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Noisey

Todos nós devemos celebrar o lançamento de 'Invasion of Privacy' da Cardi B

Cardi B cumpriu o prometido e finalmente o disco de estreia da rapper chegou. Acompanhe nossa análise faixa-a-faixa.

Matéria originalmente publicada no Noisey US.

Momentos como estes — em que a comunidade rap como um todo pode observar a ascensão meteórica de um artista culminar no lançamento de um disco capaz de fazer o mundo parar por um instante — são raros, mas fazem valer a pena acompanhar o gênero. Não há nada que se compare a fazer parte de um momento tão importante, mesmo que seu papel se limite a dar uma olhada no Twitter e trocar uma ideia com os outros sobre suas opiniões a respeito do disco. Muita gente não achou que Cardi B fosse conseguir chegar até aqui, alguns até mesmo torciam contra. A naticva do Bronx fez uma transição suave de estrela das redes sociais a estrela de reality e finalmente estrela na história do rap, mas a palavra-chave das fases de sua carriera é estrela. Cardi tem uma essência e qualidade única sua que não pode ficar presa a um único caminho, ela é uma entertainer de primeira linha e estamos todos aqui para acompanhar sua jornada, o que é precisamente o motivo pelo qual seu disco de estreia, Invasion of Privacy é uma das maiores apostas da história recente do rap.

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A pergunta que nos fazemos agora, Invasion of Privacy é um bom disco? Testemunhamos seu amadurecimento com a série de mixtapes Gangsta Bitch Music, em que a rapper viveu as agruras de encontrar sua própria voz. Foi ali que ela mostrou a que veio em sons como “Foreva” e “Lick”, aos poucos se transformando em uma artista que hoje domina as paradas da Billboard. Conhecida por sua sinceridade e capacidade de meter o loko geral, ficamos sabendo tanto de sua vida pessoal que isso acabou pesando pra própria rapper. Invasion of Privacy é um disco de estreia honesto de uma rapper que construiu toda uma marca em torno de si com a ideia de ser “normal”, mesmo ela já não sendo tão normal assim.

Nossos redatores Lawrence Burney e Kristin Corry analisam Invasion of Privacy faixa-a-faixa e eis suas primeiras impressões do disco.

“Get Up 10”

Lawrence: “Went from making tuna sandwiches to making the news” é uma analogia do lixo ao luxo que consigo ver se realizando por completo. É uma aula de como se começar um disco de rap daqueles que define toda uma carreira. Cardi passa um quarto da música revivendo os dias duros que viveu fazendo das tripas coração até que o jogo virasse. Se você quer mesmo fazer uma declaração clara é preciso manter os pés firmes no chão, se você vai fazer jus ao que foi dito pouco importa, mas Cardi já nos manda um alerta bastante convincente logo de cara.

Kristin: Tô aqui pela vibe “Dreams&Nightmares” 100%, só me preocupa que ela vá acabar soando como qualquer um menos como ela mesma. É uma excelente forma de começar um disco de estreia e já vimos estas introduções mais introspectivas funcionarem muito bem. Cardi se adapta muito bem a qualquer estilo de flow que queira usar. Ela dominou o flow de Kodak em “Bodak” e soa quase como um quarto integrante do Migos em “Drip”. Quero Cardi soando como Cardi. É de se admirar que ela queira se valer daquilo que fez a intro de Meek tão boa, mas parece um desserviço a si mesma ao tentar emular aquele som. Morri de amores pela mudança na batida rumo ao final.

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“Drip”

Kristin: Esta não é uma música ruim, mas acho que teria curtido mais ela em Culture II.

Lawrence: Essa provavelmente é uma das que menos gosto. Na real eu gosto menos de músicas dela com participação do Migos. O disco estaria ótimo sem ter esse som aqui.

“Bickenhead”

Kristin: Veja só Lawrence, você estava certo quanto ao sample de Project Pat. De cara, esperava que essa seria a faixa com participação de YG, mas essa versão me convenceu. O melhor da Cardi é como ela consegue redefinir os rótulos que a sociedade lhe impõe e torná-los algo unicamente dela. Agora que a legenda de todo mundo no Instagram será “bickenhead”, o que é doidêra demais porque em 2001 não era a forma mais lisonjeira de se chamar uma mulher. [Nota: bickenhead é uma referência à chickenhead, termo misógino utilizado para designar uma mulher considerada burra]

O verdadeiro teste de um hit pra mim é quando me ligo que passei mais tempo cantando ele do que me maquiando e esse aqui vai passar com honras.

Lawrence: VIDA LONGA AO TRIPLE 6 MAFIA. Não tinha como Cardi sair perdendo nessa ao samplear “Chickenhead” do Project Pat porque cada vez mais temos provas de que qualquer coisa produzida por DJ Paul e Juicy J desafiará barreiras geracionais. Digo, o Crunchy Black parecia ser um problema de tempos em tempos, mas de qualquer forma, o que Cardi faz aqui é perfeito porque mais que ela não tenha pego La Chat para participar desse som como eu gostaria que tivesse feito, o tanto de maneiras que ela lista de “brincar com a xaninha” parecem como uma homenagem a outro clássico de Le Chat, “Slob On My Cat”.

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Kristin: Já sacamos, Lawrence. Triple 6 até você morrer.

“Bodak Yellow”

Lawrence: Todos nós adoramos esse som. “Bodak Yellow” domino o verão, lembro de ver Cardi cantando ela no Moma PS1 e foi o público mais CONGESTIONADO do qual já fiz parte. Se desse alguma merda naquele dia, pelo menos umas dez pessoas morriam pisoteadas. Ouvir o som naquele contexto, com toda aquela empolgação coletiva é um dos meus momentos favoritos do hip-hop de todos os tempos. Dentro do contexto do disco, gosto que ela vem logo após “Bickenhead”, mantendo a energia em alta, então finalmente a marcha é trocada com “Be Careful”. Isso mostra a amplitude de Cardi.

Kristin: Sempre que rola o drop, me pergunto “Será que já superei esse som?” e toda vez ele me pega do mesmo jeito, como se fosse a primeira vez. Estava preocupada de que talvez não batesse com o resto do disco, mas é bem o contrário. “Bodak” deu o tom e alinhou nossas expectativas pro disco e acho que dá pra dizer numa boa que ela cumpriu o prometido.

“Be Careful”

Lawrence: Logo que esse som saiu, muito se falou sobre como ele era diferente de “Bodak Yellow”, mas não sei de onde tiraram que Cardi B seria capaz de fazer só um tipo de música. Enquanto todos esperneavam por nada, ela rimava em cima de batidas New Jack Swing e cantava em espanhol em uns sons de pegada dancehall. O que brilha nessa faixa mesmo é o fato de que ela soa como se pudesse ser encaixada em qualquer momento do rap dos últimos 25 anos; Cardi revela camadas suas de forma a compartilhar detalhes de seu relacionamento, ao mesmo tempo em que alerta que não ficará por perto para sofrer mais, o tipo de música que faz parte da cena já há algum tempo.

Kristin: Eu amo essa música, de coração. Muita gente diz que ela não devia cantar nos ganchos e que está fora do ritmo, mas na real isso está além do que amo em Cardi. Ela sempre foi meio atrapalhada na hora de cantar, o que me parece ainda mais sincero, na verdade. As mesmas pessoas falando merda são aquelas que elogiaram caso alguma de suas contrapartes masculinas resolvesse lançar uma faixa assim. Sendo bem honesta, “Be Careful” é melhor que “Get to You” de A Boogie, ambas fazendo referência a “Ex-Factor” de Lauryn Hill. Ela me ganhou com a referência à Barra Pesada, mas o mais importante de tudo é que isso aqui soa como Nova York no verão, a Nova York de verdade.

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Minha maior preocupação mesmo é o bafafá em torno da faixa de referência postada pouco depois do lançamento do single. Não é segredo nenhum isso de as pessoas terem ghostwriters, mas não consegui deixar de pensar no que de fato ela escreveu enquanto ouvia o resto do disco. Seria ingenuidade minha pensar que todo mundo compõe tudo, mas é algo pra se ter mente. Acusações do tipo não afetaram Drake e não deveriam afetá-la também. A forma como sua vida se desenrolou diante de nossos olhos faz desta faixa incrivelmente intimista, então se for tudo real, ouvir Pardison Fontaine na faixa de referência acaba desapontando um pouco. Quero acreditar que Offset a emputeceu on suficiente a ponto destas serem mesmo suas palavras.

“Best Life”

Kristin: Fiquei empolgadaça que ela fez uma participação com Chance, mas parece que ele não deu o máximo de si nesse som, sem aquela pegada que rola em Life of Pablo ou qualquer outro projeto do tipo. Parece meio preguiçoso vcindo dele, ainda mais se comparamos on gancho ao seu verso, que é o mais animado que conseguimos com Chance. Quando ele diz "I work magic, I work magic, I work magic in my life", sinto que o Pastor Chance está de volta, passando unguento em mim. Se estamos falando de viver o melhor possível, tem que ter mais energia. L

Lawrence: Concordo com o comentário em relação à participação dele no gancho, isso fica aparente ainda mais quando notamos a energia com que Cardi aparece em seu primeiro verso, mas gosto bastante dele aqui. A analogia de Cardi feita no começo foi ótima, mas Chance chegou com "'Member my hands had ash like Pompeii" e o jogo virou. O que brilha neste som é a franqueza de Cardi sobre como viver sob olhar público a afetou. Da preocupação com os dentes antes de consertá-los até conhecer Beyoncé, um indicador real de que ela realmente havia chegado de vez. Rappers sempre falam desse tipo de coisa, mas o que faz tudo valer é que pudemos ver Cardi dar esses passos dos quais está falando.

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Kristin: Concordo. Ouví-la dizer “I never had a problem showing y’all the real me/Hair when it’s fucked up, crib when it’s filthy”, bem, dá pra literalmente apontar os momentos em que parecia que ela tinha saído direto da cama pra trocar uma ideia com os fãs. É essa transparência que faz com que as pessoas realmente torçam por ela, ela é a antítese daquele personagem perfeito que as pessoas postam nas redes sociais. Nós literalmente a vimos passar de uma sensação local a BARDI. Amo essa referência à “Binderella”e até queria que esse fosse o título do disco.

“I Like It”

Kristin: A Cardi realmente pesquisa pelo próprio nome no Twitter, isso de “Yup, they call me Cardi B, I run this shit like cardio” foi mesmo uma referência ao tuíte e é exatamente isso que ela quer dizer na faixa com Chance. J Balvin e Bad Bunny chegaram com tudo! Trate como se fosse um som seu, não coloque só umas sobras de melodias!

Lawrence: Isso daqui vai bombar em toda e qualquer festa em Nova York neste verão e mal posso esperar.

Kristin: Me inscrevendo pra aulas de bachata a-g-o-r-a.

“Ring”

Kristin: Acho engraçado criticarem o fato dela cantar seu próprio gancho em “Be Careful”, insinuando que Kehalni ou SZA deveria fazê-lo… Kehalni está aqui e a faixa não chega nem perto da força da outra. E aí?

Lawrence: É uma boa música e já aceitei o fato de que a ouvirei tocar no rádio o tempo todo.

Kristin: Não fez minha cabeça. Se vamos seguir com aquela teoria do ghostwriter, diria que que essa é a “faixa do Offset” oficial, mas “Be Careful” era a escolha mais contagiante e inteligente pra valorizar a treta toda. Tudo especulação, claro.

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“Money Bag”

Kristin: Isso aqui com certeza é o mais próximo que ela chegou de algo semelhante à “Bodak”. Se eu ganhasse um pila pra toda vez que visse “I said babe, issa snack/He say it’s an entree” no Instagram alheio daqui por diante, pagaria todas minhas dívidas. Referências a Plies e Beyoncé num verso são a maneira correta de garantir que algo vá bombar pelas redes sociais e ela sabe disso. Todas as confissões excêntricas em Love & Hip-Hop estavam nos preparando para este momento. Ela alonga mesmo a voz até onde pode aqui, o máximo que precisa. E falar de SACOLAS DE DINHEIRO é sempre sucesso.

Lawrence: Quando esse som começou, botei fé que pularia ele nos primeiros 30 segundos. Mas aí Cardi engrenou e levou a coisa pra outro nível. Como você disse, em questão de flow, ela segue nos passos de “Bodak Yellow” em alguns momentos, mas a energia de Cardi aqui leva tudo além.

“Bartier Cardi”

Lawrence: Curto a ferocidade de Cardi no flow desse som. Sempre pareceu que ela tinha algo a provar com essa música e deu certo. O tom de voz de 21 é o que faz valer seu verso, mas ele realmente não se esforçou aqui.

Kristin: Eu ainda curto essa música e acho que ela cumpre seu papel de manter em alta aquilo que podemos chamar de sonoridade da Cardi. Gosto do 21 aqui, independente das coisas questionáveis que ele afirma fazer com molho de pimenta.

“She Bad”

Kristin: YG, você tinha que estar em “Bickenhead”! Gostaria mesmo que Yo Gotti estviesse ali. Cardi certamente está suave aqui e joga umas mensagens subliminares, então boto fé que esse som vá gerar algumas especulações. Claro que podem ser só uns insultos vazios, mas sabemos que as mulheres no hip-hop não funcionam assim. Chorei com a frase de YG “ “Only Birkin, not Dooney & Burke”. Uma galerinha ouvindo isso aí deve ter escondido sua coleção de bolsas Dooney no fundo do armário.

Lawrence: Mais uma do guia Three 6 Mafia de flow. Como a maior parte dos sons que o precedem, “She Bad” pode muito bem virar um hit – na pior das hipóteses seguirá como arroz de festa em boates e baladas pelo resto do ano. YG tem essa incrível capacidade de fazer ganchos eficazes mesmo sem falar muita coisa, some isso à produção e flow de Cardi e temos uma faixa que vale ser ouvido diversas vezes.

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“Thru Your Phone”

Kristin: Esse gancho é… Interessante, meio Lana Del Rey? Mas caralho, que som mesquinho da porra. Ela cantou mesmo “I’ma make a bowl of cereal with a teaspoon of bleach/Serve it to you like, here you go nigga bon appetit”? Valeu, Eminem. Essa aqui queria poder ver um clipe, uma Cardi recortando línguas de tênis e quebrando televisores.

Offset, te cuida.

Lawrence: A lição é clara: caras, não traiam suas namoradas, a não ser que queiram alvejante no café da manhã.

“I Do”

Kristin: Duas rainhas falando um monte de merda. Gostei. E é demais ter visto essa colaboração ganhar a vida. Queria que tivesse algo mais no disco levando em conta que “Bodak Yellow” e “Bardier Carti” foram tocadas à exaustão. Um aviso: caso eu não responda suas mensagens, é porque SZA e Cardi me disseram pra não responder mesmo.

Lawrence: Amo essa faixa (SZA, canta mais uns trap, por favor!), mas a pegada pede que ela seja metida no meio do disco. Encerrar Invasion of Privacy assim o faz parecer incompleto. O som me deixa tão empolgado que eu queria ter algo pra me acalmar antes de vazar. Mas levando em conta o título do disco, Cardi cumpriu o que prometia. Ela tem um histórico de nos mostrar muito de sua vida nas redes sociais e ao compartilhar suas experiências em detalhe como o faz, me resta interpretar que o que ela queria dizer é que “Vocês já tão em cima de mim, especulando e o cacete, então eu mesma prefiro mostrar tudo. Eis minha verdade”. Não é isso que queremos de nossos artistas? Ao menos aqueles que queremos manter na memória? Queremos um convite para seus sentimentos mais privados – não importando o quanto isso acabe os devorando – para que possamos nos sentir ligados a eles.

Lawrence Burney e Kristin Corry são redatores aqui no Noisey.

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