Jornalista que cobria o narcotráfico é assassinado no México
"Chega de Mortes", REUTERS/Carlos Jasso

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Jornalista que cobria o narcotráfico é assassinado no México

Javier Valdez Cárdenas levou 12 tiros em plena luz do dia. Ele foi o sexto jornalista assassinado este ano no país.

Foto acima: Jornais com sangue falso dizendo "Chega de Mortes", REUTERS/Carlos Jasso

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News .

Um dos jornalistas mais respeitados e experientes cobrindo a brutal guerra às drogas no México foi morto na segunda-feira (15) em Sinaloa, um estado duramente afetado pela violência do narcotráfico.

O corajoso e incansável repórter Javier Valdez Cárdenas levou 12 tiros saindo dos escritórios do Ríodoce, um jornal que ele fundou e editava em Caliacán, a capital do estado. Ele foi o sexto jornalista assassinado este ano — e o sétimo seria morto depois naquele mesmo dia. Mais de 100 jornalistas foram assassinados desde 2000.

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"O governo mexicano condena o assassinato de Javier Valdez. Minhas condolências aos familiares e amigos", tuitou o presidente Enrique Peña Nieto. "Reitero nosso compromisso com a liberdade de expressão e de imprensa, fundamentais para nossa democracia."

O presidente disse que uma promotoria especial de crimes contra a liberdade de expressão investigará a morte, mas fontes duvidam que o governo está realmente disposto ou é capaz de garantir que a justiça seja feita. De 2010 a 2016 a promotoria especial já recebeu 798 queixas de agressão contra jornalistas, assegurando apenas três sentenças de prisão, uma taxa de impunidade de 99,7%.

A morte de Valdez ocorreu menos de 48 horas depois que 100 homens armados sequestraram sete jornalistas no estado sem lei de Guerrero. Os agressores roubaram equipamentos no valor de dezenas de milhares de dólares antes de libertar os repórteres, que cobriam a violência na região.

Jonathan Rodríguez, um repórter de um semanário no estado de Jalisco, também foi baleado e morto na noite de segunda-feira. Sua mãe, Sonia Córdova, que também trabalhava no jornal, foi atingida e está em estado grave.

"Infelizmente é a isso que jornalistas corajosos estão expostos quando cobrem questões delicadas."

Valdez foi o jornalista mais conhecido assassinado nos últimos anos. Sua morte levou vários meios de comunicação mexicanos a pedir uma greve para protestar contra os crimes que continuam com impunidade.

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O Ríodoce descreveu a morte de Valdez como um "golpe devastador" e afirmou que o assassinato "sem dúvida" estava relacionado com as investigações dele sobre o tráfico de drogas.

"É preciso coragem para dizer a verdade", disse o amigo de Valdez, José Cisneros, à VICE News. "Matar aqueles que dizem a verdade não muda nada. Infelizmente, é a isso que jornalistas corajosos estão expostos quando cobrem questões delicadas. Vou sentir sua falta, Javier."

Um relatório recente do Comitê de Proteção aos Jornalistas, que deu a Valdez o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa em 2011, alertou que "uma falta de vontade política para acabar com a impunidade expõe o México como um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas".

"Estamos todos sob ameaça apenas por viver aqui."

Valdez era uma autoridade em crime organizado em Sinaloa, o estado natal do barão das drogas bilionário Joaquín "El Chapo" Guzmán, que aguarda julgamento em Nova York.

Me encontrei com Valdez pela primeira vez num café em Caliacán ano passado, onde discutimos o impacto da prisão de Guzmán. Facilmente reconhecível por seu chapéu Panamá clássico, ele era franco, perspicaz e generoso com seu tempo (ele foi citado várias vezes em matérias da VICE News). Ele estava consciente do perigo constante em que estava só por fazer seu trabalho, mas continuou investigando para suas reportagens.

"A sucessão pode ser perigosa, incluindo para jornalistas e cidadãos" disse Valdez. "O cartel de Sinaloa controla tudo aqui. Eles não precisam me ameaçar explicitamente para que eu saiba que estou sob risco, e que não posso passar dos limites. Estamos todos sob ameaça apenas por viver aqui."

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Valdez escreveu vários livros sobre pessoas pegas no meio da guerra às drogas de décadas no México, que já deixou 200 mil mortos e 30 mil desaparecidos. Falamos novamente em janeiro sobre seu último livro, Narcoperiodismo, que detalha os riscos de cobrir o crime organizado. Trechos dessa entrevista foram publicados anteriormente pela Index on Censorship.

"Em 2009, alguém jogou uma granada no escritório do Ríodoce, causando apenas danos materiais. Já recebi telefonemas me dizendo para parar de investigar certos assassinatos ou barões da droga. Tive que abafar informações importantes porque minha família poderia ser assassinada se eu as mencionasse. Fontes minhas foram mortas ou desapareceram", me disse Valdez.

"Acho que posso dizer que balas já passaram muito perto de mim. O governo não dá a mínima. Eles não fazem nada para nos proteger. São tantos casos e isso continua acontecendo. Acho que a melhor coisa a fazer seria pegar minha família e deixar o país."

Em muitos casos, o governo mexicano está diretamente por trás da violência. Um estudo do observatório de liberdade de imprensa Article 19 descobriu que oficiais públicos foram responsáveis por 53% das agressões contra jornalistas em 2016.

"Não vejo uma sociedade que fica do lado de seus jornalistas ou os protege."

"Pode ser mais perigoso investigar a corrupção política no México que investigar o narcotráfico", Valdez apontou. "A classe política é intolerante, sem respeito pela democracia ou a mídia. Eles têm assassinos à sua disposição porque cresceram com o apoio dos narcos."

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A situação deixou Valdez pessimista sobre as perspectivas do México.

"Os riscos para a sociedade e a democracia são graves. O jornalismo pode ter um grande impacto nas mudanças democráticas e consciência social, mas quando estamos trabalhando sob tantas ameaças, nosso trabalho nunca é completo como deveria. Estamos criando uma sociedade insensível, desinformada, surda e burra diante de tantas tragédias. Isso inibe mudanças políticas e facilita o crime e a corrupção."

"Não vejo uma sociedade que fica do lado de seus jornalistas ou os protege", ele acrescentou. "Se o Ríodoce falisse e fechasse, ninguém faria nada. Não temos aliados. Precisamos de mais publicidade, assinaturas e apoio moral, mas estamos sozinhos. Não vamos sobreviver por muito mais tempo nessas circunstâncias."

Jornalistas do México e exterior expressaram choque e luto pela morte de Valdez. A VICE News México escreveu um editorial protestando contra o ataque contínuo aos jornalistas mexicanos.

Duncan Tucker é um jornalista freelance que vive no México.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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