Dizer que o ambiente está à beira do colapso é repetir o óbvio. Nossa fome insaciável por frango, porco, ovos e outros produtos alimentícios animais está ajudando a detonar o clima, as florestas e a camada de ozônio. Um relatório do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) estimou que, no Brasil, cada R$ 1 milhão gerado pela pecuária gera também R$ 22 milhões em impactos ambientais, com destaque para gases causadores do efeito estufa e desmatamento. A criação de gado degrada o solo, a água e os biomas locais. Se vacilarmos, vamos destruir o ambiente em nome de uma dieta dependente de proteína animal. A solução está naquilo que outrora pousava em nossas sopas: as moscas.
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Para a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla original), devemos nos preparar para dietas ricas em insetos. De acordo com um relatório da instituição, "insetos podem converter 2 kg de alimento em 1 kg de massa corporal; em comparação, bovinos necessitam de 8 kg de alimento para produzir 1 kg de ganho de peso". Outra vantagem no consumo dessas criaturas é que podem emitir de 10 a 100 vezes menos gases do efeito estufa que a pecuária tradicional. A alimentação dos insetos pode consistir de dejetos humanos e animais, diminuindo a necessidade da produção de rações, cultivo que é responsável por outros males ambientais, como a monocultura.Embora insetos já façam parte dos hábitos alimentares de 2 bilhões de pessoas, a FAO quer incentivar o resto do mundo a colocar esses artrópodes no prato. Além de questões culturais, a organização afirma que é preciso que haja "aumento da inovação na mecanização, automação, processamento e logística para reduzir os custos de produção a um nível comparado a outras fontes de alimento".O mercado já está se preparando. Nos EUA, Canadá e Europa, pequenas empresas e startups já começaram a surgir, dedicadas a criar e comercializar insetos como fonte de alimentação. A consultoria Arcluster estima que o mercado global de insetos para alimentação deverá ser de US$ 1,53 bilhão até 2021. No Brasil, a startup Hakkuna está pronta para começar a produzir barras de cereal feitas de grilo. Criada por Luiz Filipe Carvalho, engenheiro de materiais de formação, a empresa tem também o zoologista Gilberto Schickler como sócio. Atleta amador, começou a se interessar pela entomofagia durante o mestrado. "A bolsa não pagava muito bem e eu não queria comprar whey protein, que é muito caro", conta. Aluno de Schickler em cursos de criação de insetos, começou a fazer experimentações. "Peguei uma quantidade de grilo, desidratei e fiz um protótipo de uma granola com farinha de grilo. Ficou super gostoso e pensei que poderia dar certo."
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A Hakkuna pretende comercializar as barras de proteína em ou ano ou menos. Atualmente, estão em busca de um investidor para estruturar o negócio e começar a produção numa escala razoável. Os sócios apostam na qualidade do produto. "Os insetos têm a mesma composição nutricional da maioria das carnes", explica Schickler. "Eles têm um 'pool' de aminoácidos que compreende todos os que o organismo necessita. Assim como as carnes, são uma fonte bem completa de nutrientes. Têm gorduras ômega 3, ômega 6, que são benéficas. É um alimento que promove saúde quando consumido de forma adequada. A gente abate o grilo, desidrata e faz um farinha com ele", diz Carvalho. "Cem por cento do inseto vira essa farinha, que tem 69% de proteína. Isso é interessante para atletas e quem busca proteína de qualidade; ela tem absorção boa."
Mas isso não quer dizer que esses animais vão substituir seu churrasco ou seu bife com fritas. "Insetos não vão substituir as carnes", afirma Schickler. "O objetivo é complementar a alimentação. Existe hambúrguer, nuggets, feitos com a farinha de grilo." Especialista em entomologia e pesquisador da inclusão de insetos na alimentação humana, Ramon Santos de Minas concorda: "Acredito que a substituição seja improvável" porque "o Brasil culturalmente é apaixonado por carne". Professor, biólogo e agrônomo, Santos de Minas trabalha com o tema no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul.
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"A criação de insetos é menos agressiva, o custo é infinitamente menor e os impactos ambientais praticamente não existem", diz o pesquisador. Na opinião dele, algumas barreiras precisam ser transpostas. "Acho que precisamos de divulgação, investimento por quem acredite no mercado e, principalmente, que as pessoas estejam abertas a novas experiências." O Brasil, acredita, tem grande potencial: "Já existem até escolas inserindo a ideia de tornar a Antropoentomofagia uma disciplina para os cursos de engenharia de alimentos e gastronomia. Ao meu ver falta investimentos e boa campanha de marketing." O preço, porém, torna o produto inviável. "Hoje um quilo de inseto desidratado custa R$ 350, bem mais que um quilo de picanha que custa R$ 45 ou de camarão, que custa R$ 60", estima." Os insetos são crocantes, lembram nozes. São como camarões."
Uma alternativa é produzir insetos em casa. Se depender da designer industrial austríaca Katharina Unger, toda cozinha terá um suprimento de larvas de mosca. Unger é a dona e criadora do Livin Farms, um aparelho que cria insetos para consumo humano e não ocupa um espaço maior que um micro-ondas. A "colméia", como o aparelho é chamado, tem a capacidade de produzir 150 gramas de proteína de inseto por semana. Se as larvas de mosca soldado-negro (a espécie recomendada) forem consumidas puras, seu teor de proteína é o mesmo da carne bovina. Unger crê que os ocidentais vão consumir insetos "da mesma maneira as pessoas comem nozes e castanhas hoje em dia". "Será apenas 2% das necessidades de proteínas diárias, o que é muito pouco". Segundo a designer, para disseminar esse costume, o boca a boca será essencial. "A estratégia de curto prazo é motivar seus semelhantes. Quem vê seus amigos comer, ficará mais inclinado a comer. Motive a você mesmo primeiro, depois a outros. Também ajuda a falar de texturas agradáveis. Os insetos são crocantes, lembram nozes, lembram camarão. São como camarões."
Apesar do entusiasmo, há quem prefira ser cauteloso a respeito do futuro dos insetos. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos EUA, diz que a criação de grilos só diminui de fato o impacto ambiental se os animais se alimentarem de dejetos. Caso contrário, a obtenção de proteína desse tipo de produção é muito similar à conseguida na pecuária.De qualquer maneira, é melhor estar preparado. As moscas vão entrar na sua boca. E você, provavelmente, vai gostar.