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análise

O amadorismo da capa do disco do Kanye é o lado bom da internet

A foto usada pelo rapper em ‘Ye’ foi tirada e editada com um celular, como tantos outros materiais que milhões de pessoas criam (e amam) diariamente.
Foto: Kanye West, via Yenerator.

De acordo com Kim Kardashian, Kanye West fez a foto de seu novo disco ye “em seu iPhone no caminho da festa de audição do disco” na última quinta-feira.

Ao passo em que a capa de The Life of Pablo evocava algo de MS Paint, ye já tem um jeitão de story do Instagram. É uma boa capa, boa o suficiente.

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No meu tempo livre tenho ouvido um podcast chamado “ The Podcast Engineering Show”. Ao longo do programa, seu apresentador Chris Curran fala com produtores de podcasts sobre seus processos de produção. Tenho dado atenção a isso porque há pouco tempo voltei a apresentar e produzir o podcast Radio Motherboard. Eu gravo o programa no meu quarto utilizando uma interface de áudio USB comum, um microfone de uns 80 dólares, Skype e uma mesinha de mixagem que custou uns 150 dólares. Tudo é editado no Adobe Audition, mas quase todo esse equipamento é meio exagerado.

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Estou longe de ser um engenheiro de áudio (ainda estou aprendendo!), mas já foram lançados seis episódios nas últimas três semanas. Eles não soam exatamente perfeitos, há alguns cortes, umas vozes estouradas e um pouco de estática quando o Skype cai. Nem sempre os volumes estão adequados, mas está bom o suficiente.

Todos estes detalhes podem ser consertados com tempo, cuidado, conhecimento e equipamentos melhores. Em linhas gerais, este é o conceito do The Podcast Engineering School e milhares de vídeos no YouTube, artigos e podcasts pela internet. Já ouvi, li e assisti muitos destes.

Temos muitos podcasts com uma qualidade de som fantástica por aí; alguns até mesmo constroem verdadeiros panoramas sonoros e utilizam o som como um dispositivo narrativo de forma a transportar seus ouvintes para aquela história. Nada disso é nosso objetivo com o Radio Motherboard: queremos discutir notícias, entrevistar as pessoas por trás das notícias e discutir os temas sobre os quais estamos escrevendo. Queremos que soe bem, mas não precisa ser perfeito.

É possível, ao menos de acordo com as entrevistas que ouvi no Podcast Engineering School, passar horas e horas removendo cada “hm” e “ah” de forma a diminuir a duração dos podcasts e remover quaisquer “respiradas” dos apresentadores ou entrevistados. Há centenas de plugins que podem ser usados para manipular sons e engenheiros de áudio saem no tapa quando se fala de estações de trabalho de áudio digital (DAWs) ou que microfone deve ser usado em que situação. E tudo bem. Trabalhar com som é dureza, é uma profissão e tanto e pode muito bem ser arte caso você assim o queira.

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Mas a tecnologia da qual todos dispõem muitas vezes é boa o bastante para criar algo que pode ser lançado pro mundo ver sem se passar vergonha. O Skype conta com redução de ruído, o Adobe Audition conserta volumes com um só clique e é possível gravar áudios decentes no iPhone numa emergência.

Há anos temos lançado episódios intermitentes do Radio Motherboard porque nos preocupávamos em deixar o áudio e edição perfeitos, e o resultado disso foram pouquíssimos episódios indo ao ar. Queria mesmo que tivéssemos feito mais coisas nesse tempo porque eu curto gravar esses podcasts e caso tivéssemos feito mais dele, entenderíamos mais do assunto a essa altura do campeonato.

Nos últimos tempos, produções de qualidade tem tomado porradas a torto e a direito porque um monte de doidinho decidiu que conteúdo, voz e personalidade importam mais do que garantir uma produção perfeita. Alguns dos YouTubers mais populares — alguns dos maiores nomes do entretenimento, inclusive — são pessoas que sentam num cômodo qualquer e falam para uma câmera e então lançam isso na rede. Outros são vloggers que publicam vídeos diariamente utilizando tecnologia comum com pouco conhecimento ou talento para produção e edição. Plataformas como Instagram e Vine criaram celebridades e influenciadores que filmaram umas coisas bacanas em seus iPhones. Milhões assistem streamers do Twitch que param tudo pra ir no banheiro no meio de transmissões e continuam no ar, deixando uma cadeira vazia pro mundo inteiro assistir.

Então acho que o ethos por trás da capa do novo disco de Kanye é dos bons. Ele tirou uma foto com o celular e meteu na internet, foi bom o bastante.

Este artigo foi publicado originalmente pelo Motherboard US.

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