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​O que Aprendemos Sobre a Morte em 2014

Vai com Deus, meus sentimentos, meus pêsames, virou estrela, descansou, foi dessa pruma melhor, bateu as botas, se foi, saudade, um dia a gente se reencontra.

Nunca morri. Você também não. Ainda assim, estive muito perto da morte: em 2014, ano que algumas pessoas chamam carinhosamente de "dos infernos", fiz um curso de tanatopraxia e necromaquiagem para uma reportagem publicada na VICE. Isso significa que passei um dia inteiro rodeada por moscas de cadáver, vendo corpos amarelados sendo manuseados, abertos, lavados, vestidos, maquiados e enfiados em caixões com flores.

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Todo mundo morre. Pior que morrer é ter medo de morrer. Há quem sofra de somnifobia, uma doença escrota que deixa o sujeito tão apavorado com a possibilidade de bater as botas a ponto de ele não querer cair no sono, achando que vai mesmo partir deste mundo quando adormecer. J, como prefere ser chamado, foi personagem principal da matéria "Uma Entrevista com um Cara que não Consegue Dormir Porque Tem Medo de Morrer". Ele dividiu com a gente sua angústia diária: "Quando me preparo para dormir, sofro de um aumento gradual da ansiedade. Meu corpo desencadeia episódios de pânico e sufocamento para evitar que eu caia no sono. É difícil explicar, você precisa sentir: meu pulso acelera, eu tremo, não sei o que fazer. Me sinto impotente."

Calma. Esse mano não tá morto, e sim tirando uma soneca. Pensamos que ilustrar essa matéria com a imagem de uma pessoa viva seria mais sussa pra vocês. Foto por Pedro Elias via.

Assim como a maioria de nós, humanóides, Johann Bouché-Pillon é outro sujeito que nunca conseguiu ir a um funeral sem ter um ataque de ansiedade. As coisas mudaram um pouco quando seu avô foi diagnosticado com câncer e ele resolveu fazer dessa despedida uma série fotográfica que publicamos aqui e aqui. São imagens pesadas, que baqueiam o espírito. Mas, dizem por aí que a vida é um ciclo. Não temos pra onde fugir, amigos e amigas.

Nem sempre a morte aparece sozinha e sedutora com uma rosa entre os dentes. A frieza humana é também um case de sucesso funesto. Recentemente, publicamos a matéria "2014 Foi o Ano dos Assassinos Seriais Brasileiros?", que traz um número assustador: estima-se que mais de 90 pessoas foram executadas brutalmente por assassinos em série do Brasil somente neste ano.

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Ser um profissional da comunicação também não foi tarefa fácil. Em "A Síria Está a uma Decapitação de Virar o Maranhão", comparamos o número de jornalistas que tiveram suas cabeças decepadas pelo Estado Islâmico com decapitações que aconteceram em presídios dos estados do Paraná e do Maranhão. Pesado ou pesadíssimo? No Brasil, a coisa é tão punk que alcançamos o primeiro lugar em mortes de jornalistas nas Américas.

SENTIREMOS SAUDADE

Eduardo Coutinho, cineasta morto em 2014. Foto: Christian Gaul.

Nesse confuso e conglomerado 2014, perdemos um cara que além de ser um fumante compulsivo e ter uma voz pigarrenta, era um gênio do documentário. Aos 80 anos, Eduardo Coutinho se foi de um jeito horrível: seu filho, portador de esquizofrenia, surtou e matou o cineasta a facadas. Fez o mesmo com a própria mãe, Maria das Dores.

Obviamente, a lista de morte horríveis entre famosos e não-famosos não para por aí. Nela, ainda figuram o cinegrafista da Band, que morreu depois de ser atingido por rojões em uma manifestação; os inúmeros jovens que perderam suas vidas durante os protestos; Claudia Ferreira da Silva, a moça que foi covardemente arrastada por uma viatura da polícia no Rio de Janeiro; as várias vítimas do ebola.

Fausto Fanti, um dos criadores do programa Hermes e Renato, morto em 2014.

Em 2014, Roberto Bolaños, o eterno Chaves, partiu; Fausto Fanti, do programa Hermes e Renato, também; Robin Williams e Joe Cocker foram outros; Vange Leonel, diva feminista, foi vencida por um câncer; homens das letras, como o escritor André Carneiro e Manoel de Barros também deixaram essa dimensão; assim como a doidona Joan Rivers e o músico, poeta e MC Spaceape.

A morte comove. O pernambucano Carlos André, por exemplo, esculpiu em uma melancia o rosto do presidenciável Eduardo Campos, morto num trágico acidente de avião semanas antes das eleições. Particularmente, achei a homenagem emocionante. Há quem tenha visto como falta de respeito. Mas a morte e o pós-morte, amigos e amigas, são situações vividas e sentidas por cada um a sua maneira. Julgue menos.

Existem alguns tópicos duros que devem ser abordados. Hoje, com essa danada da internet, não basta morrermos. Nossos perfis nas redes sociais ficam por aí, servindo de mural para mensagens mórbidas, tristes, pessoas perguntando "mas o que aconteceu, gente????????", desabafos e até mesmo fotos queima-filme (foda-se se já morremos). Para resolver esse imbróglio, publicamos em setembro a reportagem "Como se Preparar para sua Pós-vida Digital", com preciosas dicas que te ensinam a não ficar tão vulnerável a despedidas eternas caso você vire mesmo uma estrelinha no céu.

Pessoal, 2015 já está colocando a cabecinha pra fora. Nos cuidemos.