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Como é conhecer o mundo quase de graça viajando em navios cargueiros

O holandês Thor Pederson como está conhecendo todos os países do mundo sem voar - e sem gastar com passagem.
Todas as fotos cortesia Thor Pederson.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Em novembro passado, os vilões no comando da United Airlines inventaram algo chamado "classe econômica básica", um novo jeito escroto de voar que reimagina confortos mesquinhos como "espaço para sua bagagem" ou "a opção de escolher um assento no corredor" como opções premium pelas quais você tem que pagar. Parece que logo vai chegar o dia em que você vai ter que usar óculos que mostram propaganda durante o voo inteiro, e ter que pagar um upgrade só pra poder piscar.

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Mas se você precisa viajar, digamos, para o outro lado de um oceano, aviões são a única opção, certo? Bom, você sempre pode tentar um navio cargueiro – aqueles barcos gigantes de 400 metros comprimento com centenas de vagões de trem empilhados em cima. Navios cargueiros às vezes são uma opção para viajantes que, bom, são extremamente flexíveis sobre um monte de coisas. Por exemplo, cruzar o Oceano Pacífico de avião leva 12 horas, de cargueiro você chega lá em duas semanas. Mas o tempo investido é só o começo.

Thor Pederson está mais da metade do caminho de seu objetivo de pisar em todos os países do mundo sem voar, o que significa que ele não tem escolha a não ser arranjar jeitos ser despachado de um continente a outro como um contêiner de material de escritório. Falando do Quênia, ele me disse que cargueiros não são lugar para quem sofre de enjoos, pode ser bem difícil apenas embarcar e que eles também são cheios de luxos escondidos. O melhor de tudo para Pederson: o preço da maioria dessas viagens – que normalmente é comparável a voar, se não mais caro – é de zero dólares.

VICE: Por que você está viajando em navios cargueiros?
Thor Pederson: Pouco mais de 200 pessoas já estiveram em todos os países, e todas voaram em algum momento. Estou nessa há mais de três anos agora. Já estive em 121 países e, até agora, não voltei para casa e não voei. Quando preciso atravessar um oceano como o Atlântico não tem outro jeito. Você basicamente precisa ir de navio cargueiro.

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Mas essas viagens longas não são chatas pra caralho?
Nesse projeto eu ainda não tirei nenhuma folga. Em terra, estou sempre investigando como conseguir um visto, passar pela fronteira, encontrar pessoas, a Cruz Vermelha local ou a imprensa. E parece uma pausa quando estou nesses navios. Consigo trabalhar por duas a quatro horas sem internet, depois não tenho como avançar. Então depois de fazer o que posso, descanso.

E o que você faz para relaxar?
Eles usam dessalinizadores para fazer água doce, então você tem água de graça, e o motor é muito quente. Eles passam a água pelo motor, e você tem água quente de graça. Num cargueiro, você pode tomar um banho de duas ou três horas e não se sentir culpado pelo meio ambiente. Você pode dormir. Pode ler um livro. Passo muito tempo na ponte de comando, porque é lá que você fica sabendo de tudo. É lá que as informações chegam.

Tem algum luxo?
Da última vez em que estive a bordo de um cargueiro eles tinham uma sauna e uma piscina indoor. Às vezes eles têm WiFi. Num deles eu vi as Luzes do Norte, e também baleias e golfinhos. Às vezes é extraordinário. Mas na maior parte do tempo você só vê água.

Você teve medo?
[Numa rota no Atlântico Norte] a viagem devia durar oito dias, mas pegamos tempo ruim, e eu basicamente achei que ia morrer. O navio balançava muito, as ondas estavam batendo nos contêineres e eles tiveram que desacelerar para 4 nós. Você era jogado pra todo lado se não se segurasse. Então perguntei "Isto é normal?" e eles riram pacas. Eles olharam para mim e disseram "Filho, isso não é nada". Aí me senti mais calmo. "OK, eles disseram que não é nada. Só preciso esperar passar." Passamos quatro dias assim.

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Dá pra dormir quando o mar está agitado?
Se você está na parte de cima de um beliche e tentar dormir, é quase impossível. Você vai cair da cama. Tinha uma cadeira no chão e ela ficava caindo. Eu levantava a cadeira e ficava vendo quanto tempo ela demorava para cair. Se tenta comer alguma coisa, você basicamente tem que segurar a mesa com uma mão para não cair e segurar o prato com a outra mão. Então você fica sem mãos sobrando para comer. É um desafio comer em alto-mar.

Pederson prepara uma vacina num navio entre a Islândia e o Canadá.

Como você embarca?
É muito difícil entrar em um navio cargueiro. Poucas linhas de carga no mundo oferecem cabines. Você pode [procurar no site de uma agência de viagens em cargueiros] ou ligar para eles e comprar seu embarque. Eu não fiz isso. Os cargueiros não têm incentivo para trazer um passageiro a bordo a menos que façam disso um negócio. Os dias em que você podia entrar num cargueiro e trabalhar ficaram no passado. Hoje em dia você precisa de permissão e tudo mais para trabalhar num navio cargueiro. Você vira uma responsabilidade para o navio, e não há razão para eles te trazerem a bordo. A maioria dos portos são seguros até um ponto em que você nem consegue entrar. A vida a bordo desses navios se resume a poucas coisas: trabalhar, comer, dormir e lazer. Um passageiro é uma interferência na rotina desses navios.

Por que você é diferente?
Estou viajando como embaixador da boa vontade para a Cruz Vermelha [holandesa], e às vezes isso abre portas, especialmente com capitães e outros oficiais a bordo. Eles se identificam com algo assim. Eles estão navegando há 40 anos. Eles têm suas próprias histórias. Eles ficam curiosos em conhecer esse maluco que está rodando o mundo sem voar. Então me tratam como realeza. Eu janto com o capitão.

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E quanto isso custa?
Uma vez tive que pagar $15 por dia pela cabine e a comida, e outra vez paguei uma taxa única de $60 de seguro. E eles queriam que eu escrevesse uma história sobre como é maravilhoso viajar a bordo de um cargueiro.

E nas outras viagens?
Todas de graça.

Mais para o final da sua viagem, você vai visitar vários países em pequenas ilhas no Pacífico. Você vai tentar usar outros meios de locomoção que não cargueiros?
Não vou tentar chegar lá num navio à vela ou algo assim. Todas as ilhas [do Pacífico] recebem bens de contêineres em algum momento. Mas provavelmente não recebem navios todo dia, então não sei. Posso chegar numa ilha, eles descarregarem o navio e irem embora, mas eu tenho uma regra que diz que preciso ficar no país por 24 horas. E eles descarregam tudo em oito, 14 horas, e vão embora. Talvez eu tenha que esperar um mês até outro navio chegar. Então veremos.

Essa conversa foi editada para dar maior clareza.

Acompanhe a jornada de Pederson no site dele.

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Tradução: Marina Schnoor

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