O WhatsApp está causando um sério problema de fake news no Brasil

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O WhatsApp está causando um sério problema de fake news no Brasil

Especialistas explicam como a mais popular plataforma de troca de mensagens no país pode criar confusão na eleição de 2018.

Matéria originalmente publicada na VICE News .

No meio de outubro de 2017, uma matéria do site “Livro da Verdade” se espalhou como um incêndio florestal na rede social mais popular do Brasil.

Espécie de cópia de um jornal, a matéria dizia que a popular drag queen brasileira Pabllo Vittar estava recebendo financiamento público para apresentar um programa infantil na Globo. A “notícia” tocava direto no clima de guerra cultural aqui no país com temas que envolviam gênero e política. A história teve tanta repercussão a ponto de especularem que a Globo perderia 50 milhões de espectadores com a contratação de Vittar.

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O problema é que nada disso era verdade, e a matéria foi logo desmentida. Mas a veracidade da notícia não parece importar muito, e até agora o texto já foi compartilhado mais de 110 mil vezes só no Facebook, diz o pesquisador Pablo Ortellado, professor de política pública da Universidade de São Paulo.

Ortellado acredita que a fake news de Vittar se espalhou ainda mais na plataforma de troca de mensagens mais popular do Brasil, também propriedade do Facebook: o WhatsApp.

E como o WhatsApp é um serviço de mensagem privado e fechado, os pesquisadores de fake news não têm muitos dados concretos sobre o que acontece no aplicativo. Ortellado diz que ele e os colegas conseguem informação sendo adicionados em grupos maiores sobre política do aplicativo ou examinando pistas no contexto, o que dá aos analistas “só uma fração do que está acontecendo”.

“Essa foi uma notícia falsa que se deu extremamente bem no Facebook, mas no site não tinha um botão para compartilhar no Facebook, só no WhatsApp”, disse Ortellado.

A criação e compartilhamento de fake news vem alarmando governos do mundo todo, mas poucos países expressaram tanta preocupação quanto o Brasil. E com razão, já que vários relatórios concluíram que notícias falsas regularmente superaram notícias reais no país em 2016. O problema é tão grande que a polícia federal brasileira anunciou recentemente planos para encontrar e “punir autores de 'fake news'” antes da eleição presidencial que promete ser tensa neste ano.

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“Temos esse novo fenômeno de sites de notícias falsas que têm como alvo especificamente o WhatsApp.” — Pablo Ortellado

Mas o WhatsApp acrescenta ainda outra complicação para o problema de fake news no Brasil: o segredo. Diferentemente das plataformas públicas Twitter e Facebook, onde as postagens podem ser facilmente rastreadas e analisadas por partes independentes, o WhatsApp é um serviço de mensagem privado entre indivíduos. No WhatsApp, os aspectos mais tóxicos das fake news se multiplicam: A plataforma exacerba bolsões de poderosas câmaras de eco num ambiente político já profundamente polarizado. E o mais complicado: para pesquisadores, jornalistas a própria polícia federal brasileira, é praticamente impossível rastrear a origem da desinformação compartilhada no WhatssApp.

“Temos esse novo fenômeno de sites de notícias falsas que têm como alvo especificamente o WhatsApp – e isso provavelmente será um problema nas eleições de 2018”, disse Ortellado.

DOMINÂNCIA TOTAL

O WhatsApp é quase onipresente no Brasil: 120 milhões de pessoas da população de aproximadamente 200 milhões usam o aplicativo de mensagem, o que faz do WhatssApp a rede social mais popular do país. Além disso, cerca de 35% dos usuários contam com a plataforma de mensagem como meio de consumo de notícias, segundo um estudo patrocinado pelo próprio WhatsApp.

E o clima político volátil no Brasil também não ajuda. Além disso, as agências de notícias brasileiras encolheram pronunciadamente nos últimos anos — e cada vez mais pessoas consomem notícias direto das redes sociais e confiam menos na mídia tradicional. Uma dinâmica similar nos EUA levou à propagação de fake news nas redes sociais durante as eleições de 2016, segundo um trabalho publicado em janeiro de 2017 por pesquisadores da Universidade Stanford.

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“Você pode ter uma grande rede de notícias de pessoas que estão fora do controle e não são vistas.”

“A condição que existe no Brasil é perfeita para as pessoas terem uma exposição seletiva, confirmando seu vieses, [e o pensamento de] seus grupos”, disse a pesquisadora sobre fenômenos da desinformação Claire Wardle a Bloomberg. E aplicativos de mensagem privados como o WhatsApp estão exacerbando esse tribalismo, disse Rosental Alves, professor de jornalismo da Universidade Texas-Austin.

“Famílias e todos os grupos que você pode imaginar criam sua própria rede particular de notícias no WhatsApp, e essas bolhas estão totalmente fora de controle para quem está de fora”, disse Alves. “Você pode ter uma grande rede de notícias de pessoas que estão fora do controle e não são vistas.”

Um representante do WhatsApp se recusou a comentar sobre as fake news no Brasil, mas apontou que ainda que nenhum dos aproximadamente 250 funcionários da empresa estejam locados diretamente no Brasil, a companhia se encontra frequentemente com o governo brasileiro.

Alvez, por sua vez, diz que essas redes de notícia no WhatsApp são “campo fértil para plantar informações falsas”, que se espalham rapidamente de grupo em grupo até “saírem do controle”.

UMA RESPOSTA PESADA

O véu de segredo dos criadores de fake news no WhatsApp provocou uma resposta pesada da polícia federal brasileira, que formou uma nova força-tarefa no combate a notícias falsas, com especialistas e analistas temendo que o aplicativo possa se tornar um veículo para censura e repressão da liberdade de expressão. Esses medos foram confirmados na semana passada, quando oficiais de alto escalão da polícia ameaçaram invocar uma lei da era da ditadura para avançar as investigações, mesmo não tendo autoridade para isso pela legislação brasileira.

Não é a primeira vez que o WhatsApp é uma fonte de tensão política no Brasil. A plataforma já foi derrubada três vezes por juízes brasileiros, mais recentemente em julho de 2016 numa disputa sobre compartilhar dados com a polícia. Em março de 2016, um executivo do Facebook foi até parar na cadeia por razões similares. O comprometimento da plataforma com a privacidade dos usuários tem sido elogiado por jornalistas e grupos de defesa de direitos.

Mas com o medo cada vez maior de uma resposta exagerada do governo e uma eleição presidencial que promete ser bastante complicada, o aplicativo de mensagem logo pode ter que confrontar seu maior obstáculo até agora, alerta um professor de ciências políticas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro: o exército.

“O Tribunal Superior Eleitoral do Brasil decidiu recentemente que o exército pode se envolver em reprimir fake news”, disse Mauricio Santoro. “Não deveria ser responsabilidade do exército dizer o que é e o que não é notícia falsa.”

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