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Música

Você Não É Punk

Não tenho qualquer tipo de lealdade ao punk como forma de música. Nunca tive. O punk como eu conhecia tinha um propósito político. O que é classificado como música “punk” hoje em dia é algo absolutamente vazio e covarde.

Foto por David Titlow.

Não tenho qualquer tipo de lealdade ao punk como forma de música. Nunca tive. O punk como eu conhecia tinha um propósito político. O que é classificado como música “punk” hoje em dia é algo absolutamente vazio e covarde.

Eu realmente acredito que se não fosse pelo Crass e o movimento que cresceu dele, o punk só seria lembrado como uma velha senhora fazendo a pantomima do rock and roll; as mesmas velhas atitudes vestidas com uma fantasia diferente. Os Pistols com certeza não fizeram nada mais radical do que o Elvis Presley, a única diferença é que o Elvis lidava melhor com as drogas do que eles.

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O Crass queria mudar o mundo e, em certos aspectos, mudamos, mas não chegamos nem perto do que tínhamos nos proposto. Queríamos minar as instituições do Estado e tudo que elas representavam. Fomos muito longe para fazer isso. A ostentação rock and roll de ter uma banda era simplesmente a plataforma que usávamos.

O que fizemos como ativistas foi muito mais importante para nós do que a música. Estávamos sempre procurando um jeito de ir além de ser apenas uma banda. Em nossa história, tivemos negócios e desentendimentos com todo tipo de gente: o Baader Meinhoff, a KGB, a CIA, o IRA, M16, Margaret Thatcher. É só dizer um nome, todos eles tentaram. Quando você compara isso a tocar num palco, você vê aonde a gente estava. Acho que nosso interesse em tocar era secundário.

O punk nas mãos do mundo do entretenimento é uma farsa absolutamente sem sentido. Isso não significa nada. Claro, o rock pode ser divertido, você pode ter uma noite legal, mas o que isso tem a ver com o punk? Todas essas bandas punks reformadas e grandes gravadoras gostam de pensar que são punks, o que é OK para dar umas risadas, mas não faz sentido imaginar que isso tem alguma coisa a ver com o que o punk realmente significa. O punk era um modo de vida, não uma modinha pop.

Se você tem uma banda, você vai ter que se comprometer até certo grau com sua imagem pública, e a única maneira de fazer isso é manter uma frente pessoal. No final, descobrimos que era impossível manter essa frente, o que é uma das razões para termos parado em 1984. Bem orwelliano.

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As letras, músicas e a imagem do Crass estavam envolvidas com a política global, mas, no final das contas, acho que o efeito que tivemos nas pessoas foi mais na política pessoal delas. O punk costumava ser um grito contra a desigualdade e a injustiça, mas acabou incorporado ao mainstream. Detesto as pessoas que permitem que essa incorporação aconteça. Isso me deixa puto. De novo, de novo e de novo, você ouve a juventude expressando sua voz. De novo, de novo e de novo, você vê essa voz destruída por drogas, autoindulgência, idiotice e gente vendida. É triste.

Mas, além de tudo isso, você tem que seguir acreditando nas possibilidades, acreditando que as pessoas querem algo melhor da vida, vendo algo além da feiura, vulgaridade, crueldade e exploração; algo que tenha um significado, que tenha uma conexão. Mas toda vez que parece haver uma possibilidade de isso acontecer, ela é esmagada. Foi assim com o The Clash. Todo mundo ficou empolgado porque finalmente tinha alguém falando de política e dizendo coisas como “I'm bored with the USA” e daí, no mês seguinte, o que eles estavam fazendo? Eles estavam cheirando cocaína e fazendo shows enormes nos Estados Unidos: valeu, caras.

As pessoas são sempre decepcionadas por seus heróis, mas acho que isso é culpa delas. Elas não deviam ter heróis, mas essa é a sociedade em que vivemos: grandes heróis, pessoas pequenas. Claro, reconheço que tem gente que nos vê como heróis, mas essas pessoas perderam nossa mensagem central: “Não há autoridade além de você mesmo”. No entanto, sei pelas cartas que continuamos recebendo do mundo todo, que muitas pessoas são motivadas profundamente e do jeito certo, não por meio de seus bolsos, mas de suas almas. Isso porque não estávamos dizendo: “Venham, comprem nosso maldito disco”, não, estávamos tentando fazer com que as pessoas percebessem que a vida delas era importante, que era a única que elas tinham e que elas deveriam vivê-la do jeito delas, seja lá qual fosse.

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Oferecíamos informação, e acredito que boa parte dessa informação era real e correta. Quando digo correta quero dizer que isso apresentava algo de valor, algo a que as pessoas pudessem se apegar e dizer, “É, talvez eu possa fazer algo da minha vida”. A coisa que queríamos ajudar as pessoas a entenderem era um senso de autonomia e autenticidade da alma humana individual. Assim como a alma é constantemente exigida na mídia, para ser minada com drogas, por dentro e por fora; mas no final, isso é a única coisa que realmente temos. Como personalidade, somos apenas uma série de declarações escolhidas em nossa jornada pela vida, e, infelizmente, isso se torna o que achamos que somos. Mas por baixo de tudo isso, temos algo com que nascemos, algo com que morremos, algo que existe além do tempo, que é nossa alma interna profunda. Acho que estou falando de um tipo de imortalidade. Para mim, o propósito da vida é se conectar com essa alma, porque quando nos juntamos a ela, nós nos tornamos parte do contínuo da vida. Se existimos como entidades separadas, como personalidades individuais, não há realidade na vida, nem continuidade além disso.

Há uma conexão entre todo mundo, e todos nós respiramos, comemos, dormimos e temos uma alma que permite que façamos isso. É tudo muito óbvio e natural. Esse é um ponto de partida, e era isso que estávamos (bom, pelo menos eu estava) tentando promover por meio do Crass. Sim, as letras do Crass tinham muito a ver com “a bomba” ou “o Estado”, mas o que nossa música estava dizendo era “veja além de tudo isso, onde você se encontra?”. Se você pode fazer isso, se você pode encontrar sua alma, você se conecta com toda a humanidade, com toda a vida.

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Todos nós nos existimos numa realidade de mentiras e traições cotidianas, e ninguém nunca vai conseguir achar um sentido nisso. É por isso que precisamos nos abrir para a ternura, o silêncio, a contemplação. Precisamos encontrar nossa própria alma dentro dessa bagunça. Deixamos que nos tornassem produtos, peões do mercado. A única maneira de sair disso é perceber que nossa personalidade, a própria coisa que achamos que somos, não é nada além de uma fantasia de ideias. Todos gostamos de pensar que somos alguém especial, então, dizemos as palavras certas, vestimos a coisa certa; mas tudo isso é apenas projeção, tudo irrelevante.

Mas fora isso, acredito que as pessoas querem se conectar. No fundo, elas estão cansadas de ser apenas uma ideia de si mesmas. É por isso que as pessoas procuram por mais, é por isso que elas fazem sexo, por isso que usam drogas, por isso cometem excessos. Elas provavelmente não vão encontrar a resposta dessa maneira, mas todas querem se conectar. As pessoas querem saber se estão vivas, mas vamos encarar a verdade, numa sociedade de consumo, isso não é trabalho fácil.

PENNY RIMBAUD

Os Maiores Sucessos da História do Crass!

UM DISQUINHO DE AMOR

Estávamos gravando um disco chamado

Penis Envy

 e a última faixa era “Lipstick On Your Penis”, baseada na velha canção “Lipstick On Your Collar”.

Penis Envy

era cantada pelas mulheres da banda, era um álbum muito feminista e “Lipstick” era sobre a instituição do casamento ser um pouco mais do que prostituição. Gravando a faixa, percebemos que isso quase com certeza levaria a um processo por direitos autorais, então decidimos reescrever completamente a faixa. Acabamos com uma coisa tão convincentemente sentimental que tivemos a ideia de tentar vender a música para uma revista de romance adolescente chamada

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Loving

. Era uma dessas revistas que vendem mentiras para as meninas, que colocam fantasias ridículas na cabeça delas, fantasias que elas não podiam, não podem e não poderão seguir. Revistas assim criam corações partidos, elas tiram os jovens de si mesmos, preparando-os para serem derrubados.

De qualquer maneira, ligamos para o escritório da

Loving

nos fazendo passar pela Creative Recordings and Sound Services (CRASS) e dizendo “Fizemos essa gravação e achamos que ela se encaixaria em sua publicação”. Eles caíram na conversa e disseram: “É ótima, fantástica. Vamos fazer uma edição especial para noivas. E se a gente fizesse um disco grátis?”. E foi exatamente isso que a música se tornou. Eles a batizaram de “Nosso Casamento” — e venderam como “você tem que tocar isso em seu casamento”. Eles engoliram anzol, linha e chumbada, mas a letra era a mais escrota e banal sobre a fantasia social do casamento, sabe, coisas como nunca mais olhar para outra garota ou cara depois disso. Era um lixo total, mas eles distribuíram isso junto com a revista. Agora, que tipo de amor é esse? Logo depois, um amigo da Fleet Street expôs o escândalo e o

The Star

deu a gloriosa manchete “A Mensagem de Amor da Banda de Ódio”. Acho que eles tiveram algumas demissões na

Loving

.

THATCHERGATE

Queríamos pensar em alguma coisa que nos livrasse da Thatcher. Isso foi logo depois da palhaçada das Malvinas, quando ela estava prestes a ser reeleita. Ficamos sabendo que uma pessoa que conhecíamos sabia de uma merda séria sobre o Império Thatcher. Supostamente, a Marinha Inglesa tinha permitido que o HMS Sheffield afundasse, não informando a eles que um míssil Exocet tinha sido pego no radar. Os outros três navios do grupo foram informados e tomaram ações defensivas. Por quê? Porque um dos navios era o Invincible, e o príncipe Andrew estava a bordo. Como a informação era sigilosa, decidimos que a única maneira de tornar isso público era forjando uma conversa entre Thatcher e Reagan. Editamos pedaços de discursos dos dois, criando um diálogo que incluía todos os detalhes do Sheffield. Depois mandamos a fita para todos os grandes jornais da Europa, e nada aconteceu. A Thatcher foi reeleita, mas seis meses depois, o Departamento de Estado norte-americano disse que tinha fitas da KGB “produzidas para destruir a democracia como conhecemos”. Logo, ficou óbvio que eram das nossas fitas que eles estavam falando. Foi assustador. Um bando de fanfarrões anarquistas começando uma guerra mundial? Bom, a mesma história da KGB chegou à imprensa britânica, e não demorou muito para que o

The Observer

entrar em contato conosco, perguntando se sabíamos de alguma coisa a respeito das fitas. A operação toda tinha sido feita em segredo absoluto, mas de algum jeito eles conseguiram rastrear e chegar na gente. Depois de um dia cansativo de negociações, concordamos em admitir a autoria, mas só se eles publicassem os detalhes do Sheffield no artigo. E eles cumpriram com a palavra. Fizemos o melhor possível para expôr a história, mas até hoje essa questão não foi realmente investigada.