Se existe um futebol mais bagunçado que o brasileiro, esse é o da Indonésia
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Se existe um futebol mais bagunçado que o brasileiro, esse é o da Indonésia

A política polarizada, a corrupção e a vista grossa da FIFA paralisaram o esporte mais popular do país.

Ainda que a Indonésia esteja distante dos escritórios de vilão do James Bond da FIFA, é possível encontrar em Jacarta, a capital do país asiático, evidências da inepta organização futebolística internacional. Por lá, a bola simplesmente parou de rolar. As pistas de que a coisa tá feia tomam forma na decadente Associação de Futebol Nacional Indonésia (PSSI, na sigla original) que costumava gerenciar o futebol no país. Digo "costumava" por um motivo simples: o governo indonésio impediu a PSSI de atuar. Como resultado, a liga profissional nacional segue suspensa por tempo indeterminado e o país e seus clubes estão banidos de jogos internacionais da FIFA. A crise se arrasta há um ano. É resultado da corrupção e má administração dentro do futebol do país e também no governo local, acompanhados, é claro, de uma atitude de laissez-faire da FIFA que, no final das contas, só observou o esporte mais popular da Indonésia virar um caos. O futebol indonésio pode ser definido como um notável microcosmo das agruras do quarto país mais populoso do mundo. Enquanto a nação enfrenta uma recessão econômica, falta de infraestrutura e problemas ambientais, a peleja do país se vê às voltas com a falta de investimento na juventude e em instalações, clubes e ligas instáveis, além de uma série de escândalos. Vamos listar alguns fatos bizarros: 1) no começo de 2007, o Diretor da PSSI liderou a organização de dentro de uma cela onde havia sido preso por crime de corrupção não-relacionado; 2) dois jogadores estrangeiros morreram – um camaronês e um paraguaio – porque adoeceram e não tiveram como pagar o hospital devido ao atraso de seus salários; e 3) dois torcedores faleceram depois de uma (mais uma, diga-se) violenta briga numa área de descanso para caminhoneiros no último mês de dezembro. A causa de todos esses sintomas horríveis é a doença da corrupção. E em torno de tudo há a rivalidade política enraizada na história do país. De um lado, temos a velha guarda poderosa e bem firmada, resquício da ditadura de 30 anos do Presidente Suharto, deposto em 1998. Esses caras, em grande parte membros do partido Golkar, tem tocado o futebol indonésio (e várias outras áreas) há décadas. (De camisa amarela, a cor do partido, vale ressaltar.) Do outro lado, de vermelho, há um forte movimento reformista, semi-revolucionário. O time vermelho idolatra o presidente indonésio, o quase esquerdista Sukarno, que foi retirado do cargo à força por Suharto nos anos 60. Esses caras se reúnem em torno – mas não somente – do PDI-P, partido administrado pela filha de Sukarno. Na eleição de 2014, o PDI-P surfou uma onda populista que levou a vitória de Joko Widodo (vulgo Jokowi) junto de grandes expectativas de mudança, nada diferente do ocorrido com Obama em 2008 e, bem, com outras promessas da América Latina.

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O presidente atual, Joko Widodo, se vê diante de grandes expectativas. Foto: Wikimedia

O conflito entre ambos os lados, vermelho e amarelo, está literalmente se dando em campos de futebol, salas de reuniões e em torcidas espalhadas pelo país. Como dito por Andy Fuller, que escreveu um livro sobre o tema, "o futebol na Indonésia segue profundamente ligado às maquinações e manobras maquiavélicas diárias envolvendo política, dinheiro e corrupção". Mas onde entra a FIFA? Bem, mesmo ciente das tretas no país, a FIFA só agiu quando seus interesses estavam em jogo. Quando Nurdin Halid – infame ex-chefe da PSSI do lado dos camisas amarelas – foi preso por corrupção em 2007, houve protestos por parte do público e uma "exigência" da FIFA para que renunciasse. Nada aconteceu até 2011, quando um grupo de oposição criou uma nova liga e tentou derrubar a PSSI. Aí a FIFA se mexeu. O presidente da FIFA, Joseph Blatter, junto de seus comparsas, dissolveram o comitê executivo da PSSI, e então impediram Halid, fundador da liga rebelde, além de alguns outros, de participar das eleições para reorganização do comitê. Eles também criaram um "comitê de normalização". A organização e liga foram então absorvidas pela estrutura existente, mas o velho esquema segue no poder. No ano seguinte, a liderança da PSSI votou pela criação de uma nova Liga Premier que tiraria da Super Liga Indonésia o título de maior do país. Porém, diversos membros do comitê executivo continuaram a apoiar a Super Liga. Diferentemente da rebelião de 2011, todos se mantiveram firmes dentro da PSSI e sob a batuta da FIFA. Com seu controle sobre o futebol da região intocado, a FIFA deixou o assunto nas mãos das autoridades locais, a Confederação de Futebol Asiática, e a situação se resolveu sozinha. Então, no ultimo mês de abril, Imam Nahrawi, Ministro da Juventude e Esportes, membro da nova administração (camisas vermelhas, ok) interviu. Ele o fez porque diversos clubes do alto escalão passavam por problemas financeiros e administrativos. Indo um pouco mais fundo, parece que o ato foi mais uma tentativa dos camisas vermelhas de romper com a dominação política que os camisas amarelas tem sobre o futebol indonésio há décadas. Com a autoridade da FIFA no futebol indonésio desafiada novamente, a burocracia de Blatter bateu o martelo e baniu o país de competições internacionais. Simples assim. Para ser justo, a interferência do governo em questões de federações nacionais vai contra o estatuto da FIFA e a mesma não pode ser responsável por resolver todos os problemas indonésios. É revelador, porém, que as únicas duas vezes que a organização se manifestou no futebol do país foi quando sua representação feudal foi posta em jogo. Na melhor das hipóteses, a FIFA é culpada por ficar só olhando enquanto uma organização corrupta a representa.

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A polícia lida com um invasor no campo em uma partida de 2014. Agora ele não tem mais nem campo para invadir. Foto: EPA

O que resta para o futebol indonésio daqui em diante? No decorrer dos últimos meses, houve anúncios de mais reuniões e declarações encorajadoras de uma delegação da FIFA sobre o retorno do futebol ao país, mas nada mais foi feito. Após meses de apatia, surgiram notícias de que o presidente Jokowi espera "reativar" a organização. Seria o primeiro passo. Seria. Infelizmente, a notícia da tal reativação não era totalmente verdadeira. O anúncio veio do chefe da comissão de reforma, um homem chamado Agum Gumelar, que logo foi retirado da administração. Alguns dias depois, o presidente Jokowi recebeu um relatório sobre a PSSI de Nahrawi e anunciou que seu governo deve primeiro se reunir com o novo presidente da FIFA, Gianni Infantino, antes de tomar qualquer decisão. Enquanto os politicos se resolvem, os clubes e seus torcedores apaixonados foram deixados em um limbo. Ocorreram diversas competições de portes variados no último ano. A maior de todas foi a President's Cup, vencida pelo Persib Bandung, time javanês que também foi campeão da liga em 2014, e a General Sudirman Cup, cujo título foi levado por um time de Kalimantan Oriental, na ilha de Bornéu. Ambas as competições com seus nomes patrióticos contaram com bom público, mas isso não significa que os torcedores estejam felizes com o que tem acontecido.

Partoba Pangaribuan, ativista e membro do Fórum de Discussão dos Apoiadores Indonésios (FDSI), disse à VICE Sports que não acha que o governo deve liberar a atuação da PSSI, e sim começar do zero. "Esqueçam [a] PSSI. [Uma] nova federação é [a] melhor solução. Nova federação, novo estatuto, nova estrutura", disse. Dewza Ozora, outro membro do FDSI, comentou que a nova PSSI deve seguir as regulamentações da FIFA e do governo. "Até então eles só fazem o que querem e não ligam para regras. Há muitos casos em que os jogadores não são pagos e eles [PSSI] não fazem nada."

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Uma solução rápida parece improvável. Ainda que os problemas indonésios estão nas manchetes das 17.000 ilhas espalhadas pelo país, com certeza não estão nas prioridades de Infantino. Ele tem seus próprios problemas com corrupção, afinal.

Na Indonésia, os movimentos políticos, bem como corrupção e má administração, seguirão enraizados no país mesmo que a crise se resolva. O potencial do país para a economia do sudeste asiático é gigantesco, mas seus problemas, tão claros no mais popular esporte do país, são um pé no freio do belo, vibrante (e quente) arquipélago.

Em entrevista cedida à revista local antes de enviar seu relatório a Jokowi, Nahrawi resumiu a relação da PSSI com a FIFA da seguinte forma:

"Naturalmente, se protegem", disse. "Veja só, a pessoa que sancionou a Indonésia, Jerome Valcke (ex-secretário geral da FIFA), foi suspenso por 12 anos. Isto significa que há um problema."

Tradução: Thiago "Índio" Silva

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