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Armas, Fardas, e um Cachorro Empalhado no Museu da PMERJ

Com um dos maiores índices de mortes no país e corrupção em altos escalões, podemos dizer que o filme da PMERJ está bem queimado. Por isso, resolvemos colar no Museu da PMERJ para ver se isso conseguia nos convencer do contrário.

Todas as fotos são do autor. 

Às vésperas da Copa do Mundo, fui à sede do Batalhão de Choque do Rio de Janeiro conferir uma demonstração das técnicas de controle de distúrbio civil que eles aprenderam com o FBI e outras agências policiais dos EUA (e que aparentemente não usaram). O quartel do Choque é de 1913. Mais tarde, pesquisando (leia-se googlando) sobre a história do edifício para a matéria, descobri que não muito longe dali existe o Museu da PMERJ, “com a missão de registrar, preservar e expor a história da PMERJ aos seus integrantes e à Sociedade”.

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Conhecendo o entusiasmo da VICE pelos “museus mais deprimentes do mundo”, tive certeza de que renderia a visita, mas fiquei enrolando até esta semana, quando as noticias da prisão do terceiro homem na hierarquia da corporação tomaram as manchetes. Nesta segunda, 22 policiais militares foram presos por extorquir comerciantes e ambulantes em Bangu – dentre eles, o Coronel Alexandre Fontenelle, chefe do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar e responsável pelos batalhões da Choque e do BOPE, este último imortalizado nos filmes “Tropa de Elite” como sanguinolento porém incorruptível.

Sempre foi complicado confiar nessa polícia que, embora não seja mais a que mais mata no mundo (recorde alcançado em 2007, quando foram registrados 1330 “autos de resistência”), ainda é uma com um dos maiores índices de mortes no país. Agora com a comprovação de corrupção em tão altos escalões, o filme queimou geral; então resolvi ver o que o Museu da PMERJ tem para me convencer do contrário, tendo em vista que ele costuma receber alunos de escolas em favelas ocupadas pela UPP para tentar fazê-los ver os policiais como amigos (como parte do tour, a molecada pode tirar fotos vestindo fardas dos batalhões).

O pequeno museu fica na Rua Marquês de Pombal, em frente à sede do Jornal O Globo, num casarão de 1906 que servia de residência aos comandantes do Batalhão de Choque. Da cabine ao lado da entrada do museu, um PM nada amigável pediu meu documento, anotou meus dados numa pranchetinha e ligou lá para dentro. Todo policial corrupto tem uma dessas – ou um bloco ou um caderno onde ele copia os dados de todo mundo que ele aborda. Sempre viajei que eles têm um enorme banco de dados de extorquidos, corrompidos e corruptores. Mas acho que esse não era o caso: era mais uma questão de segurança, sei lá, esses PMs adoram um papelzinho. Pode ver: esse Coronel Fontenelle, mesmo quando preso, tinha bem um bilhetinho com contabilidades da sua grana suja no bolso.

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Meu devaneio foi cortado quando um cordial mas sóbrio senhor de uns setenta anos em roupa civil abriu o portão, me convidou para dentro e pediu para eu assinar o livro de visitas; além de nome e data, tinha mais uma coluna preenchida por patentes como “soldado”, “cabo” ou “sargento” – no máximo um “estudante” de vez em quando. Resolvi colocar “visitante” noiado que, ao verem a palavra “imprensa”, eu pudesse cair num loop burocrático entre a assessoria de imprensa e a direção do museu, coisas que os militares adoram fazer. Perguntei se eu podia tirar fotos e ele me disse que poderia de algumas peças, mas não dos armamentos.

Quem já perdeu algumas ou muitas horas de vida jogando RPG vai ficar bem emocionado com as armaduras, espadas e outras armas mediavais bizarras de que não me lembro o nome. 

A primeira sala do museu é ocupada por cinco armaduras de ferro, escudos e armas medievais que adornavam o castelo de Dom João XVI em Portugal. Ele trouxe essas tranqueiras consigo quando teve de ralar peito de lá, fugindo com a família da invasão napoleônica, em 1808. Naquela época, o Brasil era dividido em províncias governadas por famílias tradicionais e seus domínios eram patrulhados por milicianos conhecidos como “quadrilheiros”, que basicamente passavam o dia caçando escravos fujões, ou seja, nada muito diferente de hoje em dia. Após uma escala em Salvador, a Família Real chegou ao Rio de Janeiro e estabeleceu-se na Quinta da Boa Vista.

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Várias pinturas originais e algumas reproduções retratam figuras históricas como Dom João XVI, D. Pedro I, D. Pedro II e o Duque de Caxias,dentre outros nomes que batizam ruas e praças país afora. 

Dom João podia ter aquela cara de bobo papudo, mas estava ligado que nem todos os mamaterios da época ficariam felizes com sua chegada e tratou logo de fundar em 1809 (no dia de seu aniversário, 13 de Maio) a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Essa instituição, fundada basicamente para proteger a família real do povo e de qualquer outro interesse contrário, mais tarde serviu ao Império e depois à República, tendo dezoito nomes diferentes até se transformar na Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro, uma das mais antigas do país – perdendo apenas para a de Minas Gerais, que tem origem no Regimento Regular da Cavalaria de Minas, de 1775.

Cópia do decreto que criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia em 1809 e réplica de sua farda. 

O tiozinho conhecia a história atrás de cada peça do museu como se tivesse realmente vivido tudo aquilo, o que era impossível mesmo em sua avançada idade. Perguntei se ele era historiador ou museólogo, e aí ele se apresentou como subtenente da reserva, disse que morava perto e preferia passar o tempo lá no museu do que em casa, onde ele não tem nada para fazer e pode acabar “esquecendo as coisas”.

Canhão de bronze trazido como troféu da Guerra do Paraguai e farda do 31º Corpo de Voluntários da Pátria cuja insígnia adorna até hoje o cinto da farda do Batalhão de Choque. 

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A última sala do primeiro andar da casa aberta pra visitas é a sala da Guerra do Paraguai, o ponto alto de nossa visita. Como aprendemos na escola, em 1865 o Brasil, a Argentina e o Uruguai se juntaram para reduzir o então avançado Paraguai no redistribuidor de quinquilharia chinesa que é hoje. Para peitar as numerosas tropas de Solano López, o Brasil convocou o “Corpo de Voluntários da Pátria”. Do Quartel dos Barbonos, antigo Hospício de Jerusalém de Nossa Senhora de Oliveira (na época, hospício se referia a hospedagem) e atual Quartel General da PMERJ, saiu o 31º Corpo de Voluntários da Pátria.

Os restos empalhados do cão “Bruto” são o ápice da visita ao museu. Detalhe para a ferida de guerra próximo à pata traseira. 

Desse 31º Corpo regressaram poucos, dentre eles o cão “Bruto”, mascote da tropa. A lenda conta que se tratava de um cão vira-lata do centro da cidade que uma vez entrou no quartel e não quis sair mais, passando a ser criado pelos soldados, que o batizaram de “Bruto”. Segundo nosso guia, quando houve a apresentação dos praças e oficiais daquele quartel que integrariam o corpo de voluntários da pátria, “Bruto se apresentou no pátio e marchou com os soldados até a praça Mauá, onde embarcou no navio até o Paraguai”. A história conta que Bruto auxiliou em missões de resgate a soldados feridos e foi até ferido em combate, mas sobreviveu e voltou vitorioso ao país na condição de herói. Anos depois, passeando pelo Campo de Santana, morreu envenenado. Uma reportagem num jornal da época do acervo da Biblioteca Nacional afirma que Bruto foi vitima de uma “covarde cilada de um guarda fiscal que o mimoseou com uma bola envenenada e fulminante”. Soldados fizeram um rateio para pagar sua autópsia e taxidermia, confeccionando uma coleira comemorativa que pode ser vista com ele até hoje no museu. Não descobri o que aconteceu com o tal guarda fiscal, mas dada a tradição da corporação, não deve ter sido nada bom.

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“Bruto” é o herói de guerra mais simpático que eu já conheci! 

Na escada que leva ao segundo andar, retratos dos presidentes (desde Marechal Deodoro até Eurico Gaspar Dutra) indicam que entramos na era da República. “Este foi o último presidente”, disse o tio apontando pro Dutra. Não entendi o que ele quis dizer com isso, mas achei melhor deixar quieto. De cara fomos à única sala do prédio que tinha as janelas fechadas: a sala dos armamentos. Vários tipos de armas são amontoadas em diversas vitrines e expositores, desde sabres com punhos em forma de elmo até pistolas e revólveres de várias épocas em diferentes estados de conservação, metralhadoras da Segunda Guerra Mundial, carabinas, fuzis modernos e, no final da escala evolutiva, o armamento menos letal da Condor. Perguntei por que não podia fotografar os armamentos, e a resposta foi algo do tipo: “Não quero contrariar o Coronel”. Então tá!

Para acionar o 190 da época,você tinha que ter a tal da chave-cidadão. 

Ao lado, rola a sala de comunicação, que é bem maneira. Fotos e objetos mostram como funcionava o 190 do inicio do século XX. A cada quadra tinha uma caixa de “Socorros Policiaes”. Ao que parece, os moradores tinham uma chave e um manual ensinando a usar essas geringonças conectadas a uma central, que comunicava aos quartéis emergências como incêndios ou as ocorrências de crimes nefastos, como negros recém-libertos tirando um som ou queimando um. Novamente, nada muito diferente do que a gente vê hoje em dia no Polícia 24h da Bandeirantes.

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Outra sala mostra vários croquis desenhados pelo pintor José Washt Rodrigues que mostram as fardas da Policia de 1858 até 1920. Muito interessante pra quem curte esse tipo de coisa, como estudantes de história e a Patty UPP.

Rola também uma coleção maneira de bonequinhos de chumbo reproduzindo as fardas e os veículos de várias épocas. Eles vão evoluindo até chegar em bonecos de plástico vagabundos reproduzindo os batalhões atuais.

A última sala mostra as fardas da atual PMERJ: de um lado, o uniforme dos diferentes batalhões especiais e do outro, a farda azul clara, utilizada por policiais das UPPs, que, assim como uma miniatura do Caveirão, eu esqueci de fotografar, porque fiquei entusiasmado pelo papo do tio: “A UPP é uma polícia comunitária, mas sabe como é, a vida do policial é um termômetro: um dia bom, no outro ruim. Mas na comunidade também tem gente ruim e gente boa, e eles colocam crianças inocentes no meio. O policial não tem o que fazer. Olha lá na Alerj? Lembra? Quando encurralaram aqueles quarenta PMs?” É claro que eu lembrava, eu tava lá, mas como ele sabia? Será que minha identidade foi revelada? Agora esse tio me deixou paranoico. “Eles não podiam atirar, né? Porque senão já viu! Aí depois prenderam a Sininho, ela foi pra Bangu, mas os advogados tiraram. Como é que pode, né?”. A minha cara nesse momento devia estar muito engraçada: meio estupefata pelo cara embarcar nesse assunto, com aquele tiquinho de paranoia de que cada movimento meu ali poderia estar sendo monitorado e, acima de tudo, com a insuportável vontade de rir que sempre me dá nesses momentos. Já tínhamos corrido todo o museu e já estava quase na hora de ele fechar, acho que o assunto foi o alerta de que tínhamos chegado ao fim da linha.

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