​Experimentamos um dogão com insetos, a comida de rua do futuro
Crédito: Andy Wood/VICE Canada

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​Experimentamos um dogão com insetos, a comida de rua do futuro

É bom preparar essas papilas degustativas aí.

Uma galera come insetos e tá tudo bem – mas longe, bem longe de mim.

A frase acima resumia bem minha atitude diante da ideia de que insetos são uma iguaria e que fazem parte de dietas ao redor do mundo. Pelo menos era assim até a última sexta-feira.

Na tarde daquele dia fui à Canadian National Exhibition, em Toronto, e, desta vez, o prato exótico sempre presente no evento era composto por insetos. Na missão de expandir horizontes, acabei comendo um monte deles.

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A CNE é o mais próximo do inferno que consigo imaginar – um monte de gente horrenda cercada por condomínios brilhantes que adornam a orla de Toronto.

De certa forma, é o lugar perfeito para a estreia daquilo que alguns chamam de "futuro da alimentação", já que insetos são uma excelente fonte de proteína e podem ser criados de forma sustentável com facilidade.

Cabe um pouco de contexto aqui: cientistas preveem que, até 2050, haverá gente demais na Terra para alimentar com as atuais práticas agrícolas. A solução, sugeriu a ONU em relatório de 2013, é começarmos a comer insetos.

Levando em conta que, mesmo diante de um cataclismo apocalíptico, ainda tem gente por aí que nem faz reciclagem, tenho lá minhas dúvidas que a recomendação fosse fazer o pessoal começar a botar umas larvas pra dentro.

Mas que teste melhor para esta nova culinária do que uma feira aberta ao povão de Toronto? (Povão do qual faço parte, claro._

Falar a verdade, mão tinha como ter escolhido um dia pior para a bendita refeição – estava úmido, fazia uns 30 graus e a única coisa que conseguia engolir era água mesmo. Mesmo assim, rumei à praça de alimentação, onde dezenas de fornos, fritadeiras e um sem-fim de gente deixavam o lugar tão quente quanto do lado de fora.

Quase todo mundo tinha algo pra comer nas mãos: éclairs de chocolate recheadas com filé e provolone, tortilhas com banana, Nutella e açúcar de confeiteiro. O tipo de coisa que eu não encararia mesmo na pior larica de todos os tempos, mas que parecia bem melhor do que eu estava prestes a comer.

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Os alimentos ali expostos eram o tipo de excesso absurdo pelo qual a CNE é conhecida atualmente, resultado de anos de rivalidade gastronômica. O fator choque, então, não chega a ser novidade na feira. Mas o que rolava do lado de fora do Bug Bistro, onde logo comeria pilhas de insetos me fez pensar se eles tinham ido longe demais.

Apesar de toda a galera estar curtindo tudo que a praça de alimentação tinha a oferecer, quem passava perto do Bug Bistro só parava pra exclamar, com um tiquinho de condescendência, "credo, não conseguiria nem trabalhar aqui".

O menu era relativamente simples, enxuto, se você esquecer todos os artrópodes e minhocas: tacos, rolinhos-primavera, um cachorro-quente, um smoothie e uma versão desconstruída de uma tortinha de limão. Cinco itens no total.

Gordon Ramsay ficaria orgulho. Quase tudo era composto integralmente de grilos e cascudinhos – larvas de besouro – ou, como no caso dos tacos e dogões, o acompanhamento era de uma saudável porção de grilos salpicada. Algo dentro de mim estava decepcionado, já que o que era servido parecia comida normal… Só que com um monte de bicho em cima.

Crédito: Andy Wood/VICE Canada

O chef responsável pelo Bug Bistro e veterano do CNE Mark Jachecki comentou que tentou primeiramente fazer um dogão só de grilos, mas ficou "horrível" por conta do baixo índice de gordura na carne dos insetos.

Em vez disso, Jachecki me disse ter optado por uma abordagem "menos panfletária": comidas com as quais estamos familiarizados acompanhados de bons punhados de grilos crocantes em cima para ir acostumando o pessoal à bendita experiência entomófaga.

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"Os benefícios à saúde relacionados aos insetos são fantásticos – e a sustentabilidade também", comentou Jachecki. "Há menor emissão de gases estufa em comparação com qualquer produção de proteína. E usamos bem menos água."

Eu mesmo adoro morar aqui na Terra e ficaria bem chateado de ver a vida toda no planeta ser extinta por causa de algum desastre climático, então isso é bem legal; mas confesso que o que me importava mais naquela hora era o que iria provar.

"Ouvi alguns comentários", disse Jachecki, depois que perguntei o que ele tinha percebido da reação do público. "Ouvi algumas pessoas comentando que [os grilos] tem gosto de gergelim, e não estamos usando-os ao natural e sim torrados. O povo gosta de coisas salgadas e crocantes, está tudo indo bem".

Com isso em mente, estava pronto para mergulhar de cabeça. Para ter a experiência completa, optei por uma refeição com três pratos: tacos como entrada, cachorro-quente de prato principal e uma tortinha de limão com grilos em cima e um chocolate Pocky só pra garantir.

Claramente Jachecki não queria disfarçar o que eu comeria. Parecia mesmo um monte de grilos em cima de tacos que pareciam deliciosos e bem normais. Senti como se estivesse prestes a cruzar uma pontezinha de madeira e, enquanto dava uma puta mordida, pensei: "Não olhe para baixo."

Crédito: Andy Wood/VICE Canada

Era ok. O taco em si não tinha nada demais, mas era bem gostoso. Os grilos davam uma crocância legal e ajudava o fato de que estavam cobertos por um tempero de limão e pimenta, marinados em tabasco. Era totalmente ok. Não era foda, sendo bem honesto, só legalzinho. Joga um punhado de bacon fritinho com molho barbecue num taco e dá pra ter ideia do que eu comi.

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Daí veio o dogão, uma experiência igualmente inofensiva. De sobremesa, mergulhei um Pocky numa piscininha de doce de limão acompanhada de alguns grilinhos picantes. Mais uma vez, foi gostoso. Nada incrível, mas gostosinho, sou um trouxa pra coisas doces e picantes.

Assim como cruzar a bendita ponte – algo que não é fácil como se tem medo de altura como eu – a única hora em que fiquei preocupado foi quando olhei para baixo. Se não fizesse ideia do que estava comendo, teria curtido sem ressalvas, fora esse lance de tirar uma perninha de grilo da boca que não descia.

Talvez tenha algo de bom aí nesse papo de "futuro da alimentação" quando se fala de insetos, afinal.

Ainda assim, caso as coisas continuem no ritmo que estão em relação ao aquecimento global e o crescimento populacional, talvez nem tenhamos escolha.

Tradução: Thiago "Índio" Silva