Um guia para os sambas-enredo do Carnaval 2018 de São Paulo
Saudades do Carnaval 2017. Foto: Rodrigo Zaim/ R.U.A. Foto Coletivo/ VICE

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Um guia para os sambas-enredo do Carnaval 2018 de São Paulo

Luiz Pattoli volta ao bloco e analisa os 14 sambas do Grupo Especial do desfile paulistano.

Estamos a pouco menos de 20 dias do início oficial do carnaval. Digo oficial, porque já estão rolando diversos blocos pré-carnavalescos e, claro, os ensaios nas escolas de samba já estão ocorrendo há pelo menos seis meses. Mas no calendário está lá, dia 13 de fevereiro é a terça-feira de carnaval. E vai ser no dia 13 que conheceremos a campeã do carnaval paulistano. Se a vitória dependesse somente do samba-enredo, a disputa estaria embolada.

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A safra de sambas de 2018 é uma das melhores dos últimos anos e isso se dá por alguns motivos. O principal deles é a diminuição — ou praticamente uma ausência — dos enredos patrocinados, que nos anos recentes nos trouxe anomalias como homenagens a Roberto Justus, ao chocolate, ao iogurte, à visão, ao cabelo, à palha de aço, à camisinha. Chega, né? É muita vergonha alheia. Nem vou entrar aqui na discussão sobre a necessidade de dinheiro para fazer um grande desfile, mas tenho certeza que qualquer torcedor consciente sabe que foram enredos equivocados de suas agremiações. E isso nos leva ao outro motivo que faz de 2018 um dos melhores anos para os sambas: os temas escolhidos pelas escolas.

Se inicialmente alguns temas parecem limitar a inspiração, como a cidade de Guarulhos, por exemplo, a verdade é que os autores não ficaram presos às sinopses e foram bem criativos na hora de compor os sambas. Para quem não sabe, de maneira geral, o processo de composição de um samba-enredo se dá da seguinte maneira: o carnavalesco (ou comissão de carnaval em algumas escolas) define o enredo e prepara um documento com diversas referências e como é que aquele tema será retratado na avenida. Esse documento, chamado sinopse, é entregue para a ala de compositores da escola. Os compositores se reúnem em grupos e escrevem um samba que será apresentado numa competição dentro da escola até que seja escolhido o melhor. Esse processo tem diversos pontos que merecem ser explicados melhor num outro texto, mas de forma resumida é assim que acontece.

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Os compositores podem tomar dois caminhos: ficarem presos a essa sinopse e construir o samba com as referências diretas dela ou seguirem um caminho um pouco mais poético, que fale do tema, mas sem ser tão explícito. Para ficar mais fácil de entender, avalio abaixo os 14 sambas-enredos do Grupo Especial agrupados por categorias de temas e as respectivas notas com base meramente no meu gosto pessoal.

HOMENAGENS

Gaviões da Fiel

É um dos melhores, senão o melhor, samba do grupo especial do carnaval de São Paulo. Com um refrão forte e com uma letra bem amarrada, ao escutar o samba jamais se pensará que o tema da Gaviões é a cidade de Guarulhos. Na verdade, o enredo aborda os índios que dão nome à cidade, os Guarus. Sem nenhuma citação direta à cidade, os compositores optaram por um caminho poético, sem se prender à sinopse. “Anauê… sou índio guerreiro, no Gavião (eu sou) / Linda Jaci que clareia / A tribo alvinegra em sagrada missão.”

Nota: 10

Mancha Verde

A Mancha, que tradicionalmente faz enredos que pouco abordam o futebol, neste ano homenageia o grupo Fundo de Quintal. De tabela fala de amizade para homenagear o vice-presidente Moacir Bianchi, assassinado no ano passado por membros da própria torcida. De forma bem elaborada e construída a letra tem diversas referências a nomes e trechos de músicas do Fundo de Quintal. "Nesse terreiro de bamba / Quero mais é sambar…/ Sou Mancha Verde… o show vai continuar… / Sua história, é o meu carnaval / Obrigado do fundo do nosso quintal.”

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Nota: 10

Unidos do Peruche

Das homenagens a cantores, o Peruche traz o melhor samba falando de Martinho da Vila. Empolgante, bonito e bem construído tem de tudo para contagiar a galera na avenida. “Vai ter kizomba e axé / Peruche é samba no pé / É tradição, celeiro de bambas / Oitenta fevereiros a cantar / deixa a tristeza pra lá.”

Nota: 10

Vai Vai

Homenageando Gilberto Gil, o samba é uma colagem de nomes e trechos de músicas do homenageado. O resultado é surpreendente e ficou muito bom na voz de Grazzi Brasil — única mulher a puxar um samba como voz principal no Grupo Especial em 2018.

Destaque pro primeiro refrão: “O rei da brincadeira… ê José / Não tem mais confusão… ê João / Esse mundo dá voltas… camará / Zum zum zum zum zum… capoeira”.

Nota: 9,9

Mocidade Alegre

A Mocidade vai homenagear a cantora Alcione. O samba não chega aos pés da obra da queridíssima Marrom, mas também não faz feio e não decepciona. “Não deixe o samba morrer / Não deixe o samba acabar / Na mocidade, vem ver, o nosso povo cantar /

A poesia sorriu ao falar de emoção / Em sua voz, Marrom!"

Nota: 9,9

Tom Maior

Homenageando a escola carioca Imperatriz Leopoldinense a Tom Maior traz um samba que pouco empolga e fica muito preso à sinopse. “O meu sonho de ser feliz / Vem de lá sou Imperatriz / Vem festejar, coroar essa paixão / Imperatriz num só coração / É carnaval, o meu sonho verdadeiro / Sou Tom Maior, me orgulho de ser brasileiro."

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Nota: 9,8

Acadêmicos do Tatuapé

O tema é o estado do Maranhão. O samba, que não empolga tanto, exalta a história do estado e suas tradições culturais, mas faltou um algo a mais. "Viva São José, venha me valer / Ilu Ayê ô ilu ayê / Tatuapé numa linda procissão / Canta tua história…Oh! Maranhão."

Nota: 9,8

Unidos de Vila Maria

Chaves e Chapolim e consequentemente, o México. É esse o enredo que a Vila Maria traz para o carnaval de 2018. Apesar de ser um tema que tem tudo para agradar os brasileiros, já que Chaves permanece no ar há mais de 30 anos, temas mexicanos não costumam ir bem na avenida. A Vila Maria vai tentar reverter essa sina, mas se depender do samba a tarefa não vai ser tão fácil. “A mais famosa' chegou… eterno caso de amor / 'Isso, isso, isso' É paixão / Vem reviver a pureza e 'minha nobreza' / Chaves do meu coração."

Nota: 9,8

ENREDOS GENÉRICOS

Dragões da Real

Depois do ano passado em que foram vice-campeões com um enredo baseado em “Asa Branca” de Luiz Gonzaga, neste ano a escola que também é uma torcida do São Paulo, vem com um tema que fala do mundo caipira, do interior do país. E o samba é um dos mais inspirados e com um refrão que vai funcionar muito bem na avenida. “Eu sou caipira pirapora sim sinhô! / Venho de longe pra mostrar o meu valor / 'Chora viola', vamô simbora! / Abre a porteira que a Dragões chegou!”

Nota: 10

Rosas de Ouro

A Roseira fala dos caminhoneiros em 2018 num samba perfeito. Poético e empolgante, com a interpretação do mito Royce do Cavaco, o samba fala do universo das estradas e dos motoristas de caminhão. Canta junto: “Amor, abra a porta 'preu' entrar / Chame as crianças, tô de volta ao nosso lar / Lá vou eu (Eu vou), nas curvas desse meu Brasil / Levando na boleia a flor / Razão do meu viver, vou te emocionar Quando a Roseira passar."

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Nota 10

X9 Paulistana

A X9 canta os ditados populares e um dos grandes pontos positivos no seu samba é a interpretação de Darlan Alves, que canta sem pressa, num ritmo que difere dos outros puxadores. A letra é composta basicamente de frases da sabedoria popular. “Quem canta, os males espanta / Nessa festa "quem não dança segura a criança / Chegou X-9, o chão tremeu / A voz do samba é a voz de Deus / Pode acreditar é a voz de Deus.”

Nota: 10

Império de Casa Verde

Aproveitando o momento político brasileiro, a Império vem com um tema que fala sobre revoltas populares, convidando o povo a ir para a rua. Aqui, temos um clássico exemplo de letra que ficou muito baseada na sinopse apresentada pelo carnavalesco. Quem poderia imaginar um samba que fala em “tavernas”? O intérprete Carlos Jr e a introdução de Edi Rocky, dos Racionais MC’s, salvam o samba-enredo. “Meu império é amor, tem a força pra vencer /

Tigre guerreiro não cansa / Vai à luta de novo / Teu sangue azul é a cara do povo.”

Nota: 9,8

Acadêmicos do Tucuruvi

A praticamente um mês do carnaval um incêndio fez com que a Tucuruvi perdesse 80% das suas fantasias. Com isso, a escola não será avaliada — e nem rebaixada — neste ano. O enredo fala sobre museus e a importância dessas instituições para a cultura. O samba não é dos mais inspirados. “Uma noite no museu… você e eu / Fazendo história nesse carnaval / É show na galeria, meu tucuruvi / Pode aplaudir."

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Nota: 9,8

Independente

Pela primeira vez no grupo especial, a Independente vem com um enredo que já vimos em outros carnavais: o terror. O samba traz gritos de guerra da torcida e não chega a empolgar. "Hoje o bicho vai pegar, vem ver / A plateia delirar, enlouquecer / Saiu da tela, entrou na mente / É o terror independente.”

Nota: 9,8

MENÇÕES HONROSAS

Duas escolas do Grupo de Acesso têm sambas que poderiam figurar no Grupo Especial: Colorado do Brás e Nenê de Vila Matilde. A primeira, tem o melhor samba de 2018 entre todas as agremiações. Com um tema que fala dos diversos orixás do candomblé, a escola mostra como os temas afros combinam com o carnaval e poderiam ser muito mais explorados pelas escolas. A Nenê, uma das escolas mais tradicionais do carnval, também fala de orixá, no caso, de Iemanjá num samba forte e poético.

Nota: 10 para ambos.

“Meu tambor é mandingueiro / firma o canto no terreiro / hoje vai ter xirê, hoje vai ter xirê / roda baiana salve todos orixás / Axé a colorado vai passar

“É samba pé no chão / É força pra lutar / É o quilombo azul e branco que não para de cantar”.

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