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Música

‘All Eyez On Me’, o biopic do Tupac, é uma comédia acidental

O longa não tem nada de brilhante, e justamente por isso pode ganhar o status de cult.
Foto por Michael Garcia/Thinkjam

Artigo originalmente publicado no Noisey US.

Qual foi a última vez que você abandonou um filme pela metade? Caiu fora mesmo, balde de pipoca na mão, obrigando todo mundo a se apertar na poltrona pra que você pudesse sair. Quando foi a última vez que você decidiu que mesmo com o ingresso caríssimo e o tempo ali perdido olhando pra tela era melhor ter ido ver o filme do Pelé?

Eu não sou o tipo de pessoa que larga uma sessão de cinema pela metade, por pior que o filme seja, simplesmente porque quero poder falar mal da coisa como um todo depois. A última vez que fiz isso foi em meados dos anos 2000, quando Brad Pitt, Orlando Bloom e mais um monte de atores que deveriam sentir vergonha até hoje estrelaram Tróia. Acredito ter aguentado 20 minutos naquele cinema meio cagado antes pegar minha bolsa breguíssima de veludo cotelê e dar no pé.

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Durante uma das sessões prévias de All Eyez On Me, filme biográfico de Tupac dirigido por Benny Boom, quase corri pra saída umas três vezes. Uma delas, quando uma cena de show se estendeu por bem mais do que deveria, clamando por uma boa edição. A outra, numa cena em uma casa noturna que se atinha tanto a bundas que acabei rindo alto pra cacete. Já a terceira foi quando uma mulher foi retratada como mentirosa vingativa num caso de abuso sexual muito mais complexo do que o filme dá a entender, optando por mostrá-la sorrindo escrotamente enquanto o juiz dava a sentença no tribunal.

Já falamos do filme aqui antes, em entrevistas e ensaios, então não quero ficar voltando ao que já foi dito, mas agora que o filme está em cartaz há algumas semanas nos EUA e conseguiu impressionantes 27 milhões de dólares na semana de estreia, há espaço para reflexão. Dito isso, gostaria de deixar clara minha inequívoca esperança de que o filme venha a se tornar o The Room dos filmes biográficos musicais, digno do status cult de lenda e exibições pela madrugada em que todo mundo se reúne pra reviver o sofrimento de assistí-lo mais uma vez. Porque por mais que ocorram boas escolhas de elenco em All Eyez On Me, belo uso da obra de Tupac e uma tentativa de enfiar informação goela abaixo em duas horas, falando em termos objetivos, o filme simplesmente não é bom. Com avaliação de 20% no Rotten Tomatoes até o fechamento desta matéria, o que comprova esta última afirmação, pelo menos na visão dos críticos. Seu roteiro e cinematografia, nos pontos mais baixos, poderiam render à película uma sobrevida como comédia, indo além da empolgação e bafafá que levaram as pessoas ao cinema até agora.

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A reação negativa de quem era próximo a Tupac ou ao projeto deu pinta desde o lançamento de All Eyez On Me. No dia da estreia — o aniversário de Tupac — Jada Pinkett Smith deixou claro seu descontento na forma como o filme retratou sua relação com Tupac, em uma série de tuítes. Na semana passada, John Singleton — que havia sido escalado para dirigir o filme originalmente, antes de abandonar o barco sob circunstâncias ainda misteriosas — deu sua opinião sobre o filme de Boom durante entrevista numa rádio.

Quando questionado sobre o que mais lhe desagradava, o resultado final ou como algo havia sido efeito, Singleton parecia arrasado "Digamos assim: quando Spike Lee estava fazendo Malcolm X, gente na rua o parava pra falar 'Spike, não estrague Malcolm X — isso é muito importante pra gente'. Os envolvidos neste filme não tiveram nenhuma pressão nesse sentido, só fizeram um filme. Ninguém o encarou como um evento cultural, no sentido de ser algo que afetou nossa geração, tá me entendendo? Pessoas mais jovens, que não entendem o legado de Tupac Amaru Shakur, só vão lá ver um filme com uma estrela do rap. Mas o cara era bem mais que isso e é isso que me chateia."

All Eyez, de forma até que compreensível, sofreu pra lidar com as diversas texturas da vida de Tupac, deixando-as de lado para entregar algo com certo brilho. O que sobra é uma história que implora para ser contada em uma série de TV com diversas partes ou resumida com maior foco para funcionar dentro de um longa. No final das contas, é isso que dá ao filme sua cara de comédia acidental, como The Room. Ao tentar colocar tudo de Tupac ali — suas hipocrisias, seus vários eus públicos, seu amadurecimento político, sua eloquência diante de uma sociedade profundamente atrasada — e perder os detalhes pelo caminho, acabamos com um filme que, como disse Singleton, parece mais aquele filme sinistro da Aaliyah do Lifetime do que com Straight Outta Compton, Selena ou Control. Ao passo em que esta versão da história de Tupac não agrada nem Singleton nem Pinkett Smith, ela está cheia de citações excelentes e cenas acidentalmente hilárias que garantirão seu status de cult. Vendo assim, não teria muito porque abandonar o filme pela metade.

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