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viagem

Passei o Dia com o Irmão do Pablo Escobar

E ele é um cara bem esquisito.

Todas as fotos por Karl Hess. 

Olhei pela janela bloqueada por pesadas barras de ferro, com um grande buraco de bala no vidro grosso.

“Isso foi de quando eles tentaram nos matar”, disse o irmão de Pablo Escobar. Ele parecia cansado, inofensivo, seu único olho bom se mexendo indeciso atrás dos óculos. Antigamente um dos criminosos mais procurados do mundo, parte crítica de uma organização responsável por milhares de assassinatos e incontáveis bilhões de dólares em tráfico de drogas, hoje ele é só um homem velho. Em pé, parece desconfortável em sua sala de estar.

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“Venham, vamos tomar um café, vocês podem perguntar o que quiserem”, ele balbuciou, e eu o segui até a varanda, vendo a cidade de Medellín espalhada no vale abaixo.

Todo mundo conhece a história e o homem: Pablo Escobar, o cartel de Medellín, a ascensão sangrenta e inexorável ao poder. No final dos anos 80, Escobar tinha acumulado bilhões de dólares e se estabelecido como um herói folclórico da cidade colombiana, construindo casas e hospitais para os pobres, publicando um jornal e até abrindo um zoológico para o público. Mesmo quando milhares de pessoas foram brutalmente assassinadas e os excessos de sua violência saíram do controle (ele chegou a explodir um avião comercial na tentativa de matar um homem), ele ainda era um herói para os pobres e despossuídos da sociedade de Medellín. Quando morreu naquele telhado em 1993, deixou para trás milhares de enlutados, uma cidade devastada e assolada pela violência – além de seu contador: Roberto Escobar, seu irmão.

Roberto Escobar hoje é apenas um homem simples. 

Enquanto eu arrastava minha mochila até o hostel próximo ao Parque Lleras, uma área de clubes noturnos da cidade, Escobar e seu legado sangrento eram a última coisa a passar pela minha mente. Eu estava sujo, exausto e – a julgar pelos australianos no pátio apostando quem bebia mais às duas da manhã de uma quarta-feira – muito longe da longa noite de sono de que eu tanto precisava. Com duas semanas de ressaca acumulada de rum e aguardiente depois de uma temporada no litoral colombiano, eu estava com metade do corpo queimado de sol por subestimar quanta bebida podia caber num coco e desmaiar debaixo de uma mesa de praia ao meio-dia.

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Guardei meus pertences no dormitório. Assim que notei que ia ter de dormir na parte de cima de um beliche que parecia ter mais de dois metros de altura, um sul-africano de cara vermelha e camiseta de time de rúgbi saiu tropeçando do banheiro comunitário. Afirmar que o cavalheiro tinha acabado de cheirar cocaína seria um tremendo eufemismo: parecia mais que ele tinha dado uma cabeçada num padeiro. Ele resfolegou, me deu um tapinha nas costas e disse, em termos incertos, que eu tinha vindo ao lugar certo para uma “puta festa”.

“Esse é o lugar, bro”, ele me garantiu. “Você sabia que um cara morreu aqui no mês passado? Ele pegou pesado demais. Foi lendário, cara!”

“É… Parece bem legal.”

Aí ele riu e fingiu me dar um soco no estômago, depois riu de novo e foi embora enquanto minhas visões de descanso e recuperação voavam pela janela. A morte e o horror daqueles dias da história de Medellín podem ser passado, mas, nas ruas, um elemento tangível daquele tempo continua presente: cocaína por toda parte. Percebi que a droga era usada com uma naturalidade que eu nunca tinha visto. Usar no reservado do banheiro? Desnecessário. Cheirar em cima do mictório era um nível de discrição com que todo mundo estava confortável.

Eu ficaria em Medellín por cinco dias antes de pegar um voo à Argentina. Depois do período no litoral, eu estava tentando pegar leve: entre meus planos, passar aloe vera na parte de baixo das costas e visitar o Museu Botero – e, por hora, evitar aquele cara sul-africano. Mas assim que sentei no bar do hotel, tomando uma cerveja e ouvindo os australianos fazendo uma brincadeira que envolvia estapear a cara um do outro esporadicamente, uma coisa no quadro de avisos chamou minha atenção: Pablo Escobar Tour. Perguntei à colombiana de vinte e poucos anos atrás da mesa da recepção o que era aquilo, e ela sorriu.

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“Ah, você tem que experimentar”, frisou. Quando pedi mais detalhes, ela acrescentou: “Eles, tipo, te colocam numa van. Dirigem por aí e falam sobre Pablo Escobar, acho”. Com esse discurso de venda tão afinado, como eu poderia recusar?

Flores no túmulo de Pablo Escobar. 

Então, na manhã seguinte, ainda cansado da noite de pouco sono, muita música eletrônica, cerveja à vontade e frases gritadas em sotaque australiano, montei numa van batida em frente ao hostel às oito da manhã enquanto uma chuva fina caía das nuvens baixas. Eu ainda não sabia o que esperar daquele dia. A primeira coisa que notei foi que a guia do passeio, uma simpática senhora colombiana, mal falava inglês. Ela parecia apaixonada pelo assunto de Medellín e muito bem informada sobre a vida de Pablo Escobar, mas não conseguia transmitir isso muito bem. Depois de um tempo ela simplesmente desistiu, colocou um DVD e voltou sua atenção para o celular.

O DVD era The Two Escobars, um documentário da ESPN sobre Pablo Escobar e o jogador de futebol Andrés Escobar. Os tópicos do programa eram a ascensão do futebol colombiano devido à infusão massiva de dinheiro do tráfico e o assassinato de Andrés, que não era parente do barão das drogas, depois de fazer um gol contra na Copa do Mundo. Um documentário fascinante e muito bem feito, mas uma van mal ventilada no meio do trânsito do centro da cidade, mais a ressaca e mochileiros fedidos, não era a situação ideal para assistir a essa história.

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Ainda assim, o passeio me deu a oportunidade de observar a divertida tendência local de fast food (ou comida rapida): estabelecimentos com mulheres peitudas de desenho animado ou personagens de videogame pintados na fachada. Meu favorito foi o Mario Bross, com a cabeça voadora do Mario sorrindo carinhosamente, um sinal certeiro de qualidade. Não sei se isso infringe as leis de copyright, mas parecia uma estratégia de marketing eficiente: “Como você vai salvar a princesa de estômago vazio?”, “Um encanador não pode viver só de cogumelos!”.

Nossa primeira parada foi o túmulo do homem, Pablo Emilio Escobar Gaviria, que fica nos arredores da cidade. Cuidadosamente mantido e decorado com arranjos florais, o local ofereceu a oportunidade de tirar fotos da lápide e ficar parado lá, no meio de um cemitério colombiano, por alguns minutos. Primeira parada completa. A van do nosso grupo intrépido seguiu em frente enquanto o documentário continuava passando e um contingente de quatro australianos alternadamente reclamava da ressaca, fazia planos para a noite e dava em cima das francesas sentadas na frente.

A segunda parada, na qual nem saímos da van, era o prédio que o rival Cartel de Cáli bombardeou numa tentativa de matar Pablo e seus associados. Era só um prédio normal num distrito comercial da cidade. Nenhuma evidência que lembrasse o que tinha acontecido ali, e até a guia parecia concordar tacitamente que essa era a parte mais sem graça do passeio. A moral do grupo estava em declínio, e, apesar de ninguém ter falado nada, ficou claro que alguém tinha peidado na van. Seguimos em frente.

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O ponto alto da Pablo Escobar Tour era a antiga casa de Escobar – um esconderijo, na verdade – onde ele viveu com o irmão nos meses finais, armazenando dinheiro e veículos, e onde ele acabou encontrando seu fim. A van subiu até a residência no topo da colina, passou pelos portões e estacionou do lado de fora da garagem, que ainda guarda a motocicleta do chefão das drogas e o velho caminhão azul com o qual ele começou a contrabandear pasta de cocaína pela fronteira. Assim que descemos no ar fresco, a guia explicou que íamos conhecer Roberto Escobar, o irmão dele, que, através de um acordo com o governo, operava agora a casa como um museu e usava os recursos para financiar o passeio e a fundação médica que ele tinha montado. Meu primeiro pensamento foi que o tour precisava de um pouco mais de financiamento, ou pelo menos de uma van nova, mas guardei minhas opiniões para mim e segui o grupo para dentro da casa.

Fotos do jovem Pablo Escobar decoravam as paredes juntamente com recortes de notícias, troféus antigos e um grande cartaz de procurado oferecendo US$ 10 milhões por informações sobre Pablo ou Roberto. O mesmo cartaz listava os principais associados: rostos alternadamente sérios e sorridentes com apelidos em espanhol como Pitufo, El Pollo e La Garra ou Smurf, O Frango e A Garra respectivamente. No geral, a aparência era de um grupo de capangas de respeito. La Garra, particularmente, me pareceu o tipo de cara com o qual você não ia querer mexer.

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Na sala de estar, entre vários buracos de bala de quando a casa foi atacada, finalmente encontramos o próprio Roberto Escobar, um senhor baixo e de fala mansa, parcialmente cego e surdo por causa de uma carta-bomba que explodiu em seu rosto anos atrás. Eles ofereceram café, e então ele sentou na varanda e abriu para perguntas. Ele só falava espanhol, então alistou um irlandês gregário do nosso grupo como tradutor. Um dos australianos não perdeu a chance de ser o primeiro.

“Você já, tipo, matou alguém?”, ele perguntou, um tanto entusiasmado demais.

“Não vou perguntar isso, porra”, respondeu rapidamente o irlandês, olhando rapidamente para Roberto e para o grupo enquanto a maioria das pessoas segurava a risada. É só imaginar um sotaque muito irlandês dizendo isso.

Mas Escobar assentiu e pareceu entender, provavelmente porque já tinha ouvido a mesma pergunta milhares de vezes. Ele contou que era o contador do cartel e que sempre ficou longe do lado de assassinatos, bombas e torturas do empreendimento. “Critiquei meu irmão muitas vezes por causa da violência que ele causou”, garantiu, sem mencionar, convenientemente, que usou os bilhões de dólares desse derramamento de sangue para levar uma vida luxuosa e acima da lei ao lado do irmão.

Tantos bilhões, de fato, pois o cartel gastava US$ 2.500 apenas em elásticos todo mês para manter as notas em pilhas organizadas. Tantos bilhões que 10% dos lucros eram perdidos por ano para os ratos que roíam as pilhas de dinheiro, ou quando a grana apodrecia no chão onde tinha sido enterrada por falta de espaço de armazenagem. Muito do dinheiro escondido, mesmo roído e mofado, continua por ali, ele disse, seu único olho bom observando as nuvens no céu enquanto ele falava do passado.

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“Mas isso ficou para trás agora, hoje eu faço o bem”, ele continuou. Depois ele deu um longo discurso contando sobre sua libertação em 2003, que ganhou conhecimento médico valioso cuidado de cavalos caros e de como usou esse conhecimento para encontrar a cura para o HIV.

Todos ouviram educadamente, olhando intrigados entre si para ver se havia algum erro de tradução, mas não. Para um homem que diz ter usado sua perícia com equinos para derrotar a AIDS, ele estava acima disso tudo. E se tem uma coisa mais estranha que ouvir um ex-contador de cartel quase cego afirmar ter feito uma descoberta médica revolucionária, é ouvir isso traduzido por um irlandês de 21 anos de ressaca.

E sem nenhuma explicação para a coisa toda do “curei o HIV com cavalos” além de “logo isso vai ser publicado e o sofrimento no mundo vai acabar”, a sessão de perguntas terminou. Roberto ficou parado contra a parede do lado de uma foto do rancho do irmão, para que o grupo pudesse passar lentamente por ele e documentar esse momento com suas câmeras digitais. Sem sorrir e duro, ele posou estoicamente para fotos enquanto apertava todas as mãos, como tinha feito milhares de vezes antes. A última vez em que vimos Roberto Escobar, ele estava andando lentamente pelo corredor até seu quarto, passando por fotos sorridentes de seu irmão morto e por manchetes amareladas dos massacres que eles arquitetaram, artefatos desbotados de um império caído.

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Na volta, dentro da van, enquanto todo mundo silenciosamente questionava se essa aventura tinha valido mesmo US$ 30, sugeri passar no Mario Bross para comer hambúrguer e fritas. Fomos, e foi delicioso. Não estou dizendo que fui eu quem salvou o passeio, mas também não estou dizendo que não.

De volta ao hostel, enquanto eu ia ao bar, senti um tapa nas costas e me virei para encontrar o amigo sul-africano, cerveja na mão, já bêbado.

“Como foi o passeio, bro? O que você aprendeu?”

“Bom, parece que o encanador mais famoso do mundo frita um ótimo hambúrguer, há milhões de dólares roídos e mofados escondidos pela cidade e o irmão do Pablo Escobar é um cara bem estranho.”

“Lendário, cara.”

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Tradução: Marina Schnoor