negar, finalmente, o pagode, que, principalmente durante os anos 90 e 2000, mas até hoje, cumpre o papel de vertente brasileira do R&B com seu baixo BPM e virtuosismo harmônico e vocal.

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De alguns anos pra cá, porém, está ficando mais possível ver o R&B presente no underground brasileiro com mais força, desde que os próprios artistas abraçaram o termo e seus símbolos. Tássia Reis surge entre o rap e a MPB, trazendo junto todo o seu Rimas & Melodias; Luccas Carlos canta com suavidade sobre o trap melódico da Pirâmide Perdida. O próprio MC Livinho se encarrega de fazer o contraponto paulista à putaria acelerada do funk do Rio de Janeiro com um som muito mais puxado pra esse lado, desde o megahit “Fazer Falta” ao seu mais recente single “Rebeca”. Essa galera talvez seja quem puxou a fila do R&B com o toque malandro e tropical que vem surgindo no Brasil: o R&B chavoso.

Muito desse som mais melódico pode ser culpado na galera do trap, muito influenciada pelas baladas e refrões cantados que artistas como Travis Scott e Future vêm fazendo bastante lá por Atlanta. Aqui no Brasil, na cola do Luccas Carlos, uma outra galera também veio nessa linha, como Jé Santiago, da Recayd Mob, Matuê e Alt Niss. A paulistana, que divide espaço com Tássia e outras rappers no Rimas & Melodias, viveu cercada pelo rap mas sempre se sentiu puxada pelo R&B que via na TV quando criança — história que ela conta na música “Zona Sul 89”. “Tinha uma paixão muito grande pelo R&B desde sempre. Achava que aquelas minas cantavam pra caralho, gostava do lifestyle, as roupas, os cabelos, tudo”, fala a cantora. “Eu tinha 11 anos nessa época e nem era algo tão forte no Brasil. Eu não tinha acesso à internet. Loucura isso tudo, curtir Aaliyah e TLC era missão mesmo.”

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Dessa mesma ligação do trap com o R&B surgiu o pernambucano Luiz Lins. No início desse ano, o chamado PE Squad lançou a mixtape Young Baby, cuja produção de Mazili e versos enérgicos dos rappers Diomédes Chinaski e Matheus MT encontram um contraponto na voz grave e cantada de Luiz.

O pernambucano conta que teve um grupo de rap ainda na adolescência, mas acabou por decidir seguir o caminho do R&B. “Na época que produzi um material de R&B tava ouvindo muita coisa gringa, tava meio parado no tempo pra música, e a fim de coisa nova. Vi PARTYNEXTDOOR, The Weeknd, Bryson Tiller, Frank Ocean, John Legend na época e achei a sonoridade bem interessante. Já não tava fazendo nada musicalmente e arrisquei”, fala o cantor. No ano passado, Luiz chamou atenção com o single “A Música Mais Triste do Ano”, já virado pra esse lado mais introspectivo do R&B, e que teve mais de 19 milhões de visualizações no YouTube.

Também nessa pegada violão e lágrimas, o campo-grandense Konai fez 10 milhões de visualizações com sua “Te Vi na Rua Ontem” e o carioca Lucas Dcan vêm acumulando single e EPs de sonoridade mais introspectiva e acústica desde o seu EP autointitulado de 2015. “Quando eu comecei a fazer som, a sonoridade que eu procurava ainda não tava rolando na cena. Isso mudou quando eu fui pra São Paulo, fui gravar com o Pollo e conheci o produtor deles, o Renan Samanta. Vi que tinha gente fazendo aquilo e que aquela era a sonoridade que eu queria”, fala Lucas.

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Em contraponto, o quarteto Solveris, o “Black Eyed Peas brasileiro” puxa pro lado mais pop e solar do R&B em seu álbum de estreia, Vida Clássica, lançado no mês passado. Morena, a nossa Fergie, fala que o grupo começou com uma forte influência do rap e do soul, mas comenta a importância dos ritmos brasileiros na sua formação musical. “Já tive algumas bandas, mas foi no samba que comecei a tocar de verdade e ganhar dinheiro. Afinal, eu cresci nas bandas de samba e pagode da minha família.”

A esse ponto, a ligação profunda do pagode com o R&B fica difícil de negar – começada pelo Exaltasamba, Travessos e Soweto lá nos anos 90, essa conexão e inspiração hoje é aprofundada por uma galera como o próprio Rodriguinho e o cantor Ferrugem, que inclusive fez um cover acústico de “Lady”, do Luccas Carlos ("meu grande amigo", segundo o pagodeiro) e BK'.

“Desde que eu comecei a ouvir pagode, principalmente o pagode romântico, eu noto a semelhança com o R&B porque as linhas melódicas são bem parecidas”, me fala Ferrugem. “Quando escuto R&B me identifico muito mais do que com outras músicas gringas. Acho que é isso que me fez seguir por esse caminho, mas muita gente fez antes de mim”, conta.

Assim como o pagode, a MPB às vezes também têm suas linhas da divisão com o R&B borradas. Um bom exemplo disso é o hit do brasiliense Hodari, “Teu Popô”, cujo riff de guitarra podia ter saído de um axé de sucesso nos anos 90, mas vem acompanhado de um vocal bem melódico e leve batida sintética. O cantor fala que o que lhe inspirou a almejar R&B foi o contato familiar com o rap (Hodari é primo de BK’ e Akira Presidente) e tocar em bandas de rock e MPB quando adolescente. Fabriccio, músico capixaba que no ano passado lançou seu disco de estreia Jungle, também vem dessa escola e é como nosso Djavan do R&B. “Eu vejo muita coisa brasileira no R&B, por mais que a gente não tenha reconhecido com um formato mais fechado”, fala. “No Brasil a gente está muito bem servido de R&B, só falta consciência disso. E e R&B não é só pegar a música que o fulano gringo fez e traduzir literalmente, a gente tem nossas respostas ao R&B.”

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Outro gênero brasileiro que bem se serviu do R&B nos últimos anos é o funk. “Fazer Falta” certamente foi o maior marco dessa fusão — quando entrevistei Livinho, ele chegou a me dizer que seu maior ídolo é o R. Kelly — mas outros artistas também já enveredaram por essa direção: Don Juan, que além do hit “Amar, Amei” também emprestou sua voz autotunada a “Moça”, última música do disco do produtor capixaba WC no Beat; Gaab, que é filho de Rodriguinho, e Junior Lord andam todos fazendo um R&B-funk chavoso — um bom exemplo é o som “Melanina”.

“O R&B é ligado ao rap e ao funk porque foi essa mistura que fez com que o gênero entrasse em evidência novamente”, diz Junior. “Essa influência do funk brasileiro traz o R&B mais pra perto da nossa realidade, faz com que nosso R&B seja autêntico.”

As opiniões sobre o R&B ser ou não um gênero que um dia se vingou no Brasil variam. Enquanto Lucas DCan e Luiz Lins argumentam que o gênero nunca terá um público próprio no Brasil por não ter nascido por aqui, Fabriccio acredita que ele sempre esteve presente. "De Simonal até Luccas Carlos. A gente também colaborou muito pra isso mundialmente — você ouve Anderson.Paak hoje e ele está sampleando Cassiano, Kaytranada sampleia Gal Costa. Os caras são herdeiros desse nosso R&B, eles ouvem e piram", fala.

Em uma coisa, porém, todo mundo concorda: o R&B passou a ganhar espaço quando começou a ser feito à brasileira — não apenas um cópia-e-cola dos gringos, mas um som que possa ser reivindicado como nosso; o R&B chavoso.

Ouça nossa playlist de R&B Chavoso abaixo:

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