Relembrando o maior capista de LPs de dancehall

FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Relembrando o maior capista de LPs de dancehall

Falamos com os caras que compilaram em livro o trabalho do lendário cartunista jamaicano Wilfred Limonious.

LP 'Animal Party' de Papa San (Scar Face Music, 1986).

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.

Poucos artistas dão uma ideia tão completa de uma determinada cena musical como o jamaicano Wilfred Limonious. Ratos rudeboys dançando embaixo de um sistema de som e um burro de desenho animado acelerando em direção ao pôr do sol numa moto. Quando você conhece o estilo próprio de Limonious, é impossível não identificar as muitas capas de LP de dancehall que ele fez em sua carreira.

Publicidade

Mas apesar de Limonious ter criado algumas das capas de discos de reggae e dancehall mais memoráveis de todos os tempos — e inspirado sozinho toda a estética do Major Lazer — depois de sua morte em 1999, seu nome andava ausente de retrospectivas e diálogos sobre outros artistas seminais do mundo da música, como Reid Miles, Derek Riggs ou Storm Thorgerson.

Isso até Christopher Bateman, um cara do Canadá, e Al "Fingers" Newman, um DJ e historiador cultural de Londres, se juntarem para prestar uma homenagem ao maior ilustrador musical da Jamaica. Depois de várias viagens para se encontrar com amigos e contatos de Limonious, a dupla criou o livro In Fine Style, a primeira compilação do vasto portfólio do artista. Falei com eles sobre como essa história começou.

LP 'Original Stalag 17-18 And 19', Vários Artistas (Techniques, 1985).

VICE: Qual foi sua primeira capa do Limonious?
Christopher Bateman: Uma das minhas primeiras aquisições dele foi o LP Original Stalag 17-18 And 19. Eu tive que comprar o disco só pela capa.

Al "Fingers" Newman: Para mim também foi o LP Stalag. Essa é uma das capas mais conhecidas do Limonious: o cenário é uma prisão transformada em dancehall, com os detentos dançando com os guardas e dois ratos se pegando no canto. Um dos ratos está pedindo o outro em casamento. Os comentários nos desenhos são clássicos Limonious: "Bubble under it bredah rat", "A dem rat yah nyam up man ina prison" e "This rat tail will bore coconut". Eu casco o bico toda vez que leio.

Publicidade

Como a carreira de Limonious começou?
AN: Quando era criança, ele desenhava nas paredes e portas da casa da família dele, depois passou para a lousa do Montego Bay Technical Institute, até o pai dele tirar ele de lá e o matricular na Escola de Artes da Jamaica.

Limounious era um cara ocupado. Ele era cartunista, designer de marcas, lançou dois singles próprios … com quem mais ele trabalhou?
CB: Muitos artistas… Michael Palmer, Frankie Paul, Jah Thomas, Eartly B., o selo Ujama de Prince Jazzbo, Yellowman, Sugar Minott, o selo Dennis Star International de Denis Star, o selo do Studio One de Coxsone Dodds, Little John…

AN: Leroy Smart, Barrington Levy, Prince Jammy, Ossie Thomas, Tippa Lee e Rappa Robert, o selo Techniques de Winston Riley… e a lista vai embora.

Como ele conseguia?
AN: Limonious desenhava muito rápido. Se você estava subindo a ladeira para ir até a casa dele, ele já estava com um retrato te esperando quando você chegasse na porta. A mesma coisa quando ele estava fazendo capas de disco. Quase sempre ele recebia o conceito do produtor de manhã e entregava a capa pronta no mesmo dia.

Os personagens dele se tornaram sua principal marca registrada.
AN: São várias marcas únicas dele. A tipografia e as letras de assinatura que ele criou e desenvolveu, o jeito como ele usava pontos e xadrez, e as cores fortes, tipo 100% amarelo, 100% magenta, etc. Mas em termos de personagens, Limounious era um mestre da forma humana. O trabalho dele tinha muito sabor. A facilidade e fluidez com que ele desenhava personagens era incomparável.

Publicidade

CB: As capas de Limonious acabaram se tornando a marca de álbuns incríveis. Muita gente comprava os discos só pela capa. O ângulo de coisas como cotovelos e joelhos, ou os lábios dos personagens de Limonious, era um negócio realista e impossível ao mesmo tempo, algo que nenhum outro artista estava fazendo. Ele estava em outro nível.

Ele também era um mestre das bundas.
AN: Há! Limounious adorava desenhar mulheres curvilíneas! Tem uma frase no livro do designer jamaicano Jethro "Paco" Dennis, dizendo que quando os artistas no estúdio pediam uma capa com mulheres "bundudas", eles diziam: "não cara, esse trabalho vai direto pro Limonious."

Dá para notar os personagens deles em vários LPs.
CB: Com certeza. Ele usava muitos personagens recorrentes, alguns fictícios, algumas caricaturas baseadas em gente que ele conhecia. Isso não só fortalecia a marca, mas acrescentava a esse universo que ele estava criando onde você vê os mesmos personagens de um disco para o outro. Tipo, os ratos ou o macaco de cara feia com os braços cruzados que aparece como "Scar Face" na parte de trás do disco Reggae Invasion ou "King Don" atrás do LP Bring the Sensi Come de Johnny Osboune. Ele é o meu favorito.

AN: Esse cara também está na contracapa do LP Line Up and Come do U-Roy, acho. Os ratos são de longe meus favoritos.

LP 'Shut Up Bway' de Frankie Paul (Ujama, 1988).

O que mais surpreendeu vocês durante a pesquisa do trabalho dele?
AN: O que me fascinou é que apesar de sua arte geralmente ser chamativa e ultrajante, as pessoas que conheceram ele o descrevem como um homem discreto e sensível, que não gostava de falar muito.

Publicidade

CB: A maior surpresa para mim foi conhecer seu trabalho como cartunista. Ele publicou seu primeiro trabalho em 1970 para o The Star, numa seção de quadrinhos chamada "Ria Conosco". Depois, nos anos 80 e começo dos 90, ele desenhou "Chicken", sua tira mais popular; "Shane and Shawn", que apresentava os dois filhos dele; e "Earth Runnings", que literalmente acabamos de descobrir — um quadrinho onde ele desenhava amigos, produtores e artistas da indústria.

Sendo tão notório, como o nome dele continua tão pouco conhecido?
AN: Antes que o nome dele se espalhasse e os artistas fossem direto a Limonious para pedir capas, o anonimato dele era porque muitos produtores na Jamaica da época queriam exclusividade. Os primeiros discos de Limonious ficaram tão populares que os produtores mantiveram a identidade dele em segredo, assim você tinha que passar por eles para chegar ao trabalho de Limonious.

Numa escala internacional, é verdade que o nome Wilfred Limonious é praticamente desconhecido, principalmente no mundo da arte. O que é inacreditável quando você pensa como outros designers de gêneros como jazz e rock foram celebrados. Felizmente, acho que isso está mudando, e as galerias e instituições começaram a reconhecer a importância dessa arte e da cultura em geral.

Foi difícil rastrear as obras para o livro?
CB: Conheci o trabalho de Limonious quando estava numa turnê com uma banda de ska e reggae em que eu tocava. Eu estava colecionando um monte de LPs de reggae e comecei a topar com várias capas dele. Eu não conseguia acreditar que ninguém tinha feito um livro sobre o talento dele e o jeito como ele conseguia criar essas cenas vibrantes. Acabei ficando tão interessado que me vi estudando a possibilidade de compilar o livro sozinho. Eu nunca tinha publicado um livro, nunca tinha sido curador; só curti demais o trabalho de Limonious.

Publicidade

Mandei um monte de e-mails tentando encontrar qualquer um que tivesse conhecido Limonious. Acabei entrando em contato com Orville "Bagga" Case, um designer contemporâneo dele, e Jeremy do Deadly Dragon Sound System, em Nova York. Eles me deram o maior apoio e vários nomes de pessoas com quem eu devia falar, então comprei uma passagem para a Jamaica e fui investigar pessoalmente.

AN: O material para o livro veio de colecionadores do mundo inteiro — alguns mais difíceis de achar e fotografar que outros. Nos últimos anos, entramos em contato com um colecionador no Japão que tinha muitos dos últimos trabalhos de Limonious, que são bem diferentes das outras coisas dele.

Minhas obras favoritas são esses trabalhos superraros da coleção do Deadly Dragon. Ilustrações originais e guias de cores nos encartes de LPs que mostravam o método de trabalho de Limonious — o que ele submetia para imprimir, as instruções à mão discutindo as cores, etc. Mas realmente acredito que tem muito mais coisa dele esperando para ver a luz do dia, e talvez mais músicas também. Então acho que a busca continua.

Encomende 'In Fine Style' aqui.

@TracyKawalik

Tradução: Marina Schnoor

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.