Meus anos perdidos como um alcoólatra adolescente
Todas as imagens cortesia de Jakob Engberg Petersen.

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Meus anos perdidos como um alcoólatra adolescente

Durante os meus 20 anos, uma manhã de segunda típica para mim envolvia acordar numa poça de mijo, vômito e vodca.

Matéria originalmente publicada na VICE Dinamarca.

Quando eu tinha 25 anos, uma manhã de segunda-feira normal para mim envolvia acordar no chão do quarto de um apartamento escroto em Nordvest, nos subúrbios de Copenhague. Com as mãos tremendo, meu coração disparado e o rosto ensopado de suor. Eu me sentia vazio e envergonhado, mas a única coisa que eu conseguia imaginar para me sentir melhor era virar seis cervejas Harboe Bear e uma garrafa de vinho na faixa das £2 [10 reais]. Agora tenho 34, e posso olhar para os quase 20 anos de abuso de álcool que destruíram minha adolescência e começo da vida adulta.

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Tomei meu primeiro gole aos 12 anos e soube imediatamente que aquilo era a coisa certa para mim. Achei o gosto OK, mas curti especialmente o efeito no meu cérebro. E meus amigos se sentiam da mesma maneira. Nesse ponto, também estávamos sempre fumando maconha, andando de skate, pichando e comendo cogumelos. Crescendo como um bando de pivetes numa cidade pequena, era isso, futebol ou andar de moto. E a gente não curtia futebol ou motos.

Jakob Engberg Petersen durante uma bebedeira no começo dos anos 2000. Todas as imagens cortesia de Jakob Engberg Petersen.

Eu morava só com o meu pai desde os nove anos, e fiquei com ele até os 17. Nossa relação sempre foi mais de amigos curtindo junto do que pai e filho. Em vez de ter uma figura paterna propriamente dita na minha vida, eu tinha um amigo que me deixava beber o que eu quisesse, e que me apresentava ao mundo maravilhoso da maconha. Quando eu tinha 15 e mudei de escola, ele preparou meu lanche e colocou um punhado de brotos de cannabis junto como surpresa.

Jakob (esquerda) com amigos.

Levou alguns anos para alguém me dizer pela primeira vez que eu tinha um problema com a bebida. Eu tinha uns 18, 19 anos, e minha namorada insinuou sutilmente que eu deveria procurar algum tipo de ajuda. Eu não achava que isso era necessário na época, apesar de ter o hábito de começar o dia com quatro cervejas Tuborg no café da manhã, e consequentemente acabei expulso de algumas escolas. Um por um, os amigos com quem eu tinha começado a jornada começaram a se focar na escola e estágios. Eles desapareceram da minha vida, então me cerquei de pessoas parecidas comigo, ou seja, gente que não pensava duas vezes em secar uma garrafa de vodca genérica num noite de terça-feira. Mas eu fazia isso sem nenhum amigo presente também.

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Aos 17, mudei para Copenhague para começar de novo, mas claro que aconteceu o oposto. Tentei estudar um tema atrás do outro, mas só o que aumentava era minha dívida estudantil, que eu estourava ainda mais com bebidas e drogas. Minha mãe também tinha me ajudado com algum dinheiro e menti para ela sobre onde ele tinha ido parar. Ela sabia exatamente o que estava acontecendo, mas se sentia muito culpada por ter me deixado morar com meu pai quando eu era criança, então me dar dinheiro sem fazer perguntas era o jeito dela de compensar.

Meu pai morreu há alguns anos, mas ainda tenho raiva dele. Quanto mais velho fico, mais vejo como a influência dele na minha vida foi péssima. Meu senso de autopiedade sempre se deu excepcionalmente bem com a bebida.

"Beber era algo que eu fazia porque me sentia um merda."

No começo dos 20 anos, eu tomava de 50 a 60 drinques num dia de final de semana — cortando para a metade disso no meio da semana, para conseguir um pequeno nível de funcionalidade. Àquela altura, já estava bem claro que eu era alcoólatra, e eu estava passando por um tratamento pesado de Antabuse — uma droga que te impede de beber acrescentando efeitos colaterais escrotos quando você toma álcool. Para compensar, parti com tudo para o haxixe e pílulas. Mas se você quiser mesmo, dá para beber tomando Antabuse — e eu queria. Ele faz a cabeça inchar, causa taquicardia, náuseas, dificuldades para respirar, e manchas vermelhas e piniquentas na pele. Mas no final, o álcool subjuga o sistema nervoso a tal ponto que você não sente mais a reação alérgica.

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Sempre achei que eu só precisava de alguns meses de medicação e estaria pronto para beber com responsabilidade. Mas toda vez que eu terminava um tratamento, só piorava. A parte mais difícil foi realmente perceber e admitir para mim mesmo que o álcool estava além do meu controle. Eu tinha essa ideia falsa de que um dia aprenderia a regular meu consumo de álcool, mas só porque eu não tinha coragem de abordar o verdadeiro problema: Eu bebia porque me sentia um merda. Se para de uma vez, você precisa confrontar os demônios que estão na raiz do seu problema – e tem que fazer isso sóbrio.

Não estava em meu poder ficar sóbrio, mesmo que isso estivesse me custando caro em vários aspectos da vida. Tive três relacionamentos de longo prazo naquela época, todos estragados pela bebida. Quando estava com minha segunda namorada, eu tomava antidepressivos e os misturava com álcool, o que resultava num comportamento estranho de autoflagelação, que envolveu quebrar garrafas na cabeça e me dar um olho roxo na frente dela. E teve todas as vezes que ela chegou em casa e me encontrou caído no chão da sala, numa poça de mijo, vômito e vodca.

Quase morri duas vezes. Uma foi num festival de techno em que desmaiei e acordei no hospital. A outra foi durante um set do Jeff Mills num clube em Copenhague, onde tive uma overdose de GHB e muito goró. Meu coração parou e fui ressuscitado debaixo da chuva na frente do pessoal na fila para entrar. Acordei no Hospital Universitário de Copenhague no dia seguinte com eletrodos por todo o corpo. Lembro de ver a minha calça dentro de um saco plástico — por que eu aparentemente me mijei enquanto os paramédicos me reviviam na calçada. O médico me avisou, mas não adiantou: enchi a cara de novo naquela noite. Em ocasiões menos emocionantes, eu ficava sentado em casa com as cortinas fechadas, bebendo sozinho e chorando.

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Quando fiz 31, comecei um curso para fazer letreiros. Eu tinha passado seis ou sete anos entrando e saindo de tratamentos com Antabuse, mas quando minha namorada terminou comigo, tive uma recaída. Isso se chocou com o aprendizado: minha síndrome de abstinência era tão forte que eu não conseguia fazer o trabalho de precisão com o pincel. Eu adorava aquele trabalho e realmente queria terminar o curso, o que lentamente me fez perceber que eu realmente tinha vontade de viver. Eu sabia, lá no fundo, que tinha que parar com tudo e cortar todos os laços com o álcool. Tive uma sequência de recaídas entre os tratamentos com Antabuse e ainda fumava maconha todo dia, mas em agosto de 2013, procurei ajuda de vários grupos de apoio e larguei o álcool, a maconha e drogas pesadas inteiramente. Hoje, a droga mais potente que uso é a cafeína.

Jacob hoje. Foto por Sarah Buthmann.

Seria uma eufemismo chamar isso de ponto decisivo. A maioria das pessoas me conhecia como um fodido que geralmente era encontrado caído na rua, num coma induzido por álcool e drogas. Sinto que as pessoas que testemunharam essa época têm respeito pelo fato de que consegui me levantar. Claro, essas são as pessoas com quem não falo mais. Hoje tenho novos amigos, que bebem e usam drogas bem mais moderadamente. Posso sair com eles sem me sentir tentado a beber. E honestamente: me divirto tanto quanto antes quando saio, e geralmente sou a pessoa mais feliz e animada do lugar. Mas chegar aqui levou tempo. Um amigo próximo também parou de beber, e tem sido uma grande ajudar para me reintroduzir à vida noturna.

Não sinto falta de ficar bêbado. Me sinto melhor agora — espiritual, física e socialmente. Hoje, clareza é de longe a sensação mais recompensadora para mim. Não posso prometer que não vai chegar um dia — depois que eu trouxer alguns filhos para este mundo e tiver uma barba branca — quando vou fumar um beck escondido no meu quartinho de ferramentas. Mas acredito firmemente que nunca vou beber de novo.

Jakob Engberg Petersen abriu seu próprio negócio de letreiros, o Copenhagen Signs.

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