Como acessar à internet do topo do Everest
Everest e Lhotse. Créditos: Daniel Oberhaus

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Tecnologia

Como acessar à internet do topo do Everest

Uma jornada até o acampamento-base do pico mais alto do mundo para sacar como a tecnologia está afetando todos que passam por ali.

Manhã de 10 de maio. Eu estava em uma casa de chá em Dingboche, vila remota do Nepal, a dois dias de caminhada do acampamento-base do Monte Everest, sorvendo café, assistindo ao sol nascer por trás dos picos himalaias cobertos de neve e acompanhando o feed do Facebook por meio da rede de wi-fi Everest Link.

O meu guia, Bishnu, conferiu a previsão do tempo em seu smartphone. Embora não houvesse uma nuvem no céu, ele comentou que nevaria mais tarde. Fiquei incrédulo, mas ele disse que seria melhor partir logo ou não sairíamos dali tão cedo.

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Nosso próximo destino não pegaria a Everest Link, Bishnu me avisou, enquanto abarrotávamos as nossas tralhas nas mochilas. Enviei algumas mensagens aos amigos no WhatsApp para informar que ficaria incomunicável uns dias e desliguei o telefone. Eu só carregaria a bateria dele de novo no acampamento-base, à sombra da montanha mais alta do mundo.

This is a tweet from Everest base camp.

Daniel15 de maio de 2016

Este tweet foi enviado do acampamento-base do Everest.

***

Na escuridão da madrugada, no dia 10 de maio de 1996, um grupo de 36 alpinistas deixou o Acampamento IV, a última grande parada antes do pico do Monte Everest. Os membros dessas equipes de expedição estavam nas mãos de dois montanhistas capacitados e renomados, Rob Hall e Scott Fischer.

No fim do dia, a maioria dos membros das equipes Hall e Fischer alcançaram o topo do mundo. Mas, no caminho de volta, foram surpreendidos por uma nevasca. Quando a tempestade passou, oito membros da expedição estavam desaparecidos ou foram declarados mortos, incluindo Hall e Fischer. Foi o dia mais fatal da história da montanha até então.

Monumento a Scott Fischer em um cemitério dedicado aos alpinistas levados pelo Everest. Créditos: Daniel Oberhaus

Exatamente 20 anos depois, Bishnu e eu chegamos ao topo de uma colina e adentramos uma clareira repleta de monumentos rochosos e bandeiras tibetanas de oração — um memorial às centenas de montanhistas levados pelo Everest. Enquanto descansávamos, um grupo de montanhistas se aproximou da colina, todos eles com câmeras DSLR penduradas no pescoço. Tiraram selfies com seus iPhones e discutiram em voz alta que filtros de Instagram capturariam melhor a atmosfera local.

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Comecei a refletir sobre a relutância em se desconectar. A incapacidade de largar o mundo digital mesmo em uma das regiões mais remotas do planeta me sufocou e, de certa forma, fez o cemitério do Himalaia parecer menos real. Contudo, quando começou a cair uma nevezinha — exatamente conforme o aplicativo de Bishnu havia previsto —, me perguntei se Fischer e seus colegas não teriam sobrevivido com acesso às tecnologias de hoje em 1996.

EVEREST ANALÓGICO

Em 1953, Edmund Hillary e Tenzing Norgay foram as primeiras pessoas a subir o Monte Everest.

Na época, e nas décadas seguintes, a comunicação era pouco sofisticada, claro. Corredores nepaleses transmitiam as mensagens em mãos entre o Himalaia e Catmandu, a capital do Nepal, jornada de 65 quilômetros em terreno acidentado. Era comum esperar duas semanas por uma resposta.

Na própria montanha, as expedições usavam rádios para se comunicar. A equipe de Hillary estava usando um aparelho de rádio de 2,5 quilos, uma baita de uma geringonça para alpinistas acostumados com 10 ou 15 quilos nas costas. Até hoje, o rádio é o principal método de comunicação entre os alpinistas, embora os aparelhos já sejam pequenos o bastante para caber no bolso e suportar as condições climáticas extremas da montanha.

"Acho que a tecnologia não mudou muito o montanhismo até 1996, até porque simplesmente não havia tecnologia."

No meio dos anos 90, os telefones por satélite conectaram os montanhistas do Everest com o mundo lá fora pela primeira vez. Não sei se vocês se lembram de como eram os telefones celulares por satélite dos anos 90, mas descrevê-los como "móveis" soaria como um eufemismo humorístico, no mínimo. Um bom exemplo é o modelo Inmarsat Mini-M, uma revolução em tecnologia de telefonia por satélite na época em que foi lançado, no início dos anos 90, que era do tamanho de um laptop.

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Mike Trueman, alpinista profissional do Reino Unido, relembra os dias analógicos do Everest. Ele iniciou a carreira como montanhista no exército britânico, nos anos 60, e passou a treinar seus companheiros em sobrevivência nas montanhas mais traiçoeiras do mundo. Aprimorou suas habilidades ao passar 20 anos trabalhando no Himalaia, como oficial em Gurkha, a unidade nepalesa do exército britânico cujo lema é "Melhor morrer do que ser covarde" e que hoje gere uma companhia juvenil de expedições fora do Reino Unido.

Apesar de décadas trabalhando e escalando sob a sombra do Everest, Trueman só foi enfrentar a subida da montanha na primavera de 1996. Dez de maio, nove dias após seu 44o aniversário, ele estava descansando no acampamento-base quando chegaram as notícias via rádio, relatando que as equipes de Hall e Scott Fischer haviam enfrentado problemas sérios na descida da montanha. Embora Trueman estivesse no acampamento-base como alpinista autônomo, pediram que usasse sua expertise militar para coordenar as tentativas de resgate no Acampamento II, a segunda das quatro paradas de descanso que demarcam a rota para o topo do Everest.

Um carregador deixa o acampamento-base do Everest. Créditos: Daniel Oberhaus

O conhecimento de Trueman foi determinante no resgate dos sobreviventes das expedições de Hall e Fischer, e por sorte ele tinha um telefone por satélite, apesar do trambolho.

"Em '96, os telefones celulares por satélite estavam começando a fazer parte das expedições de alpinismo", disse Trueman. "Pelo menos 50 por cento das grandes equipes usaram os telefones por satélite pela primeira vez no Everest naquele ano. As equipes de Scott Fischer e Rob Hall tinham um esquema de comunicação excelente para a época — o melhor da montanha — e isso nos permitiu conversar com o pessoal durante o resgate."

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Segundo Trueman, 1996 foi um ano esquisito para o Everest não só por conta da tragédia de Hall e Fischer, mas também porque foi a primeira vez que deu para sentir a influência da tecnologia digital na montanha. Para Trueman, o motivo disso é óbvio: "Acho que a tecnologia não mudou muito o montanhismo até 1996, até porque simplesmente não havia tecnologia."

Com o telefone por satélite, os alpinistas tiveram acesso a previsões do tempo para a montanha pela primeira vez. Mas mesmo esse avanço aparentemente revolucionário era limitado pela ciência.

"Os boletins meteorológicos eram tão imprecisos, que volta e meia brincávamos e dizíamos que estavam nos enviando as previsões para outra montanha", contou Trueman. "Embora receber boletins meterológicos no próprio acampamento-base fosse uma novidade em montanhismo, não fez tanta diferença porque ninguém botava muita fé neles."

Em muitos aspectos, ter acesso a previsões falhas era mais perigoso do que não ter informações. Poderia passar um falso senso de segurança para as equipes expedicionárias, que caso contrário seriam mais precavidas, ou poderia fazer com que simplesmente ignorassem boletins meteorológicos com base em um histórico de imprecisões.

Nesse sentido, as expedições de Hall e Fischer servem de exemplo instrutivo. O boletim meteorológico que receberam previa uma grande tempestade, que se formaria no dia 8 de maio e atingiria força máxima dia 11. Vislumbrando uma brecha no tempo, optaram por seguir no embalo até o topo, mas na hora de descer esbarraram com a tempestade em potência máxima.

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Nos últimos dez anos, a montanha testemunhou a chegada de serviços de celular e wi-fi. A meteorologia também melhorou bastante desde então. Hoje helicópteros conseguem pousar no topo, sistemas de oxigênio ficaram tão eficazes, que atéoctogenários encaram a montanha, e dispositivos GPS transmitem a localização do alipinista em tempo real nas redes sociais.

Os efeitos dessas inovações tecnológicas têm sido amplos, mas ambíguos. Salvaram inúmeras vidas, mas também deixaram a montanha tão acessível, que já houve casos de congestionamentos letais no topo.

Uma coisa, contudo, ficou clara: o Everest virou high-tech, e não há volta.

E-VEREST

A rede de wi-fi Everest Link, que usei para navegar no Facebook em Dingboche, é um oferecimento de uma empresa nepalesa homônima, fundada pelo empreendedor de TI Tsering Gylatsen em 2012.

As raízes da empresa de Gylatsen em "internet extrema" remontam a 2001, quando ele e um grupo de jovens empreendedores nepaleses abriram uma empresa provedora de internet chamada Namche Technical Support, com o objetivo de finalmente trazer a internet à região do Everest.

Em 2003, atingiram a meta e lançaram o primeiro "cyber café" do acampamento-base — uma barraca de 20 metros quadrados lotada de laptops com internet por satélite. Os alpinistas pagavam um preço salgado — 2.500 dólares — para acessar a internet durante a expedição, ou apelavam para pequenas parcelas de um dólar por minuto.

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Créditos: Sarah MacReading/Motherboard

O café não durou muito, no entanto. O levante maoísta que instigou uma guerra civil de seis anos no Nepal explodiu a única torre de microondas que conectava a região ao resto do mundo em 2001. Em 2004, disse Gylatsen, os maoístas começaram a hostilizar a Namche Technical Support, e a empresa cessou suas operações no Everest.

Em 2012, quando Gylatsen e seus parceiros perceberam que os turistas estavam retornando à região assolada pela guerra, a empresa reinstalou a Everest Link. Passaram dois anos angariando fundos e implementando, até que, em 2014, disponibilizaram a internet sem fio desde Lukla, a vila onde pousa a maioria dos alpinistas do Everest no início da temporada de escalada, até o acampamento-base do monte. A rede cobre mais de 100 quilômetros de terreno montanhoso.

Essa proeza de engenharia se deu graças a uma série de pontos de acesso wi-fi conectados entre si por ligações ponto-a-ponto de microondas, que por sua vez estão conectadas à internet global através de uma rede central no norte da Índia. Quase todos os repetidores de microondas que possibilitam o funcionamento da Everest Link ficam nos picos da montanha, e a rede toda depende exclusivamente de energia solar.

Adesivo em um ponto de acesso à Everst Link, em uma casa de chá em Gorak Shep, o ponto de partida rumo ao acampamento-base do Everest. Créditos: Daniel Oberhaus

Embora o wi-fi só esteja disponível na região de Khumbu há apenas dois anos, a chegada de internet acessível à montanha remonta a 2010, quando uma empresa nepalesa de telecomunicações, a NCell, realizou a primeira videochamada da história no acampamento-base.

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A cobertura de chamadas de voz estava em funcionamento na área desde meados dos anos 2000, graças à Nepal Telecom, e a internet, tecnicamente, já podia ser acessada por meio de conexões caríssimas via satéltie, mas a NCell subiu as apostas.

Ao implementar uma estação de 3G a cerca de 150 metros abaixo do acampamento-base, a NCell trouxe uma cobertura de dados e chamadas de voz aos moradores do vale do Khumbu, aos funcionários do acampamento e aos 40.000 turistas que fazem trilha na região do Everest todo ano. Além disso, abriu alas para a cobertura celular no topo de Everest do lado nepalês da montanha.

Embora o montanhista Rod Baber tenha feito uma notória chamada de celular do topo do Everest como parte de uma ação da Motorola em 2007, a chamada passou por uma estação móvel chinesa, instalada no lado tibetano do Everest no início do ano em questão. Se o celular fosse de uma operadora nepalesa (e a maioria dos montanhistas do Everest escalam o lado nepalês da montanha, conhecido como Colina Sul), não dava para fazer uso da estação móvel no topo.

A chegada da internet 3G "em alta velocidade" da NCell em uma das regiões mais remotas da Terra foi aclamada, quase um milagre. Revistas como a Outside chegaram a especular que os celularessubstituiriam os telefones por satélite no Everest. Contudo, de acordo com os alpinistas com quem conversei no acampamento, o hype é exagerado.

"Acho que ainda estamos longe de poder dizer que os celulares substituirão os telefones por satélite", Alan Arnette, montanhista de sucesso eblogueiro prolífico sobre tudo relacionado ao Everest, contou à Motherboard. "A cobertura de telefonia celular é ótima quando funciona, mas ano passado e este ano, precisei perambular por todo o acampamento-base para achar um sinal estável. Nem me refiro ao 3G, mas ao sinal de chamadas de voz mesmo."

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Arnette esteve no Everest pela primeira vez em 2002, e embora lamente a instabilidade da cobertura celular no acampamento-base, ele disse que deixou o preço da comunicação na montanha bem acessível. Antes da chegada do 3G ao Everest, acessar a internet requeria um terminal capaz de se conectar à constelação de satélites BGAN, e custava até sete dólares por megabyte de dados. As taxas das chamadas de telefones por satélite não eram muito melhores, a cerca de um dólar por minuto. Já a NCell oferece chamadas por apenas dois centavos por minuto, e planos de dados de até um centavo por megabyte — isso se você conseguir captar o sinal.

Estação sem fio da Asian Trekking, que permite que a empresa se conecte com a Everest Link; à direita, duas antenas por satélite concebem à empresa sua própria conexão proprietária de internet. Créditos: Daniel Oberhaus

Segundo o alpinista tunisiano Tahar Manai, que escalou o Everest pela primeira vez este ano, para quem quisar um sinal melhor de 3G, basta subir até o topo da montanha mais alta do mundo. Isso porque o cume tem conexão direta com as estações no solo, e o acampamento-base não.

"Sempre carrego o meu celular comigo, para ouvir música", disse Manai. "Quando cheguei ao topo, recebi um monte de e-mails e notificações — isso não acontece no acampamento-base. Aqui estou sem sinal, mas no topo a cobertura estava ótima."

Em comparação com a rede 3G e as conexões BGAN que testei, a conexão da Everest Link no acampamento-base é ótima, com uma velocidade de download de 1,5Mbps. (A rede aguenta até 3Mbps, caso não seja usada em peso por várias pessoas ao mesmo tempo.) Foi o suficiente para navegar na rede sem me sentir completamente frustrado, ligar para os amigos via Viber e assistir a um vídeo do YouTube sem muitas paradas, mas não rápido o bastante para aplicativos que consomem muita banda, como transmissões ao vivo no Facebook Live. O preço da conexão também era de admirar: por sete dólares, mais ou menos, consegui comprar um cartão de conexão de 100MB no acampamento-base. A maioria dos montanhistas, que costuma passar dois meses no acampamento-base, compra pacotes de dados e paga cerca de 50 dólares por gigabyte.

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Embora a qualidade e estabilidade do wi-fi do acampamento-base tenham me impressionado, o sistema não está imune a falhas. Após o terremoto de magnitude 7,8 que matou mais de 8.000 pessoas no Nepal em 2015, tanto a Everest Link quanto o sinal de 3G da NCell caíram. A Huawei e a China Mobile, que disponibilizaram uma cobertura de 4G LTE no acampamento-base tibetano em 2013, também não eram uma opção possível para os alpinistas, visto que o sinal de celular do Nepal não chegava a estação chinesa por conta da montanha mais alta do mundo no meio.

Para os alpinistas no acampamento, a única maneira de se conectar com o mundo lá fora era via telefone por satélite, ou através da conexão privada da empresa Asian Trekking. Jelle Veyt, alpinista belga que estava no acampamento-base ano passado como membro da expedição da Asian Trekking, lembra-se de como, após o terrremoto derrubar grande parte da infraestrutura de telecomunicações do Nepal, ele ainda conseguia se conectar.

Richards não conseguiu fazer um vídeo no Snapchat no topo do mundo porque o telefone congelou a -35°C a poucos pés do cume.

"Graças aos nossos painéis solares e conexão via satélite, consegui conversar no Skype com os amigos e familiares lá de casa depois do terremoto", disse Veyt. "Apesar de estarmos no acampamento-base e tudo estar destruído, ainda tínhamos uma conexão melhor do que quase todo mundo do Nepal."

Conforme observaram Arnette e Veyt, o terremoto serviu de lembrete: apesar da chegada do 3G e wi-fi ao Everest, essas tecnologias ainda não estão prontas para substituir a tecnologia de satélite.

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"Não dá para depender da internet como dizem que dá", disse Arnette. "Sempre digo às pessoas que vão ao Everest, se comunicação é importante para você, melhor levar um telefone por satélite."

#EVEREST

Dia 5 de maio de 2011, o famoso montanhista Kenton Cool chegou ao topo do Everest pela nona vez. Para celebrar a ocasião, ele fez uma coisa que muita gente faz quando está orgulhosa: postou um tweet sobre isso.

Everest summit no 9! 1st tweet from the top of the world thanks to a weak 3G signal & the awesome Samsung Galaxy S2 handset! Kenton Cool6 de maio de 2011

Topo do Everest no 9! 1o tweet do topo do mundo graças ao sinal fraco de 3G e o excelente aparelho Samsung Galaxy S2! @samsunguk

"Topo do everest no 9!", postou Cool no Twitter. "1o tweet do topo do mundo graças ao sinal fraco de 3G e o excelente aparelho Samsung Galaxy S2!"

O único porém desse momento histórico é que Cool não foi o primeiro a twittar do topo do Everest. O mérito mesmo é do explorador polar Eric Larsen, cujo simples tweet ("Topo do Everest") veio seis meses antes da postagem de Cool, embora tenha sido por satélite, em vez de conexão celular.

Everest summit! -Sent with Eric Larsen15 de outubro de 2010

Topo do Everest! - Enviado via @DeLormeGPS Earthmate PN-60w

Cinco anos após o primeiro--tweet-mas-não-primeiro-de-verdade do topo, o uso das redes sociais no Monte Everest virou senso comum. Essa disseminação se dá muito graças a inovações como a SatSleeve, uma capinha para telefones com uma antena que atribui a todo e qualquer iPhone internet via satélite, bem como uma conexão melhor, oferecida por empresas como a Everest Link.

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Segundo os alpinistas com quem conversei, a proliferação das redes sociais no Everest tem uma série de benefícios: não só permite que os alpinistas compartilhem suas experiências com familiares e amigos em tempo real, como também cria novas oportuinidades para conseguirem o patrocínio necessário para tentar chegar ao topo.

Tahar Manai (Tunísia) e Jelle Veyt (Bélgica) conversam com familiares e amigos no acampamento-base, dois dias depois de chegar ao topo do Everest pela primeira vez. Créditos: Daniel Oberhaus

Contudo, para a geração mais nova de alpinistas — aqueles que não se lembram da vida antes da internet e viveram momentos importantíssimos de formação em sites como o Myspace —, uma das grandes emoções do montanhismo é a capacidade de se desconectar do mundo saturado de mídia.

Jost Kobusch, alpinista profissional de Borgholzhausen, Alemanha, de 23 anos de idade, conta que se interessou pelo esporte na infância pela promessa de aventura.

"Quando eu era pequeno, folheava revistas de alpinismo e acreditava que as últimas aventuras na Terra eram essas expedições no alto das montanhas", contou Kobusch. "As montanhas eram o lugar onde ninguém poderia contatá-lo. Essa era a graça da aventura. É muito raro viver uma aventura de verdade hoje porque sabemos que dá para falar ao telefone de qualquer lugar."

As redes sociais permitem que alpinistas compartilhem detalhes de uma expedição em um novo grau de intimidade — um conteúdo muito valioso, pelo qual os patrocinadores estão dispostos a pagar —, mas também deixa os alpinistas com o fardo das altas expectativas, em termos de exposição na mídia que devem promover durante a escalada. Os patrocínios contam com bastante coisa agora, da postagem de blog ocasional à transmissão integral da escalada via Snapchat.

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Um exemplo do segundo caso é o fenômeno mais recente das redes, o #Everestnofilter. A expedição se resumia a dois alpinistas renomados tentando chegar ao topo do Everest sem oxigênio extra, fazendo vídeos no Snapchat a cada passo da jornada. A expedição também demonstrou a alta demanda por conteúdo gerado por alpinistas em redes sociais: a hashtag #Everestnofilter vivia entre os TTs do Twitter, e angariou "centenas de milhares" de visualizações diárias no Snapchat, segundo a equipe.

Dois xerpas checam e-mails em um terminal no acampamento-base. Créditos: Daniel Oberhaus

Adrian Ballinger e Cory Richards, os dois alpinistas da expedição #Everestnofilter, disseram que decidiram relatar a jornada no Snapchat para dar uma perspectiva "sem filtros", nua e crua, de como é escalar a montanha — diferente da maioria das histórias sobre o Everest, que são meticulosamente editadas.

Para nós, para postar um vídeo no Snapchat, basta apertar um botão. Mas para Ballinger e Richards, isso significava carregar seis quilos a mais de equipamentos montanha acima —uma antena de internet, baterias extra e painéis de energia solar que lhes daria acesso à rede durante a subida. Considerando que a maioria dos alpinistas chega ao topo com menos de 11,5 quilos de material, era uma carga adicional substancial.

A dupla também usou um aplicativo chamado Strava, que registra o desempenho dos atletas com métricias fisiológicas e permite que compartilhem seus resultados. Para muitos atletas, o Strava tem um aspecto social e competitivo, mas para Ballinger e Richards, permitiu que fossem monitorados por médicos remotos, nos Estados Unidos, que analisavam os dados para determinar em que momento a dupla deveria parar para descansar.

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Pode parecer loucura, mas Ballinger e Richards queriam figurar na lista dos 60 e pouquinhos alpinistas que conseguiram chegar ao topo do Everest sem auxílio de oxigênio. O Strava os ajudaria a retornar com vida.

Até o dia da chegada ao topo, tudo corria bem na empreitada sem oxigênio extra, mas quando se aproximaram do cume, Ballinger precisou voltar atrás pois começou a balbuciar palavras indistintas ao passo que sucumbia à doença das alturas. Richards seguiu em frente e conseguiu chegar ao topo, mas não conseguiu fazer um vídeo no Snapchat no topo do mundo porque o telefone congelou a -35°C a poucos pés do cume.

"O dia no topo foi intenso", disse Richards. "Adrian teve que voltar, eu estava sozinho e fiquei só três minutos lá em cima. A prioridade número um era segurança, voltar o mais rápido possível."

SALVO PELO HOMEM DO TEMPO

Michael Fagin, morador de Seattle que nunca esteve no Himalaia, não é um meteorologista comum. Quando não está cuidando doEverest Weather (um dos diversos serviços mundiais de previsão do tempo dedicados à montanha), trabalha com meteorologia forense, ajudando a determinar se as condições climáticas tiveram a ver com a morte das pessoas — e ele faz tudo isso sem diploma na área.

Contudo, apesar da falta de qualificações oficiais, dezenas de montanhistas contratam Fagin para lhes enviar boletins toda temporada, pois contam com a precisão de suas previsões para o sucesso das expedições — e em última instância, para a própria segurança. O fator de escolha é simples: Fagin manja.

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Fagin, que trabalhou com marketing até os 50 anos de idade, sempre foi fascinado por previsão do tempo. Quando começou a escalar, na Cordilheira das Cascatas, ficou fissurado pelas minúcias do tempo nas montanhas. Motivado por uma necessidade de previsões melhores para suas próprias escaladas, Fagin assistiu às aulas de meteorologia da Universidade de Washington como aluno-ouvinte e começou a solicitar cópias de boletins meteorológiso por fax, para espalhá-los pelo chão e estudá-los por horas a fio, madrugada adentro.

Em 2003, no aniversário de 50 anos da chegada ao topo de Hillary e Tenzing, Fagin lançou o Everest Weather com o envio de suas previsões a algumas expedições, de graça. Na época, os boletins que os montanhistas do Everest recebiam não eram muito diferentes dos relatórios infundados que Trueman obtinha em 1996 — e Fagin foi tão preciso, que no ano seguinte, algumas expedições retomaram o contato com ele para saber se faria novas previsões. Assim nasceu o Everest Weather.

Um membro da equipe de apoio da expedição do chinês Youku monitora a subida na montanha. Créditos: Daniel Oberhaus

Segundo Fagin, a meteorologia progrediu rapidamente nos últimos dez anos graças aos modelos climáticos derivados do vasto leque de dados e imagens de satélite disponíveis online gratuitamente. Contudo, o Everest ainda é um tópico meteorológico desafiador por uma série de questões.

Em primeiro lugar, nenhuma estação da base oferece relatórios do clima no topo, então os analistas não têm como verificar suas previsões. Além disso, a altura do Everest significa que Fagin e os meteorólogos de plantão precisam avaliar as flutuações drásticas de corrente de vento, que ditam os padrões climáticos da montanha e criam um microclima ao redor dela. Confore disse Fagin, "a montanha faz o próprio clima", o que pode dificultar bastante a previsão de padrões em larga escala.

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No entanto, ferramentas de comunicação aprimoradas reforçaram a qualidade das análises de Fagin, pois ele consegue se comunicar com as equipes via mensagens de texto ou chamadas telefônicas à medida que sobem. As equipes verificam as previsões de Fagin poucas horas depois do envio, o que o coloca em posição de vantagem em relação aos meteorologistas de Catmandu, que geralmente não têm como conferir seus boletins.

Fabin relembrou uma conversa que teve com uma equipe de escalada este ano, enquanto tentavam chegar ao topo e uma tempestade se formava no golfo de Bengala. A equipe havia recebido previsões imprecisas de outra fonte, então resolveram trocar por Fagin por recomendação de outro alpinista.

"A cobertura de telefonia celular é ótima quando funciona, mas ano passado e este ano, precisei perambular por todo o acampamento-base para achar um sinal estável. Nem me refiro ao 3G, mas ao sinal de chamadas de voz mesmo."

"Não há mudanças no boletim que acabei de enviar, mas gostaria de alertar que [o Centro de Alerta de Tufões] acabou de elevar o nível de perturbação tropical no golfo de Bengala para: 'a formação de um ciclone tropical expressivo é possível'", Fagin escreveu para os alpinistas. "É uma intensificação climática e tanto."

A tempestade continuou a se intensificar no golfo, enquanto Fagin observava, em seu equipamento, que os ventos ganhavam velocidade, mas ele só ouviu um comunicado de volta dos alpinistas cinco dias depois. Numa manhã, bem cedinho, recebeu uma mensagem da equipe: Eles haviam chegado ao topo, mas estava muito frio, e algumas pessoas estavam com queimaduras. O vento havia começado a agir em torno das três da manhã, e atingiu o ápice ao meio-dia — a cerca de 50-60 km/h, estimaram os alpinistas. Foi exatamente como Fagin havia previsto.

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"Por isso é que vou me ater a você [para receber previsões] ano que vem", um dos alpinistas escreveu em resposta.

EVACUAÇÕES

Comunicações melhores. Previsões do tempo mais precisas. Roupas ultraleves que previnem queimaduras de frio. Sistemas de oxigênio altamente evoluídos.

Todos esses avanços aumentaram drasticamente as chances de sobrevivência no Everest, tornando a subida mais segura e confortável para os montanhistas. No entanto, também deixaram a montanha acessível para muito mais alpinistas, muitos deles com pouca experiência em montanhismo, que contam com a tecnologia para cobrir a lacuna de conhecimento.

Deixar a montanha acessível para tantas pessoas pode ocasionar congestionamento no pico, com centenas de pessoas tentando alcançar o topo na mesma época, com o clima ideal.

Por conta disso, capaz que os alpinistas precisem esperar horas por sua vez para ir até o topo — um problemão, visto que a sala de espera é uma região da montanha conhecida como zona da morte. Em 2012, quatro alpinistas morreram em um único dia perto do topo por conta da lotação.

Além disso, quando a merda atinge o ventilador, esses alpinistas não têm as habilidades necessárias para conseguir voltar.

Por sorte, para eles, a tecnologia de resgate também avançou bastante de uns anos para cá.

Um helicóptero pousa no acampamento-base para resgatar alpinistas tomados pelo mal da montanha e levá-los a Catmandu. Créditos: Daniel Oberhaus

Em um dia típico no acampamento-base, é possível avistar meia dúzia de helicópteros, ou até mais, sobrevoando o vale de Khumbu, contornando o acampamento, e pousando suavemente em um dos dois heliportos rochosos construídos no acampamento. Geralmente, transmportam alimentos e outros mantimentos básicos para os montanhistas do Everest, mas cada vez mais desempenham outrpo papel: evacuar alipinistas machucados e combalidos.

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Graças aos avanços de design do Eurocopter B3, o mesmo helicóptero que fez história ao pousar no topo do Everest em 2005, agora é comum retirar alpinistas do acampamento-base (situado a aproximadamente 17.500 pés de altitude), e resgatá-los nos Acampamentos I e II (a 19.600 e 21.000 pés, respectivamente). Em 2013, o modelo B3 passou pelo teste de fogo quando o alpinista canadense Sudarshan Gautam ficou cansado demais para descer a montanha e desmaiou a 23.000 pés de altitude. Com um cordão longo, a tripulação do helicóptero conseguiu resgatar Gautam onde ele caiu. Foi o resgate mais elevado já realizado.

Ainda assim, os resgates de helicóptero são extremamente sistemáticos e perigosos, mesmo em baixas altitudes. Desde 1990, ocorreram mais de 40 acidentes aéreos na região do Everest, que somam mais de 300 mortes, entre pilotos e alpinistas — assim como as demais tecnologias, os resgates de helicóptero são uma grande bênção para alpinistas em situações cabeludas, mas depender deles pode custar caro.

Nas expedições azaradas de Hall e Fischer em 1996, todas as mortes ocorreram a mais de 26.000 pés de altitude. Em situações do tipo, as tecnologias avançadas dos helicópteros são inúteis. Todos os alpinistas que morreram nessa tempestade cruel sucumbiram por conta de quedas e relento, coisa que nem os melhores equipamentos de hoje poderiam prevenir. O destino foi escrito dias antes da chegada ao topo, com as letras dos dados meteorológicos imprecisos. Contudo, outros avanços tecnológicos, disponíveis para os alpinistas de hoje — principalmente previsões meteorológicas melhores — poderiam ter poupado as vidas de oito alpinistas nesse dia trágico de 1996, pois os manteriam distantes do topo.

O FUTURO DO EVEREST É HIPER-REAL

Kobusch, o alpinista de 23 anos de idade, tem uma conduta pessoal contra postagens no Facebook durante escaladas. Quando conversamos, ele me contou como resolveu quebrar o fastio em sua expedição mais recente, em Annapurna, e comprou uma SatSleeve para seu celular. Mas quando chegou à montanha, a tecnologia o deixou na mão.

"Acabei ficando sem internet por 48 dias", disse Kobusch. "No começo, senti falta e me senti culpado por não conseguir postar nada para as pessoas que estavam acompanhando a expedição. Mas, por outro lado, me senti bem distante da civilização, e foi uma sensação ótima. Quando levamos as redes sociais conosco, analisamos à experiência enquanto postamos sobre ela. È uma experiência mais pura quando esperamos para processá-la no acampamento-base, mais tarde."

Nascer do sol sobre o Everest. Créditos: Daniel Oberhaus

Nas colinas sob Lukla, a vila onde a maioria dos alpinistas pega um avião de volta para a capital do Nepal, a vida tecnológica é bem primitiva. Não há internet, o sinal do celular é deplorável, e ter eletricidade é exceção, não a regra.

Enquanto Bishnu e eu tentávamos transitar entre estume de jumento até a canela, nessa região florestal subtropical, depois de cinco dias no acampamento-base, foi difícil não se maravilhar com o fato de que, a apenas algumas dezenas de quilômetros ao norte, havia roteadores wi-fi instalados no topo das escadas usadas para atravessar fendas sem fundo, e montanhistas relatando suas experiências a familiares via Skype.

No meio da floresta, pude sentir um pouco da emoção que Kobusch sente ao se desconectar. Contudo, para aqueles que, como eu, só vivem o topo do Everest via postagens de pessoas como Kobusch, não há mais com o que se preocupar, que conteúdo não vai faltar, mesmo com cada vez mais montanhistas optando por uma escalada sem conexão. Graças à empresa islandesa de realidade virtual Solfár, o Everest vai até você no fim deste ano.

Com quase 10.000 fotos do entorno do Everest, fornecidas pela empresa islandesa de animação RVX, a Everest VR recriou a experiência de escalar o Everest em detalhes, tintim por tintim, de forma bem realista. Os designers da Everest VR conseguiram realizar essa proeza com uma técnicca chamada fotogrametria, que basicamente consiste em usar supercomputadores para recriar fotos como objetos 3D.

"Quando cheguei ao topo, recebi um monte de e-mails e notificações."

Os usuários poderão explorar cinco momentos-chave vivenciados por montanhistas a caminho do topo, como a cerimônia puja no acampamento-base (quando os alpinistas e xerpas pedem a bênção ao Everst antes de subir), a escalada nas fendas de Khumbu e a saída do Acampamento IV no meio da madrugada para caminhar até o topo. De acordo com Kjartan Emilsson, um dos co-fundadores da Solfár, a Everest VR faz tanto jus à vida real, que até mesmo alpinistas que já estiveram no topo da montanha ficaram arrepiados.

Parte da razão para isso, disse Emilsson, é que a Everest VR oferece uma experiência impensada até na própria montanha. Quando os usuários da realidade virtual chegam ao topo do Everest, conseguem curtir o tempo que bem entenderem por ali, assistindo às mudanças do mundo ao redor.

Se você ficar tempo o bastante no cume, poderá assistir ao pôr do sol e observar o horizonte da cordilheira do Himalaia — experiência que a maioria dos alpinistas (que se limitam a poucos minutos no topo do mundo devido à falta de oxigênio e condições climáticas extremas) jamais poderia ter. Além disso, explicou Emilsson, os alpinistas geralmente estão exaustos e um pouco fora de si quando chegam ao topo, por conta da depravação de oxigênio, e a Everest VR permitirá que revisitem a experiência de cabeça fria.

Nesse sentido, Everest VR faz jus à missão de Emilsson e seus co-fundadores, isto é, levar as pessoas a "lugares impossíveis". Ao oferecer uma experiência de Everest que nem mesmo os montanhistas vivenciam, a Solfár deixou a chegada ao topo do everest mais real do que a realidade — em outras palavras, hiper-real.

São as duas extremidades do espectro de possíveis futuros para o Everest: uma montanha reproduzida de forma hiper-real por tecnologia de ponta, e uma montanha cuja "veracidade" é cada vez mais experimentada pelos alpinistas que a rejeitam.

Tradução: Stephanie Fernandes