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Tecnologia

Brasileiros estão compartilhando mais crimes cibernéticos e denunciando menos

Enquanto os discursos de ódio explodem na rede, muitos preferem reverberar o conteúdo do que encaminhar às entidades responsáveis.

No ano passado, foram feitas 115.645 mil denúncias referentes a 39.440 sites de crimes cibernéticos no Brasil. Os dados, compiladores pela SaferNet, incluem as queixas registradas pela própria ONG, assim como pela Polícia Federal e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O número é o mais baixo desde que o monitoramento começou a ser feito em 2006, mas como a internet é esse lugarzinho lindo que conhecemos bem, o que poderia ser uma boa notícia é um sinal gigante de alerta.

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O tipo de conteúdo mais reportado foi pornografia infantil, 56.924 ante 43.182 em 2011. No entanto, as denúncias ligadas ao discurso de ódio, seja ele neonazista, homofóbico, xenofóbico, de intolerância religiosa ou de incitação contra a vida, diminuíram como um todo. O problema é que isso não reflete a realidade. Uma análise feita pela equipe da SaferNet mostra aquilo que quem passa muito tempo conectado sabe de cor: na verdade, a presença de material ofensivo do tipo tem aumentado nos últimos anos.

"As denúncias atingem apenas a ponta do iceberg desse universo", disse o diretor-presidente da ONG, Thiago Tavares, durante o Dia Internacional da Internet Segura na semana passada, quando os números foram apresentados. Para exemplificar seu ponto, Thiago chamou atenção para conteúdo ligado ao neonazismo, denunciado 704 vezes no passado contra 1.283 no anterior. "É uma queda substancial de notificações, mas o que vemos na prática é o contrário disso, um crescimento sistemático do discurso de ódio. Nossa hipótese é que o que antes era denunciado passou a ser compartilhado", explicou.

É um fenômeno que vai além do Brasil, claro. No mundo todo, a extrema-direita vive um boom de popularidade com a defesa de ideias ligadas à exclusão de imigrantes e ao conservadorismo social. Por aqui, quem não acha que ladrão de galinha deve ser espancado até a morte é taxado como "povo dos direitos humanos" - como se defender princípios básicos de respeito ao próximo fosse, isso sim, uma ofensa aos cidadãos de bem.

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 "O comportamento online dos jovens no Brasil e na Europa é semelhante, mas aqui o índice de pais que não utilizam a internet é muito maior que lá"

Esse cenário fica mais claro quando se analisa os sites que tiverem conteúdos denunciados. No geral, o Facebook lidera com 34,6% das menções, mas quando se leva em conta apenas o discurso de ódio, esse valor supera os 40% para qualquer termo. No caso do neonazismo em específico, 51% das queixas vieram da rede social preferida pela família brasileira.

E o Facebook não está sozinho: Twitter e o Youtube também estão no topo dos endereços onde rola mais treta. Para ser justo com os sites, no entanto, vale ressaltar que todos lideram as listas correspondentes de conteúdos deletados. Ao todo, das mais de 39 mil páginas denunciados, 11.972 foram retiradas do ar. É menos de um terço, e uma das razões para isso é que os endereços estão hospedados em 61 países diferentes.

Entre os sites denunciados, 28,9% são classificados como 'outros'. Dentro desse percentual, há uma presença considerável de chans, um tipo de fórum anônimo de difícil navegação para não é iniciado, cujo expoente mais famoso é o 4chan. Além da navegabilidade confusa, eles tendem a surgir, desaparecer e se multiplicar com muita rapidez. São espaços livres de discussão e com temas bem variados, onde é tão fácil encontrar uma molecada deslocada tirando dúvidas comuns sobre adolescência quanto gente se referindo a mulheres como "depósitos de porra" e muçulmanos como "areianegra" (uma tradução bem literal de "sandnigger", usado nos equivalente gringos), só para dar dois exemplos - aqui tem vários outros, prepare o estômago.

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Investigar chans em específico, explica Thiago, é um desafio. "Além de serem anônimos, o que por si só não é um problema, eles são muito efêmeros e os trâmites para utilizar os acordos de cooperação entre países que facilitariam esse tipo de investigação são muito lentos", conta ele, que ressalta que o sistema da SaferNet registra prints e metadados de todas as páginas reportadas.

Na quinta, a SaferNet firmou uma parceria com o Ministério Público Federal de compartilhamento de dados e cooperação na investigação de casos de cibercrime no Brasil.

Mais do que punir, o desafio de quem trabalha com segurança na internet é a educação velha de guerra, principalmente quando se considera crianças e adolescentes. Também dentro da programação do Dia Internacional da Internet Segura, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.Br) lançou uma série de cartilhas e materiais educativos no intuito de dar a letra para a juventude ficar mais esperta na internet, tanto no sentido de se proteger de riscos mil, quanto de não enveredar pelo lado negro da coisa.

Na ocasião, enquanto falava sobre dados a respeito do uso de tecnologias de informação e comunicação por quem tem entre 9 e 17 anos, o gerente do Cetic.Br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do NIC.Br) Alexandre Barbosa destacou um ponto que ajuda a entender como é fácil para quem está nessa faixa etária cometer umas bobagens maiores do que já fariam na vida real. "O comportamento online dos jovens no Brasil e na Europa é semelhante, mas aqui o índice de pais que não utilizam a internet é muito maior que lá", afirmou Alexandre. "Então há uma dificuldade em orientar os filhos sobre um universo que não compreendem."

Todos os indicadores sobre denúncias de crimes cibernético estão disponíveis online. Na página, é possível navegar por ano, conteúdo denunciado, idioma, país onde a página era hospedada e por aí vai. As denúncias podem ser feitas de forma anônima na SafeNet, e a ONG também conta com canal de atendimento e suporte para vítimas.