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Três controles de videogame pra você construir com papelão

Tá de olho no Nintendo Labo, mas não tem grana? Esse pesquisador te ajuda a criar ótimas gambiarras de papelão em casa.

Existe apenas uma maneira de interagir com mundos virtuais: através de controles. No PC, os dedos se posicionam confortavelmente sobre as teclas WASD; no console, o dedão já se posiciona por instinto sobre o direcional do gamepad. Mas o outro lado da moeda dessa familiaridade são as limitações desses controles, que apontam algo óbvio que pode passar despercebido: o controle também é responsável por modelar o que os videogames podem ser.

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Para uma indústria que fala tanto de avanço tecnológico, o gamepad permanece mais ou menos o mesmo desde o Famicom. A estabilidade do controle através do tempo permitiu que os jogadores de Super Nintendo não se sentissem alienados ao jogar um PlayStation em 1994. Tudo isso fazia sentido na época, mas deixa uma pergunta: como as coisas poderiam ser diferentes se os controles não fossem assim?

Enric Llagostera, 31, se interessou bastante por esse questionamento existencial dos games. E o seu projeto, gambi_abo, é uma forma de respondê-la.

O nome vem de gambiarra, a melhor palavra possível para definir o que Enric criou: uma série de 3 controles alternativos que você pode construir em casa com papelão e paciência. O site vem com fotos e instruções para você transformar seu mouse, teclado ou gamepad em um controle alternativo. Já imaginou se seu mouse parecesse uma peneira, e jogar Cookie Clicker fosse como garimpar ouro?

Enric é brasileiro, e estuda controles alternativos para videogames na Universidade Concordia, em Montreal, no Canadá. Enquanto a versão em português do gambi_abo não sai (prometida pro mês que vem), eu troquei uma ideia com ele pra saber como surgiu o projeto e por que controles alternativos importam.

VICE Brasil: Me conta do processo de criação de cada controle. Como você chegou na ideia final, e como você escolheu os jogos?
Enric: Cada controle levou mais ou menos um mês, e cada um deles partiu de um ponto diferente. No começo eu já queria trabalhar com essa tríade do teclado, mouse e gamepad por serem tão dominantes, e também trabalhar com jogos que já existiam. O primeiro GambiCon veio do Carrocalipse, um jogo do Pedro Paiva. Num mundo dominado por carros, pensei que você podia “dirigir” o personagem. E transformar as quatro setas direcionais em um volante e pedais me parecia um desafio legal.

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A ideia pro segundo controle era pegar um objeto que não tivesse essa conotação de controle — porque o volante ainda é uma interface de uma máquina, que é o carro. E aqui em Montreal tem muita gente no rolê do bitcoin, que é muita especulação, uma visão financeira do mundo onde o capital tá muito desligado das suas bases. Pensando um pouco nisso, me veio a ideia: se você tá “minerando” bitcoin, então vamos minerar bitcoin, e eu fiz essa peneira de garimpo que você usa para mover o cursor do mouse e clicar.

No caso do gamepad eu comecei mais pelo mecanismo do que pelo jogo. Eu tava experimentando com maneiras de tirar o gamepad da mão, fazer o gamepad se relacionar com movimentos do corpo inteiro. A primeira ideia foi fazer um controle pra surf no Counter-Strike, sabe?

Sei.
Eu comecei a fazer uns sistemas com cordas amarradas no sticker do gamepad, e tava funcionando, mas eu descobri que tenho muita náusea tentando jogar o surf no CS. Aí eu cancelei o projeto porque eu não conseguia testar o negócio. Mas quando rolou a Antifa Game Jam, um dos jogos da galera de Montreal é esse jogo de skate em que você faz grinding pra destruir o muro entre Estados Unidos e México. Eu achei muito legal, essa coisa absurda e de fantasia de poder, celebrando a luta política, e veio essa ideia de fazer meio que um tapete de DDR que é um skate.

Como começou o seu interesse por controles alternativos?
Desde que eu comecei a mexer com jogos, eu sou atraído por controles com sistemas de inputs estranhos. Uma das primeiras coisas que eu programei era um jogo que usava um microfone. Era uma corrida até o topo com jetpacks, com dois jogadores, em que o jetpack ligava com qualquer barulho no microfone.

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Depois eu fui mexer com jogos que usam geolocalização, jogos com visão computacional (QR codes e coisas assim), etc. É algo que eu me interesso faz tempo, mas a ideia de controles alternativos mesmo veio lá pra 2012, 2013. Foi quando eu comecei a ver [projetos] de uns conhecidos, tipo o Joon que tem uma oficina [de controles alternativos] chamada Burn The Keyboard. Era muito interessante, mas poucas vezes eu via uma dimensão política nisso.

Em 'Wise Head', você tem que cantar para controlar o jogo. Imagem: Enric Llagostera/Divulgação.

E porque o controle? Não costuma ser algo em que a gente pensa muito, então qual a dimensão política de um controle alternativo?
As interfaces dos jogos tem um papel muito importante, que é a coisa da conexão física do jogador com o jogo digital. Tem uma visão convencional do que é game design, na qual o controle tem que ser uma coisa transparente, uma coisa super eficiente. Você tem que esquecer que tá com a mão em um aparelho, seja esse aparelho um mouse, um teclado, um gamepad. É meio pra você esquecer que tem um corpo, pra você focar ali dentro do software. E de certa forma, a ideia de controles alternativos lembra que nós somos pessoas que possuímos corpos, que a gente tem outras formas de se mover e engajar com o conteúdo do jogo.

Qualquer coisa que muda a maneira que as pessoas jogam é uma oportunidade pra criar estranhamento, para quebrar a familiaridade do que é a experiência de jogar. Para mim um exemplo ótimo é jogar jogo de primeira pessoa com gamepad. É um negócio que muita gente considera natural, mas tem muita técnica envolvida ali. Tem muito conhecimento e convenção acumulada pra conseguir jogar, tem várias regrinhas não ditas de como usar aquilo. E o controle alternativo tem o potencial de zerar isso.

Isso acaba tendo um aspecto inclusivo, por criar um convite pra que as pessoas que não estão acostumadas com videogame joguem, uma coisa que é divertida mas também pode quebrar um pouco essas exclusões que a gente vê no videogame. De certa forma, o controle alternativo poderia ser uma maneira de cutucar e quebrar um pouco a identidade gamer, e traz à tona que os controles e as interfaces que estamos acostumados não são muito acessíveis.

Burn The Keyboard, oficina de controles alternativos do artista Joon. Imagem: Joon/Divulgação.

Uma das coisas que eu mais gostei do gambi_abo é que todos os materiais são bem acessíveis. Você já tinha visto esse material sendo utilizado pra isso?
Sim, as pessoas já faziam isso, como o Joon do Burn The Keyboard. Acho importante valorizar isso, porque fazer o gambi_abo pra mim não é dizer que eu tive uma idéia ultra original de fazer controles de papelão. Eu tô tentando participar de uma conversa que as pessoas já estão tendo faz tempo, apontar que essa conversa existe e dar uma força para que ela permaneça aberta para todos.

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