Julgando meus discos: Alex Kapranos ranqueia os álbuns do Franz Ferdinand

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Noisey

Julgando meus discos: Alex Kapranos ranqueia os álbuns do Franz Ferdinand

Contemplativo, o vocalista reflete sobre o inesperado sucesso da banda e o significado de “fazer discos para as garotas dançarem”.
SO
Traduzido por Sarah Oliveira

Na série Julgando Meus Discos, conversamos com artistas que acumularam discografias consideráveis ao longo dos anos e pedimos a eles que deem notas aos seus lançamentos em ordem de preferência pessoal.

Talvez ninguém tenha ficado mais surpreso com a ascensão meteórica do Franz Ferdinand em 2004 do que o próprio vocalista da banda, Alex Kapranos. “Sempre pensei em nós como uma banda complexa antes de fazermos sucesso”, ele admite, refletindo sobre o disco de estreia que fez a banda estourar, vendeu milhões e gerou o gigantesco hit “Take Me Out” — que recebeu uma versão cover de “Weird Al” Yankovic. Mas, praticamente da noite para o dia, a banda de art rock ao estilo mod de Glasgow foi recebida de braços abertos pelo mainstream ao redor do mundo. De todas as bandas que combinavam guitarras agressivas e batidas 4/4 no início dos anos 2000, foi o Franz Ferdinand que as tornou palatáveis para as massas.

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Como resultado dessa adoração, eles levaram um Mercury Prize e alguns BRIT Awards, mas os escoceses não deixaram o sucesso interferir em sua arte. Em seus quatro álbuns seguintes, o grupo continuou a fazer parte do mainstream casualmente, enquanto levava sua música a novos níveis — incluindo uma versão totalmente dub do disco de 2009 Tonight, que recebeu o título de Blood, e um álbum completo em colaboração com os excêntricos do glam rock Sparks, usando o nome de FFS. Porém, em 2016, o cofundador Nick McCarthy saiu da banda para passar mais tempo com a família e explorar outros interesses, deixando para Kapranos, para o baixista Bob Hardy e o baterista Paul Thomson a decisão sobre o futuro do Franz Ferdinand.

“Antes de sairmos em turnê com FFS, sabíamos que Nick ia sair”, diz Kapranos. “A princípio foi um choque, mas me sentei com Bob e Paul e perguntei: ‘Vocês querem continuar?’. Quando eles disseram que sim, foi 'Uau. Beleza. Então podemos fazer o que quisermos'. Não porque Nick tinha saído, mas porque os papéis não estavam mais definidos como acontecia quando ele estava na banda."

O Franz Ferdinand continuou como quarteto, com Julian Corrie substituindo McCarthy, no entanto, foi essa liberdade que fez com que o novo disco deles, Always Ascending, tivesse um ar de novidade. “[Esse álbum] foi libertador, como se pudéssemos fazer qualquer coisa que tivéssemos vontade”, ele admite. "Quando o finalizamos, pensamos: ‘Dane-se, a gente nem é mais um quarteto oficialmente, podemos ser qualquer coisa’. Então chamamos Dino [Bardot] para entrar na banda."

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Agora como um quinteto, Kapranos vê Always Ascending como um novo capítulo para o Franz Ferdinand. “Right Thoughts, de 2013, foi o fim de uma década e este parece o começo de outra década, o que é empolgante”, ele explica. “Estávamos na Europa recentemente divulgando o disco e um cara me disse: ‘É como se esse fosse o segundo álbum de vocês’. Eu discordo, mas entendo o que ele disse porque é o primeiro disco com essa formação. Tem uma coisa nova nele."

Com essa atitude tão decidida, o Noisey achou que era tempo de chamar Kapranos para o desafio do “Ranqueie seus discos”, que ele aceitou, mas não sem nos alertar antes. “Caramba, é difícil pra cacete!”, ele exclamou. “Vou fazer o melhor que puder porque não consegui pensar em uma ordem. Eu não costumo voltar e escutar nossos discos depois de prontos. E também não sou um crítico muito bom."

5. You Could Have It So Much Better (2005)

Noisey: Por que este é o disco de que você menos gosta?
Alex Kapranos: Apesar de ele ser o meu favorito em certos sentidos, foi um disco estressante de fazer. Algumas das minhas músicas favoritas estão nesse álbum. E o engraçado é que, dessas favoritas, nós nunca tocamos algumas ao vivo, como “Fade Together”, que eu adoro. É bem diferente de tudo que tínhamos feito até aquele momento, muito delicado e introspectivo. Talvez esse seja o destaque.

Mas quando olho para esse disco, a imagem que tenho em mente é a de voltar a uma macieira no fim de julho ou no começo de agosto, e pegar uma maçã totalmente formada, só que um mês antes de ela amadurecer. Quando você a morde, a maçã é bonita, mas é amarga, ácida, dura e não dá para comer. Acho que essa é a melhor metáfora para o que eu sinto sobre esse disco. Ele era bom, mas não estava pronto. Foi colhido da árvore cedo demais, devido às circunstâncias. Não tivemos tempo o bastante para deixar as músicas assentarem e para nos acostumarmos com elas e tocá-las de uma forma simples e natural. Estávamos na Epic Records nos Estados Unidos na ocasião, e eles estavam nos pressionando um bocado para fazer esse disco rapidamente. E mais do que isso, nosso empresário tinha agendado uma turnê pelos EUA. Quando começamos, não havia como voltar e terminar o disco, e eles o queriam pronto no começo da turnê. Então teve toda essa pressão para finalizar. Meu grande arrependimento é não ter tomado a atitude de dizer para todo mundo ao nosso redor: “Eu preciso de mais tempo com essas músicas”. Por isso ele é o número cinco.

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Eu me lembro de ficar surpreso quando o disco foi anunciado, ele saiu muito depressa.
Estávamos compondo durante a turnê, e até tocando músicas dele ao vivo em 2004, como “I’m Your Villain”. Eu ponho a culpa nos outros, mas a culpa é minha também. Existem artistas que eu admiro, como Bowie, os Smiths e os Beatles, que faziam um disco por ano, talvez até mais de um. Eu pensava: “Por que eles conseguem e a gente não? É claro que a gente consegue!”. Não levamos em conta que, no passado, as bandas saíam em turnês completamente diferentes, não chegavam perto da intensidade que nós vivemos. Em 2004, fizemos uns 380 shows. Sei que parece loucura, mas em alguns momentos fizemos dois shows no mesmo dia, tipo uma matinê em uma loja e um show à noite. Juro, fizemos mais shows do que existem dias no ano. E foi inacreditável, eu amei. As coisas rolaram com a gente instantaneamente ao redor do mundo, em todo canto. Mas foi exaustivo e eu fiquei morto de cansaço, de verdade. Eu devia ter me dado mais espaço e tempo para voltar à vida antes de gravarmos esse disco.

Vocês eram praticamente desconhecidos quando gravaram seu primeiro disco. Foi muito diferente fazer esse, sabendo que tanta gente o aguardava?
Eu tentei me afastar e nós fomos para um lugar na zona rural da Escócia, onde ainda tenho o meu estúdio. A intenção era nos afastarmos, mas o resto do mundo entrou no nosso mundo. Minha relutância estava baixa demais para construir uma barreira e rechaçar isso. Jornalistas apareciam por lá, o pessoal da gravadora circulava pela casa. Não é o tipo de gente que você quer ter por perto quando está criando.

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Você disse que esse disco era “uma versão 3D do nosso último álbum”. Lembra do que quis dizer com isso?
Não faço ideia (risos). Bom, em matéria de som, nós saímos explorando. Eu falei do aspecto negativo de gravar esse disco, mas também houve muita coisa positiva. Eu gostei de gravar com Rich (Costley) e em alguns aspectos tem partes dele que soam tridimensionais.

Acho que outra razão para eu colocá-lo em quinto é porque ele todo é tocado muito rapidamente. Por causa da intensidade da nossa turnê e da forma como tocávamos, todo mundo estava cheio de adrenalina. O tempo era rápido demais. Quando estávamos gravando, tocávamos ao vivo e sem vocal porque eu não queria cansar minha voz como tinha feito na turnê. Quando você toca sem vocal, toca em um tempo que é bacana para o instrumental. Às vezes, quando volta para gravar o vocal, a música está 15 BPMs mais rápida! Eu não conseguia encaixar as letras. E a banda não respondia ao vocal, o vocal é que respondia à banda, o que não é o jeito certo de fazer as coisas.

Originalmente, esse álbum teria o nome da banda e um esquema de cores diferente. O que fez vocês concordarem com o título que ele recebeu?
A ideia foi do Paul. Ainda gosto daquele conceito e teria sido legal segui-lo. A simplicidade dele é atrativa. Mas um dia Paul disse que gostava do título You Could Have It So Much Better e eu falei: “Por que não?”. Tinha uma teimosia nele porque havia muitas expectativas a nosso respeito na época. Eu gostava da ideia de dirigir as expectativas para um lado em particular e então confundi-las e surgir com outra coisa diferente.

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4. FFS (2015)

Eu tenho que pôr FFS (em quarto lugar), se é para ser sincero, porque foi um disco muito divertido de fazer. Gostei de estar no estúdio com todos aqueles caras, incluindo John Congleton. John é um cara bem legal e um ótimo produtor. Mas é o disco com que menos tenho uma ligação pessoal. Digo, ele deveria estar em quinto, mas estou tentando ser legal com Ron e Russ.

Só posso imaginar que esse cenário como um sonho de vocês se tornando realidade. Mas a ideia surgiu dez anos antes de vocês gravarem o disco?
É isso mesmo. Eu gostava muito dos Sparks. Eu amava os três primeiros discos dos anos 1970, Kimono My House, Indiscreet e Propaganda, assim como o trabalho do Giorgio Moroder. Quando saiu o nosso primeiro disco, Ron e Russell gostaram do nosso som e foram a alguns shows. Daí estávamos no backstage e eles disseram que deveríamos fazer uma colaboração. Originalmente, era para ser um compacto de 7". A gente ia compor uma música para eles tocarem e vice-versa. Mas, voltando a 2004, tudo estava uma loucura, muito intenso. Não tínhamos tempo. E aí estávamos em Montevidéu, no Uruguai, e eu quebrei um dente. Esperei até voltar para São Francisco para ir ao dentista. Estava perdido subindo e descendo uma rua em São Francisco procurando o consultório e, sem eu saber, Ron, Russell e Emmy, namorada dele, estavam do outro lado me olhando. Eles tinham me visto, então se aproximaram, bateram no meu ombro e disseram: “Alex, o que você está fazendo em São Francisco?”. Eu respondi: “Vou ao dentista e depois fazer um show”. Daí, eles falaram: “A gente vai fazer um show hoje. Por que você não vem assistir”. Nós fomos e no backstage do show deles falamos: “Por que a gente não grava juntos?".

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Estávamos em turnê na época e eles voltaram para Los Angeles, então, como se fôssemos amigos por correspondência, a gente mandava músicas um de volta para os outros por e-mail. E aí o disco tomou forma. Fazer o álbum no (estúdio) RAK foi bem divertido, eu gostei muito.

Você tentou deixar crescer um bigode como o do Ron?
Em momentos diferentes da vida eu tive bigode, até um bigode fininho, mas depois de trabalhar com o Ron eu não acho que daria para tentar de novo. É o território dele, bigode é coisa para o Ron.

3. Right Thougts, Right Words, Right Actions (2013)

Eu curto esse disco, ele é bom. Gostei muito de fazê-lo. E ele também é como um marco, o fim de uma década. Também foi o fim da versão 1 do Franz Ferdinand. Foi o último disco daquela formação. Eu gosto dele por essas razões. Não é o número um porque não é tão bom quanto os outros dois (risos). Minha música favorita dele é “Stand On The Horizon”, que é como o Santo Graal das canções para mim em matéria de composição e performance porque é uma euforia melancólica. É engraçado porque quando estávamos fazendo o novo disco, o título de trabalho era Melancholic Euphoria. Tinha um outro, que era Sex & Death, pois todas as melhores músicas são sobre sexo ou morte ou os dois. E euforia melancólica é um estado que você quer atingir em uma canção. Eu acho que “Stand On The Horizon” conseguiu isso. Foi muito bacana trabalhar com Todd Terje nessa música, também.

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Vocês trabalharam com Joe Goddard e Alexis Taylor, do Hot Chip, Todd Terje e Bjorn Yttling. Por que tantos produtores?
Acho que estávamos sendo gananciosos (risos). Em parte gananciosos e em parte sendo práticos, também. Começamos com Joe e Alexis, pouco antes do Hot Chip começar a gravar um disco próprio, daí terminamos fazendo umas músicas juntos. Foi bem legal trabalhar com eles, sou um grande fã. É ótimo estar no estúdio com eles, ambos têm personalidades muito tranquilas. Gravamos essas músicas e achamos que talvez essa fosse a abordagem que devíamos ter no disco todo, trabalhar com outras pessoas. Foi legal também trabalhar com Bjorn. Ele tem um estúdio incrível em Estocolmo. Infelizmente, a música que nós dois queríamos produzir era “Scarlet and Blue”, que ia ser o single principal do álbum, mas nunca conseguimos capturá-la adequadamente. Nós a gravamos duas vezes com Bjorn, uma vez com Marc Ralph e uma vez sozinhos, mas de alguma forma não conseguimos pegar a essência da música. Era de longe a mais forte do disco, mas eu não consegui me convencer a lançar nenhuma das versões porque nenhuma era a certa. Eu não queria que saísse uma versão inferior, o que provavelmente é um pouco absurdo. Falamos de gravá-la de novo para o disco novo, mas ela trazia muitas lembranças ruins. Talvez em algum momento no futuro. Nós a tocamos ao vivo umas vezes em 2013.

Nick disse depois de Tonight : “Nós ficamos exauridos”. Você acha que precisavam de mais tempo para se recuperar antes de gravarem esse disco?
Sem dúvida, a gente não teve pressa para fazê-lo. Talvez tenhamos levado mais tempo do que era preciso. Porque quando estávamos gravando esse disco, Nick teve o primeiro filho e não estávamos tão concentrados como eu gostaria que estivéssemos. Quando eu faço uma coisa, gosto de fazê-la por completo. Então, enquanto tenho boas lembranças da produção desse disco e de como as músicas ficaram, ele levou mais anos do que devia para sair devido a outras distrações em nossas vidas, mas não tem nada que se possa fazer quanto a isso. É só a maneira que o destino pega você, e é justo. Uma matéria foi publicada na época desse álbum, uma entrevista ou para o Guardian ou para o Observer. Durante a entrevista eu falei como a vida pode ser cansativa quando se está em uma banda, mas também disse que você precisa ser grato por poder seguir seu sonho, fazer aquilo que sempre imaginou, e como isso é compensado pela oportunidade que se tem. Sabe, apesar de ser exaustivo, é ainda mais inacreditável. Enfim, tudo dessa segunda parte do que eu falei ficou de fora da entrevista e a matéria terminou parecendo uma lenga-lenga horrorosa sobre o quanto era triste a nossa sina. Sim, a força do editorial é bem perceptível, mas eu não estava reclamando. E o jeito como descobrimos isso foi enquanto estávamos fazendo as fotos para a matéria. O fotógrafo disse: “Você tá muito sorridente. Podemos tirar algumas com o seu rosto mais triste? O editor acabou de me dizer que quer ver você com uma cara triste” (risos). E eu estava feliz da vida naquele momento!

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2. Franz Ferdinand (2004)

Por que este é o seu segundo favorito?
Porque prefiro o Tonight (risos). Eu adoro esse álbum. Foi ele que fez a banda estourar e nos apresentou ao mundo. Muita gente nos conheceu por meio desse disco, então é claro que eu o adoro. Também foi o acumulação de muitos anos de pensamentos e de composições se unindo para produzi-lo.

Eu acredito que o objetivo desse álbum era “fazer discos para as garotas dançarem e acabar com essa merda de fazer pose”. Foi uma reação a alguma coisa que você via na música?
Foi (risos). Totalmente. Eu falei isso meio que de brincadeira. Na verdade, não, eu estava falando bem sério. Na época, eu ia a shows em Glasgow e notava que 94% da plateia era masculina. Eles ficavam lá balançando de um lado para o outro, mexendo a barba e pensando demais em músicas que eram rápidas e óbvias pra caralho. Era pretensioso, não existia vida nem inteligência naquilo. Não tinha nada da energia que eu amava. Não me dava vontade de me levantar e dançar, que é o que eu adoro. Meu ideal de música era uma coisa inteligente que me desse vontade de dançar. E também era o que causava a divisão de gêneros na plateia. Eu me lembro de conversar com minhas amigas na época, perguntar: “Por que vocês não vão aos shows?”. E todas respondiam: “Porque é chato pra cacete”. E elas tinham toda a razão.

Existe um certo tipo de mentalidade que os homens têm quando se trata de música, que é a de usar a música como ferramenta para se sentirem superiores intelectualmente ou para demonstrar que têm conhecimentos obscuros e se acharem por causa disso. Homens usam meios diferentes para demonstrar essa sensação de superioridade. Tipo os caras da equipe de vendas de alguma empresa idiota que falam dos seus carros da mesma maneira que esses babacas nos shows falam de bandas chatas e tristes. Com esporte é a mesma coisa. Os caras que falam de estatísticas esportivas e dos times para que eles torcem, eu acho esse negócio repulsivo, um saco. E desprezo essa forma de quantificar música. Era uma rejeição disso. Era: “Não, eu quero voltar para alguma coisa mais primitiva e abraçar a idiotice de fazer uma afirmativa como essa”. Claro que falar algo como “Vou fazer discos para as garotas dançarem” é voltar ao elemento mais básico da música pop. No início da música pop, com Buddy Holly, a música era para fazer as garotas dançarem. Quanto mais cedo você cortar toda essa pretensão, você abre o caminho e explora o que quiser. Daí tudo se tornou muito empolgante.

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Você sentiu que tinha feito algo de especial quando tocou o disco pela primeira vez?
Senti. Eu não sabia que ele teria conexão com as pessoas. Eu sabia que quando fizemos os primeiros shows em Glasgow alguma coisa estava acontecendo, só pela forma como o público reagia. Não éramos como as outras bandas da época, éramos diferentes. E as músicas eram boas, eu sabia. A energia era boa e honesta. O disco por si mesmo foi problemático de muitas maneiras. E eu fico feliz por isso, porque fez a gente se concentrar. Eu me dei bem com os produtores de todos os outros discos, foi um prazer trabalhar com eles, mas Tore Johansson era um pé no saco de primeira categoria! Existem duas categorias de produtores: aqueles que alcançam seu objetivo se tornando parte da turma, estimulando e levando você a criar alguma coisa legal. E tem aqueles que tentam alcançar os mesmos objetivos por meio de confronto. Eu diria que Phil Spector está na segunda categoria. Ou Bob Ezrin no estúdio com Lou Reed produzindo Berlin. Tore Johansson está nessa categoria. Eu lembro dele uma vez me empurrando para a sala de controle e falando (com sotaque sueco): “Um de nós vai sair deste estúdio chorando!”, e pensei: “Mas nem ferrando que vou ser eu. Eu sei exatamente o que tenho que fazer”. E foi bom, porque ele tinha ideias muito diferentes das nossas de como devia ser um disco. Quando se tem alguém desafiando as suas ideias, ou essa pessoa as destrói ou elas se tornam mais fortes. Então, foi bacana ser desafiado. A ideia dele para o álbum era produzir um disco suntuoso, com camadas, cheio de texturas e divisões. E eu disse a ele: “Olha, pode colocar o que quiser no disco. Mas na hora da mixagem, eu vou tirar tudo”. E foi exatamente o que aconteceu. Eu queria que ele fosse rígido, aberto, sem afetação nem enfeites. O que importava era o som que a banda tocava. E o conflito entre eu e Tore criou uma coisa bastante ousada. Estávamos reagindo um contra o outro, o que acabou gerando um disco muito legal.

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Quais são as suas lembranças de quando venceu o Mercury Prize?
Foi uma noite surreal e muito bizarra quando rolou o anúncio. Eu presumi, até momentos antes de falarem os vencedores em voz alta, que a gente não ia ganhar porque normalmente as bandas que ganham estão entre os indicados mais complexos. Eu esperava que seria alguém com mais sucesso no mainstream do que nós. O interessante é que eu sempre pensei em nós como uma banda complexa antes de fazermos sucesso. Não surgida para o mainstream ou do mainstream, mas de outro lugar. Eu achava que não podíamos ganhar o prêmio com o nosso sucesso no mainstream. Quando rolou, parecia bizarro. Eu me lembro que Brian Eno estava lá, o que era bizarro. Tudo era bizarro. Todos esses prêmios são, porque você não imagina essas coisas quando está gravando um disco. É ótimo. Eu estava pensando nisso um outro dia. Todos os prêmios como o Mercury, BRITS, Ivor Novello, os discos de platina, eu sempre dou todos para a minha mãe. Prêmios são meio constrangedores. Penso neles como elogios. É uma atitude bem das pessoas de Glasgow em relação a elogios: se alguém de Glasgow recebe um elogio, fica constrangido, não aguenta. É claro que é ótimo vencer, mas é uma coisa difícil de lidar. Eu ainda me sinto assim quando recebo um elogio ou um prêmio. Prefiro que minha mãe fique com eles porque ela merece.

1. Tonight: Franz Ferdinand (2009)

Por que este é o seu favorito?
De certo modo, foi uma agonia fazer esse disco. Havia dificuldades na banda. Mas eu amo o quanto esse álbum ficou livre e alegre. Provavelmente eu não o colocaria no primeiro lugar até falar com Julian (Corrie) sobre ele. Quando Julian entrou na banda, nós não falamos muito sobre a nossa discografia até se passarem uns seis meses, mais ou menos, e aí começamos a ensaiar para apresentações ao vivo. Quando estávamos ensaiando “Ulysses”, ele falou: “Cara, eu amo essa música. Ela é estranha demais!”. Eu respondi: “É, acho que sim. Não é uma música pop convencional de jeito nenhum”. Daí ele admitiu: “ Tonight é, de longe, o meu disco favorito de vocês”. Conversar sobre o porquê de ele gostar desse disco mais do que dos outros me fez reavaliar o álbum e pensar mais a respeito. Eu acho que ele tem razão. Até agora, acho que Tonight representa nosso lado mais aventureiro. Acho que nunca fomos uma banda convencional, mas esse foi o nosso disco menos convencional. Ele toma direções bem estranhas.

O som desse álbum também é bonito. Eu adoro o que Dan Carey fez. Mas acho que adoro o disco porque ele desperta meu senso de ser “do contra”. Quando estou falando de fazer música para garotas dançarem, no fundo disso existe a ideia de ser do contra. Quando lançamos Tonight, muita gente ficou confusa com ele e não o esperava. Isso me deixou muito feliz porque a pior coisa da vida é ser previsível, não é?

Você o descreveu como “um disco muito noturno”.
Eu não tenho ideia do que quis dizer com isso. Quando você faz um disco e tem que falar dele depois, surgem essas frases que o resumem. Era um disco noturno, de alguma maneira. Mas não é que todas as músicas falem sobre a noite. Sei que quando estávamos montando a sequência do disco, tentamos dar a ele o tipo de sensação que se tem quando se sai à noite. Era uma parte disso, eu acho. Nós cobrimos todas as janelas do estúdio que tínhamos em Govan para que parecesse noite o tempo todo. Talvez também estivesse escuro na época do ano em que o gravamos. Glasgow pode ser bem escura durante o inverno.

Originalmente, vocês pensaram em Brian Higgins, do Xenomenia (S Club, Girls Aloud, Kylie Minogue) para produzi-lo. O que aconteceu?
Não deu certo. Não tínhamos nada em comum para trabalhar juntos. Brian Higgins está na mesma categoria de Tore Johansson, mas não de um jeito bom (risos). Melhor dizendo, não de um jeito que funcionava para nós, sendo justo com Brian. Porque deu certo para ele com outros artistas. Ele está acostumado a dizer às pessoas o que elas precisam fazer, que músicas cantar e como cantá-las.

Eu adoro o trabalho dele com o Girls Aloud.
Pois é! O trabalho dele com o Girls Aloud foi o que nos atraiu. Ele tem uma equipe de pessoas que já fizeram coisas ótimas. Eu adoro isso. Na ocasião, eu vi que se fôssemos trabalhar com Brian seria o mesmo caso de por que John Lennon achou atrativo trabalhar com Phil Spector – porque era ele que comandava a música pop naquele momento. Brian era o mesmo: um mestre do pop. Mas, se tivéssemos continuado, para a gente teria sido pior do que o lance de pôr uma arma na cabeça. Não era uma boa combinação.

Vocês também lançaram uma versão dub do disco, chamada Blood . De onde veio a ideia?
Foi coisa do Dan Carey, pular de um extremo para o outro. Na verdade, se eu pudesse, colocaria Blood como o meu disco favorito. Porque Blood e Tonight são o mesmo disco… mas não são. Tonight é um disco alegre e aventureiro, mas Blood é o mesmo disco levado ao extremo mais alegre e aventureiro possível. Dan que pegou as nossas músicas e pirou completamente fazendo versões dub delas, que ficaram diferentes de tudo que já fizemos antes. Minhas versões favoritas de algumas dessas canções estão em Blood.

Cam Lindsay está no Twitter.

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