Como uma família espanhola mantém acesa a chama da festa por mais de um século

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Como uma família espanhola mantém acesa a chama da festa por mais de um século

Desde 1870, o clã Arnau é responsável pelos melhores rolês da Europa e são eles que mantém a tradição da festa Elrow.

Qual é a sua filosofia de vida? Qual é o axioma banal que você já ouviu tantas vezes pronunciado que passou a acreditar nele por osmose? Viva o agora, não cuspa no prato em que comeu, nunca vá pra cama com quem você divide o aluguel – esse tipo de coisa. Esse tipo de filosofia. Uma filosofia nível sub-Alain de Botton.

Mas e se sua atitude na vida fosse mais hedonista? E se o princípio que guia suas ações tivesse mais a ver com curtir a vida do que com não esquecer de tirar as meias antes de dormir? E se a sua máxima fosse apenas: "Dançar e ser feliz"? Bom, aí você provavelmente seria parte da família Arnau, a galera intergeracional responsável pela Elrow, os mundialmente infames anfitriões de festas.

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A questão é a seguinte: como é que você faz para transformar essa filosofia em uma festa que tem na prática um rebanho de fiéis? Se tem alguém que sabe como fazer isso, é a própria família Arnau, e eles passaram muito, muito tempo pensando no assunto. Não apenas seis anos, ou seis décadas, mas seis gerações. Eles essencialmente vêm organizando festas sensacionais desde 1870. Muito antes do Serato, antes do vinil, antes do gramofone. A história da família parece um romance de Gabriel Garcia Marquez, com as noites de esbórnia no lugar das violentas revoluções políticas. Há também aquele importantíssimo quê de realismo mágico no ponche de frutas.

A história começa em Fraga, uma cidade rural no norte da Espanha. Jose Satorres havia se cansado do negócio da família — a agricultura — e abriu um café na propriedade Monegro. O café se transformou em um clube social conhecido como Cafe Josepet, um lugar famoso em que os fazendeiros podiam trocar um lero sobre as colheitas e outros assuntos parecidos. Durante o século seguinte a propriedade passou por seus altos e baixos — aconteceram duas guerras mundiais e muitos casamentos, e ela foi perdida e recuperada em partidas de baralho. Hoje, o Cafe Josepet é o Club Florida 135. As coisas não mudaram muito nos 146 anos que se passaram — exceto pelo interior, que ganhou uma vibe toda Blade Runner.

De qualquer modo, esse é só um resumo da história. Mas eu sou mais Andrew W.K. do que Andrew Roberts, e quando fui ver, já tinha sido enviado ao quartel-general da Elrow, em Barcelona, para conversar com a família sobre o que mantém a chama deles acesa depois de tantos anos.

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Embora eu nunca tivesse ido a uma festa Elrow antes, já ouvira histórias sobre infláveis de neon e óculos de sol, histórias sobre o tipo de festa que tem um custo de produção tal que faz a sua noite normal passada num dos porões da Kingsland Road parecer… bem, uma noite normal num porão da Kingsland Road. Elas pareciam mais o tipo de evento que exige uma dedicação total e absoluta. Conhecer as atuais encarnações da família Arnau não contribuiu em nada para acabar com essas suspeitas.

"Nós não temos hobbies. Temos essa vida", diz Juan Arnau com simplicidade.

"Não sei nada de futebol, não sei nada de carros, não conheço coisa alguma exceto esse negócio aqui", interrompe o Juan pai.

E parece que eles sabem muita coisa. Depois de contar em detalhes para mim a história da família, Juan pai me relatou muitos casos de raves dos velhos tempos. Raves na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha e na Itália, na época em que Laurent Garnier tinha apenas 18 anos e em que tudo era ilegal, e acontecia em galpões imensos. O homem deve ter visto de tudo. Então eu quis saber: qual é o segredo de organizar a festa perfeita?

"As pessoas têm que dançar. Enquanto elas dançam, estão felizes; quando param de dançar, se entediam. É simples assim. As pessoas não querem ficar paradas, elas querem dançar", diz ele, batendo de leve as palmas das mãos na mesa à sua frente para enfatizar cada uma das palavras.

Isso parece bem simples, mas então como é que a Elrow faz para garantir que as pessoas estejam sempre dançando e sempre felizes? Parece uma tarefa descomplicada, mas muitos promoters de boates podem lhe assegurar que não, muito pelo contrário.

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"O essencial da coisa toda é que as pessoas são a festa. A música é importante, claro, mas o DJ não é a festa, as pessoas é que são. Não queremos ser os mais underground, ou os mais cool, trazendo os nomes mais famosos ou coisa parecida. Os DJs que trazemos, trazemos por saber que vão tocar música boa", Juan Jr. diz. Ele acrescenta: "A coisa mais importante é que as pessoas se divirtam. Meu avô sempre me disse: Juan, as pessoas estão pagando, então elas têm que se divertir."

"Para mim, quando o DJ fica olhando para os próprios aparelhos, é um DJ ruim. Quando olha para frente, quando observa o público? Aí o DJ é excelente", Juan pai enfatiza.

Os dois são uma dupla apaixonada, cujos diálogos são constantemente salpicados por referências às palavras "diversão", "dança" e "felicidade" — pinceladas de emoção genuína que atravessam a tela da conversa entre os dois. Festa, para eles, é um negócio sério, e é preciso partir do princípio de que foi essa atitude proativa dos dois que manteve a chama da família acesa por mais de um século. Não pude deixar de perguntar, contudo, se eles chegaram a ser influenciados por outras festas, outras organizações.

"Se você precisa copiar de alguém, nesse negócio é difícil", explica Juan Jr. "Não gostamos de copiar, porque é preciso estar sempre um passo à frente dos nossos concorrentes."

Parecia que a vibe de um playground para adultos — confete, coisas infláveis, piscinas de bolinhas — era uma estética bastante difundida hoje em dia. Será que os Arnau sentiam que a competição talvez, quem sabe, estava diluindo o diferencial da marca deles?

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"O que a gente faz é uma coisa tão complicada que eles jamais conseguiriam imitar. Temos uma equipe que trabalha em tempo integral em um galpão perto da cidade, criando as nossas fantasias, decorações, itens infláveis, tudo", reage Júnior.

"Fazemos tudo nós mesmos, tudo", acrescenta o pai.

Tinha uma história específica que me contaram, que correspondia lindamente ao nível de dedicação e atenção aos detalhes que pai e filho enfatizavam. Antes do primeiro show promovido por eles na Inglaterra, contrataram o confete de uma empresa local. O confete não satisfazia as condições da Elrow, e eles então mandaram vir da Espanha a marca de confetes em que confiavam. Depois de passar um tempo com os Arnau, você entende. Se até mesmo detalhes menores como o confete são tratados com essa reverência, como eles fazem para manter a viabilidade financeira? Juan Jr. explica:

"Estamos dizendo não a muitos promoters em todo o mundo no momento, porque não estamos prontos ainda. Báli, Austrália, China, dizemos não a todos eles nesse momento. Teve gente na Espanha que nos ofereceu 200 mil euros e nós recusamos. E recusar não é fácil. Inclusive hoje em dia nós perdemos dinheiro com certos eventos que promovemos na Inglaterra."

"Não ligamos para o dinheiro. Só o que queremos é deixar todo mundo feliz, incluindo meu filho, minha filha, minha esposa, e todo mundo da equipe, assim como os clientes também", declara com orgulho Juan pai.

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"Mas gostamos de investir, porque quando os outros veem o que fazemos, sempre querem mais. Estamos pensando no panorama mais amplo. Se você quiser se manter em atividade por um século, então é preciso pensar primeiro na ideia, e depois o dinheiro virá", conclui Júnior.

É uma ideia nobre, e embora eu não esteja dizendo que a família nunca chegue a pensar sobre o aspecto financeiro da sua atividade, é algo extremamente animador, nessa época de eventos que queimam e se apagam rápido como um fogo de artifício, ouvir gente falando com tanta devoção sobre o simples desejo de organizar uma festa foda pra caralho.

Durante o tempo que passei com a família, a palavra "amanhã" volta e meia era mencionada. Fui informado de que veria tudo amanhã, e que eu tinha que estar descansado para a festa. E eles provavelmente tinham razão, mas eu era um jovem em Barcelona, sedento pela cerveja gelada e fresquinha do velho continente, e com vontade de sair por aí, então, como um adolescente de sitcom fugindo pela janela do quarto, eu vazei e fui a uma apresentação do Villalobos.

Apesar de estar com a cabeça um pouco doída, acordei com a animação de uma criança na manhã de Natal, pronta para desembrulhar um Super Nintendo. Só que o Super Nintendo era uma rave. E a manhã de Natal era o último domingo da semana Off Sonar. O mais importante é que eu estava muito, muito empolgado. Fiquei com a sensação de que a conversa com os Arnau fora tipo um sermão do técnico antes de uma partida decisiva, e na hora em que cheguei à Row14 e fui recebido na entrada por Juan pai — ele ainda fica na porta de todas as festas que promove. E eu estava pronto para fazer tudo e qualquer coisa.

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E, caralho, havia muito tudo e qualquer coisa para fazer. Enquanto eu atravessava o empoeirado terreno, vi uma super boate, mas com algo de muito especial lá dentro, tipo geleia num donut gigante. Consegui me virar mais ou menos num jogo de Twister, ganhei uma dose gratuita num jogo de girar a roleta, tomei um banho de confete, dancei com um ator que vendia donuts decorativos gigantes (os donuts de novo!) e comprei um chapéu neon cor-de-rosa coberto de smiley faces, usando as cédulas da Elrow, que são parecidas com o dinheiro de verdade, exceto que você o usa para comprar óculos de sol esdrúxulos em vez de tesouras de cortar unha e suplementos vitamínicos. Aquilo ali era o caos. Um lindo caos.

Cheguei perto de sofrer uma sobrecarga sensorial. O choque das cores em display era quase intolerável. Fantasias de super-heróis e máscaras tribais abundavam, tudo era motivo para arco-íris de confete, os braços ficavam sempre para o alto e, exatamente como me haviam dito os Arnau, todo mundo estava dançando. Eu nunca tinha visto um público tão imenso — éramos mais ou menos quatro mil ali na festa — demonstrar tanta energia do início ao fim. Foi uma coisa implacável, exaustiva, mas era verdadeiramente incrível fazer parte daquilo.

Aquele era o tipo de festa em que as atrações principais não eram a única coisa que importava. Exceto por Art Department, De La Swing e Subb-an, eu praticamente não fazia ideia de quem se apresentaria ou quando. Não tinha importância: eu só parava de dar socos no ar quando ia beber uma cerveja ou dar uma mijada. Como prometido, eu talvez não tenha ouvido muitos dos DJs, e talvez tenha acabado nem prestando atenção em quem estava tocando, mas eu estava sempre em movimento, sempre curtindo tudo o que estava tocando. Aquilo lá era diversão pura, instintiva.

Em "Weak Become Heroes", Mike Skinner diz que as raves são onde "mad little events happen" ["rolam pequenas paradas insanas"] e é exatamente isso o que acontece na Elrow. Desde o momento em que atravessei a porta de entrada até o instante em que fui embora, não parei de sorrir nem por um minuto; raios de luz vazaram do meu rosto do começo ao fim. Tipo, eu me casei, caralho. Sim, minha esposa Elrow tinha um namorado firme, e eu não sei se o padre era padre mesmo, porque ele só falava espanhol, mas tenho os papéis para provar, foi uma coisa oficial. Assinados pelo próprio povo da Elrow. Sou um cara casado agora.

Os Arnau criaram sua própria marca de realismo mágico. Eles criaram pequenos mundos de insanidade eufórica, lugares e espaços em que o tempo é elástico. Quando fui embora — depois de ganhar abraços de toda a família — me sentia um pouco desolado. Já estive em incontáveis raves ao longo dos anos, mas aquela ali estava no topo, entre as melhores das melhores. Acho que agora tenho uma nova filosofia de vida.

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Tradução: Márcio Stockler

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