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Tecnologia

Quanto Custa a Sua Atenção?

Esse papo de dar um minutinho da atenção é coisa de um passado generoso. A atenção custa. E custa caro.
​Olho no lance! Crédito: Juliana Coutinho/​Flickr

​Escrever o primeiro parágrafo de um texto é uma luta tenaz. Essas palavras precisam batalhar contra estímulos que vão das abas abertas, passam por caixas de mensagens e apitos do celular e chegam ao conversê ao redor de quem lê o texto. Quando a demanda é tamanha considerada com a oferta, cabe a pergunta: quanto vale sua atenção? Segundo ​Thales Teixeira, professor da Harvard Business School, cada segundo de atenção pode valer cerca de um dólar. "Na última década, o custo da atenção aumentou na ordem de sete a nove vezes."

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O pesquisador brasileiro é um dos pioneiros nos estudos em economia da atenção. Segundo ele, trata-se de entender as empresas e companhias que oferecem, distribuem e demandam atenção de consumidores, além das leis e regras desse mercado. Pode soar mais do mesmo contínuo publicitário, mas a pesquisa de Thales coloca em números sensíveis no bolso algo que até bem pouco tempo atrás era relegado. "A atenção ainda não foi estudada tanto quanto o tempo e o dinheiro porque não conseguíamos mensurá-la", explica ele.

O salto acadêmico do pesquisador aconteceu graças a uma mudança tecnológica em 2004 capaz de tornar a análise mais objetiva e natural, conforme me disse ele em uma conversa por telefone. "Foi desenvolvida uma tecnologia para captar a atenção das pessoas via infravermelho através do rastreamento ocular", disse o professor. "Antes, havia um aparelho que se colocava na cabeça da pessoa e um pedaço dele ia na boca para que os olhos não se movessem diferentemente do rosto. Enfim, era invasivo."

A novidade se estendeu a captação de expressões faciais. De acordo com Thales, seis delas são universais na manifestação de seis emoções: alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo. Claro que não demorou muito para que grandes empresas se voltassem para a técnica na busca de entender melhor quando, como e o que ganha a atenção dos seus consumidores. "A Disney tem um laboratório inteiro que trabalha com rastreamento ocular e rastreamento de expressões faciais", me disse o especialista.

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O movimento é bem parecido com a crença irrestrita no big data. A miríade de dados comportamentais coletados e armazenados tem influenciado desde a produção de roteiros no Netflix à recomendação de produtos na Amazon. Thales reconhece semelhanças entre as duas áreas, mas também reconhece a limitação que a publicidade enfrenta em meios cada vez menores e mais custosos. "A propaganda tem trinta segundos para comunicar muita coisa, então, se você usar de maneira ineficiente cinco segundos, você perdeu tempo precioso."

"A atenção é um recurso altamente valioso, escasso, como tempo e dinheiro"

E como tempo é dinheiro e atenção, segundo o pesquisador, é resultado de um cálculo que envolve essas duas variáveis, também não espanta que a tecnologia tenha se beneficiado da nova economia da atenção. Segundo Thales, em algum tempo haverá sistemas de recomendação baseado em expressões faciais. Imagina uma TV que saca que a gente quer curtir uma fossa? "A gente acha que vai perder o controle das nossas emoções, mas esses sistemas vão nos ajudar a tomar melhores decisões."

MOTHERBOARD: O que é atenção e como é possível calcular o seu valor?

Thales Teixeira: Existe muito debate sobre o que significa a atenção. Existem dois tipos de correntes que falam sobre ela. Uma diz que a atenção é uma lupa, quando nossos olhos ou nossa parte cognitiva capta mais detalhes de qualquer imagem que vemos. Outro diz que atenção é um holofote, é um direcionamento da parte do cérebro capaz de captar elementos e estímulos visuais. Na prática, existem duas dimensões da atenção: o tempo dedicado a um estímulo, isto é, se olho para a tela do meu computador durante um minuto eu dedico menos atenção a ela que se estivesse olhando por cinco minutos; a outra dimensão é a intensidade, isto é, quando falamos "preste atenção" queremos que alguém dedique mais da parte do cérebro que responde aos estímulos visuais. Se a gente coloca esses dois fatores juntos, duração e intensidade, temos os dois elementos da atenção.

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Curiosamente em inglês a gente fala "to pay attention", isto é, "pague com atenção"…

Exatamente. Durante minhas apresentações eu mostro que a atenção é um dos três recursos fungíveis que temos. Fungível é algo que pode ser transformado em outra coisa. O recurso mais fungível que temos é o dinheiro porque podemos transformá-lo em quase qualquer outra coisa. O tempo é outro recurso fungível: ele pode virar dinheiro, lazer, etc. O terceiro item — ao meu ver, menos estudado, mas igualmente importante — é a atenção. A atenção é um recurso altamente valioso, escasso, como tempo e dinheiro, e fungível, pois ela pode ser transformada em outros recursos. É como você disse: pagar com atenção. A atenção é escassa, tem valor e com atenção se pode conseguir outros recursos.

E por que sempre se falou de tempo e dinheiro, mas a atenção sempre foi relegada? Por que nunca foi dada atenção a atenção?

Na minha visão, a atenção ainda não foi estudada tanto quanto o tempo e o dinheiro porque não conseguíamos mensurá-la. A atenção é complexa, é difícil de mensurar e historicamente não houve maneiras de fazer isso. É fácil mensurar dinheiro e tempo, ainda mais com relógios e cronômetros, mas até então não havia uma tecnologia boa para avaliar a dimensão de tempo e intensidade da atenção. Em 2004, no meu doutorado, tinha acontecido uma revolução tecnológica na mensuração de atenção por parte de algumas empresas. Foi desenvolvida uma tecnologia para captar a atenção das pessoas via infravermelho através do rastreamento ocular. Isso possibilitava mensurar atenção de uma forma que não agredisse as pessoas. Antes, havia um aparelho que se colocava na cabeça da pessoa e um pedaço dele ia na boca para que os olhos não se movessem diferentemente do rosto. Enfim, era invasivo. Com essa nova tecnologia, nada encosta no rosto da pessoa. Via infravermelho é possível captar para onde vai a atenção da pessoa.

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As pesquisas com esse equipamento estão restritas a área acadêmica?

Não. A Coca-Cola usa, a Mars [fabricante de chocolate], a Nestlé, a Campbell's Soup: todas elas usam. Empresas de televisão também. A Disney tem um laboratório inteiro que trabalha com rastreamento ocular e rastreamento de expressões faciais. A maioria das empresas que fazem propaganda, empresas de mídia, empresas que têm laboratório voltados a entender o consumidor, enfim, essas empresas tem o rastreamento ocular como algo fundamental.

Antes, essas pesquisas eram feitas em grupos com pessoas numa sala e um moderador fazendo perguntas. Isso é enviesado, as pessoas podem não falar o que pensam ou falarem segundo a evolução da conversa. O rastreamento ocular permite um modo de análise bem mais científico ao fazer com que a pessoa se comporte como se estivesse em casa. Usando rastreamento ocular eu consigo saber exatamente o que ela vê: qual direção, quanto tempo, o que ela vê e deixa de ver. É como se eu estivesse na cabeça da pessoa em certo sentido. Eu só não sei o que ela está pensando.

Dá pra dizer que esse tipo de abordagem caminha assim como o big data? Porque cada vez mais os dados gerados pelos espectadores resultam em roteiros de séries, por exemplo. O rastreamento ocular também caminha nesse sentido?

Alguns componentes são diferentes em relação ao big data. Pra se ter uma ideia, o rastreamento ocular me permite receber dados por pessoa que eu exponho a uma certa propaganda na taxa de 60 vezes por segundo. A cada minuto eu tenho 3.600 pontos de informação. Se você coloca várias propagadas para várias pessoas, rapidamente você chega a uma base de um milhão de pontos. Você pode ficar perdido nos dados porque talvez tenha muitos dados e pouca informação. É muito importante articular hipóteses e testar com o rastreador ocular e não o contrário.

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O rastreamento ocular tem sido utilizado na propaganda mais que em conteúdo de maior duração. A propaganda tem 30 segundos para comunicar muita coisa, então, se você usar de maneira ineficiente cinco segundos, você perdeu tempo precioso. Usar rastreador ocular e rastreador de expressões faciais para entender a reação das pessoas durante uma propagando é otimizar o tempo dessa propaganda. Se você tem um episódio de uma novela de uma hora, você tem mais luxo para usar de maneira ineficiente trinta segundos, um minuto, etc. O uso na propaganda desse recurso tem sido mais intensivo.

O rastreamento de expressão também tem sido utilizado nas suas pesquisas?

O rastreador ocular me dá informação em quais imagens estão prestando atenção, mas para entender um pouco mais sobre o que as pessoas estão sentindo eu preciso de um pouco mais. Eu preciso avaliar as emoções da pessoa. E algumas emoções eu consigo avaliar filmando o rosto das pessoas e usando algoritmos que me permitem avaliar probabilisticamente quais emoções essa pessoa está sentindo. Certas emoções são universais. Todas as pessoas exibem o mesmo padrão do movimento muscular na face para as seguintes emoções: alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo. Eu consigo filmar pessoas, compara isso com uma base de dados e avaliar com probabilidade que emoção a pessoa está sentindo em que momento e com qual intensidade. Isso ajuda muito na propaganda.

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Na sua avaliação, o que faz uma propaganda bem sucedida?

Existem duas etapas que tem de ser satisfeitas. A primeira é conseguir atenção das pessoas. Hoje em dia, colocar uma propaganda na Globo não significa que você conseguiu a atenção das pessoas. Elas podem mudar de canal, sair da sala, virar o rosto. A propaganda tem que captar a atenção das pessoas. O outro elemento é persuasão, um processo em que a pessoa, depois de assistir a um conteúdo, mudou a atitude ou comportamento em relação ao anunciante, produto ou marca. Qualquer tipo de propaganda tem de chamar a atenção e transformá-la em atenção. Como conseguir isso? Existe uma infinidade de combinações para se conseguir isso. O vídeo viral, por exemplo, tenta, mais que persuadir, captar a atenção não só de quem assiste, mas também de quem vai receber a propaganda da pessoa que assiste aquilo. Quando bem sucedido, ele faz muito bem essa parte de captar a atenção, mas não é tão bom na persuasão. Outras propagandas são o contrário.

É possível imaginar um momento em que a atenção receberá um valor em moeda corrente?

Em um dos artigos que escrevi eu observei duas coisas. Primeiro: o valor da atenção flutua ao longo do tempo como se fosse uma moeda, real, iene. Outra coisa que descobri é que nos Estados Unidos, e em outros lugares do mundo, o custo da atenção, na última década e meia, aumentou na ordem de sete a nove vezes. Isso com o desconto da inflação.

Isso acontece por causa da relação de oferta e demanda? Atenção é um item raro hoje em dia.

Exato. Em princípio, pergunta-se por que o valor da atenção aumentou tanto comparado a qualquer outra coisa. Bem, a economia explica: a demanda das empresas por atenção é muito maior que a oferta da atenção de indivíduos. A oferta da atenção do mundo só aumenta quando mais pessoas nascem, afinal, a gente não tem mais tempo pra dedicar para atenção. Nosso tempo e a quantidade de atenção são limitadas. A oferta de atenção cresce vegetativamente e a demanda cresce muito mais. Existem muito mais empresas hoje, elas criam muito mais marca e cada marca cria muito mais produtos rapidamente. Tudo isso necessita da atenção do consumidor, então essas empresas tem comprado atenção numa taxa muito maior que a oferta. O preço da atenção continua subindo. As pessoas tem um nível de atenção mais baixo, com menos intensidade e fazem muitas coisas ao mesmo tempo.

Fazendo o caminho inverso, como essas tecnologias vão mudar nosso relacionamento com as máquinas?

Tudo quanto é tipo de máquina que possa nos ajudar a tomar decisões de onde prestar atenção ou nos ajudar a sentir emoções vão nos ajudar a sentir emoções vão usar essas tecnologias. Algumas máquinas já fazem isso. Tem uma marca de luxo da Toyota, a Lexus, com carros que tem rastreador ocular no painel de modo que se você deixa de prestar atenção na estrada, o rastreador capta isso e envia estímulos sonoros pra você. Um sistema de recomendação de filme, por exemplo, pode te oferecer filmes baseado na sua expressão facial. A gente acha que vai perder o controle das nossas emoções, mas esses sistemas vão nos ajudar a tomar melhores decisões.