Família Muniz em Brumadinho
"A gente era muito grudado, eu e meu pai. Tenho uma horta e, quando ele não estava na Vale, me ajudava na plantação. Sempre foi um pai presente e um avô carinhoso”, lembra Aline Muniz (de vestido) sobre o pai (de uniforme), desaparecido. Foto: Arquivo pessoal

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saúde mental

O luto e a saúde mental da população de Brumadinho

Pesquisadora explica que o processo é totalmente diferente para quem ainda não teve acesso ao corpo de um familiar.

“Eu me sinto confortável de ter tirado ele da lama e ter dado um enterro digno.” Esse é o desabafo de Diego Muniz, 27, que conseguiu, após uma semana do rompimento da barragem Mina do Feijão, de responsabilidade da Vale, em Brumadinho, realizar o sepultamento do tio Claudio Pereira Silva. O funcionário terceirizado da mineradora tinha 45 anos, trabalhava há cinco com a limpeza de vagões que transportavam minério e está entre os 157 mortos contabilizados, até o momento, pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Outras 182 pessoas continuam desaparecidas. Além da perda do tio, Diego acompanha a busca pelo sogro desaparecido. Sua companheira, Aline Muniz, 26, ainda espera encontrar o corpo do pai, Levi Gonçalves da Silva, 59, que trabalhava junto com Claudio. Pelas características da tragédia, de acordo com os Bombeiros, a chance de encontrar sobreviventes é mínima.

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Diante disso, o desafio para familiares e amigos é o de lidar com a elaboração do luto de centenas de vidas que foram interrompidas. Uma das principais dificuldades do luto em tragédias como essa é o fato de envolver mortes violentas e inesperadas. “Quando uma pessoa está doente, ela pode morrer a qualquer momento, mas as vítimas do rompimento da barragem saíram para trabalhar, passear, para se divertir. Elas iam voltar e isso [a tragédia] foi violento, foi repentino”, detalha a professora e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia e do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres da USP (Universidade de São Paulo) Elaine Alves.

A interrupção violenta e inesperada dessas vidas dificulta o luto. Enfrentar tantas perdas exige tempo e cada pessoa tem o seu período. Além disso, conviver com o fato de não ter acesso ao corpo é outro obstáculo no processo. “Eu acho que isso é um sonho e que ele ainda pode voltar. Quando não há corpo, não há nada e o que fica é um sentimento ruim de não ter achado, de não saber se vai achar. Se os bombeiros falarem que vão terminar as buscas e que não vão mais achar nenhum corpo, acho que a minha família não vai estar preparada”, conta Aline Muniz.

Para a pesquisadora Elaine Alves, o luto é totalmente diferente para quem conseguiu realizar o sepultamento em comparação com aqueles que esperam o corpo ser encontrado. “As pessoas que puderam enterrar fecharam um ciclo e esse luto pode começar, mas há outros familiares que querem encontrar os corpos dos desaparecidos e dar um final digno para eles, já que a morte não foi digna", pontua. "Se a pessoa não encontra o corpo, fica um ciclo que não se fecha e essa sensação de que não acabou fica para sempre. É muito difícil elaborar esse luto, ele fica em aberto."

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Diego Muniz conseguiu fechar esse ciclo quando enterrou o tio, considerado por ele como um segundo pai. “Graças a Deus, encontramos meu tio inteiro e, de certa forma, é um alívio no coração, apesar da falta continuar a mesma. Ele era muito novo e brincalhão. Todo mundo que a gente conversa só lembra coisa boa sobre ele.”

A escuta e a “autorização do sofrimento”

Elaine Alves destaca que a tragédia de Brumadinho apresenta um contexto em que o luto é caracterizado pela escuta entre aqueles que tiveram perdas. Por esse motivo, ao conversarem sobre as mortes, ocorre uma união que possibilita o acolhimento. “Geralmente, quando se está sozinho no luto, muitas pessoas não têm paciência de ouvir. Como várias pessoas perderam, elas estão dispostas a escutarem umas às outras. São várias pessoas da mesma comunidade que perderam as mesmas coisas, então elas se acolhem”, explica.

A comunidade do Córrego do Feijão, diretamente atingida pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, tem se unido para se fortalecer diante dos futuros desafios. Como destaca Aline Muniz, “tem muita gente traumatizada com o acontecimento, então a comunidade está se juntando mais e tentando buscar forças um com o outro para tentar resolver os problemas que a gente vai enfrentar daqui pra frente”.

De acordo com a pesquisadora Elaine, é importante que as famílias tenham o sofrimento autorizado, ou seja, a dor da perda precisa ser dita e também ouvida por quem acolhe. “Não é a fala ‘tudo vai passar’ ou ‘você tem que ser forte’ que vai ajudar neste momento, pois não tem como ser forte numa situação dessas. É preciso respeitar que isso é um momento muito difícil, o que aconteceu com eles é um absurdo, sim, e ninguém sabe como eles sairão disso”, conclui.

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