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A mitologia dos mascotes do futebol de várzea de Diadema

Visitamos seis torcidas para entender a história por trás dos personagens que vão de Osama Bin Laden a Barack Obama.

Toda essa história começou no cabeleireiro da favela União, uma das quebradas de Diadema, município de São Paulo. A resenha era com Carlos Alexandre, de 35 anos, cabeleireiro que falava da paixão pelo seu time de várzea Leões do Mar e sua torcida Comando Rubro Negro que decora as paredes do salão. Papo vai e papo vem, reparei que a organizada usava, como mascote, o ex-presidente dos EUA, Barack Obama. Enquanto cortava meu cabelo, perguntei a ele o porquê. A resposta foi simples: era para confrontar a torcida rival, a do Aquáticos, do Água Santa, cujo mascote era, bem, o falecido terrorista Bin Laden.

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Ao perceber meu interesse pelos símbolos esdrúxulos dos times, Alexandre me convidou para dar um rolê e sacar que havia muito mais histórias para descobrir. A viagem seria feita em seis etapas. Visitaríamos as torcidas do Água Santa, do Jardim Casa Grande, do Leão do Mar, do Boa Vista, do Morro do Samba e do Vila Nova Conquistas. Cada uma delas com símbolo mais maluco que o da outra. O resumo de cada parada boto logo abaixo.

1.
Time: ESPORTE CLUBE ÁGUA SANTA
Torcida: AQUÁTICOS
Mascotes: BIN LADEN e BEZERRA DA SILVA

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Camisa atual da torcida Aquáticos, do Água Santa. Crédito: Rafael Moura

Na sede do Aquáticos, organizada do Água Santa, conhecemos Julio César, 42, responsável pela torcida. Ele nos contou que a agremiação surgiu em 2006 pela necessidade de haver uma torcida que se identificasse com o time. O primeiro mascote oficial da torcida foi o rei das águas, o Netuno. O bichão criou laço com os torcedores, mas era, digamos, muito comportado.

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Muitos torcedores ainda usam o símbolo de Netuno. Crédito: Rafael Moura

Conforme o Água Santa crescia, maior ficava sua fama pouco amistosa. Muitos chamavam seus adeptos de terroristas. “Nunca ninguém tinha visto tanta gente em prol de um time pequeno e, quando a gente chegava nos jogos, começou a ter essa fama de torcida terrorista. Queríamos então ter um mascote que representasse nossa torcida, aí escolhemos o maior terrorista para representar, o Bin Laden”, contou Denis da Silva, 32, ex-vice presidente da torcida.

Mesmo com a má fama que uma bandeira com o homem responsável pelo 11 de setembro pode causar, Silva afirma que se trata apenas de algo simbólico. Não tem muito a ver com o que ele e outros torcedores são. “Como era um time de quebrada, de favela, colocamos um personagem que tinha um significado na torcida, mas não quer dizer que nós somos bandidos”, diz. “Ainda mais depois de ter entrado na elite (o Água Santa disputou a primeira divisão do Paulista em 2016), nós ficamos um tempo sem usar, mas depois retornamos com o Osama sem armas.”

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No começo, o mascote de Osama era bem agressivo. Tinha dois fuzis e uma granada com a frase: “é tudo nosso, o que não for nois toma”. A imagem ajudou a crescer a fama do time ser ligado ao crime organizado. No caso, de ser do PCC.

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À esquerda, a camisa com o Bin Laden mais comportado; à direita, o antigo. Crédito: Rafael Moura

“Mano, essa história já vem de muito tempo, nós não temos nada a ver com nada disso não, inclusive isso afasta pessoas a virem conhecer nosso time, nosso estádio”, conta Silva. “Muitos dizem que somos violentos, mas somos os que mais pregamos a paz. Recebemos torcidas rivais aqui, convidamos para tomarem cerveja. Aqui prezamos pelo respeito. É só você ver na nossa sede: tem criança, mulher… Aqui a gente é paz”, garante.

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Bezerra da Silva é o símbolo da torcida dos idosos. Crédito: Rafael Moura

Outro mascote que também faz parte da torcida e é dedicado aos veteranos é o ícone do samba, Bezerra da Silva. Um dos fãs dele é Arzel Moreira, 58, almoxarife, torcedor e ex-jogador do clube. “Torcer pro Água Santa é muita alegria, me arrepia”, aponta para o braço. “Joguei por ele na época de várzea, e hoje vejo as cores que defendi na elite do futebol. Sou 40% corintiano e sou 60% Água e sonho que ainda vou ver a gente ganhar o Mundial primeiro que o Palmeiras.”

2.
Time: S.E. JARDIM CASA GRANDE
Torcida: PIRATAS DO CASÃO
Mascotes: JACK SPARROW

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Torcedor com camiseta do Jack Sparrow. Crédito: Rafael Moura

A torcida do Jardim Casa Grande é antiga. Foi criada no início dos anos 80 por uma família do bairro. Os caras tinham lá sua peculiaridade: um ou mais deles foram um dia por acaso com um tampão de pirata no olho e o artigo ficou tão marcado que virou símbolo. Hoje a torcida, chamada de Piratas do Casão, usa caveiras monstruosas e também o Capitão Jack Sparrow, do filme Piratas do Caribe.

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Tatuagem que simboliza torcida organizada. Crédito: Rafael Moura

Quem nos apresentou a história foi Sérgio Carlos, 41, mais conhecido como “Camisinha”, presidente do time Casa Grande. Ele foi jogador profissional por times como Santos, Mogi Mirim e chegou a jogar um período na Bélgica. Hoje, além de estar à frente do time, dedica seu tempo a projetos sociais em sua comunidade para ajudar jovens sem estrutura.

“Como eu não tive oportunidade, meu pais eram pobres não puderam me dar a instrução, mas deram o que puderam certo e hoje graças a Deus posso ajudar jovens a sair das drogas, do crime. Então minha comunidade é tudo pra mim e hoje eu posso fazer alguma coisa por ela”, conta, orgulhoso.

3.
Time: LEÃO DO MAR F.C.
Torcida: COMANDO RUBRO NEGRO
Mascotes: LEÕES DA QUEBRADA E BARACK OBAMA

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Torcedor com camiseta do mascote de Barack Obama. Crédito: Rafael Moura

Um dos jogos que acompanhamos na Divisão Especial de Diadema de Futebol Amador foi o do Leão do Mar. Ficamos no meio da torcida Comando Rubro Negros. Eles usam três leões e uma forma humana, todos vestidos bem no estilo de quebrada; um deles segura até uma garrafa de Jose Cuervo. “Leão é só loucura, maconha e pinga pura, já está nas músicas da torcida”, me disse um de seus torcedores na arquibancada.

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Uniformes com leões de quebrada. Crédito: Rafael Moura

Os torcedores usam uma arte com o rosto do Bob Marley e com a cara de um leão. Mas a que chamou muita atenção entre mascotes foi ver Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos. “Usamos o Obama (que comandou a operação que matou o terrorista) para confrontar com Bin Laden, tipo uma sátira, os caras acham que são terroristas, mas nós também bate de frente com nossa ideologia, tipo um confronto.”

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Bandeirão chavoso. Crédito: Rafael Moura

Essa rivalidade vem desde os tempos em que o Água Santa Esporte Clube jogava nos campos de várzea em Diadema e, pelo visto, nunca irá acabar.

4.
Time: S.A. BOA VISTA
Torcida: TORCIDA DA CITY
Mascotes: QUADRILHA DA MORTE e MUTTLEY

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Camiseta do técnico do Boa Vista carrega símbolo da Quadrilha de Morte. Crédito: Rafael Moura

Derli Domingues, 32, foi quem nos apresentou a torcida do Boa Vista. O cara se sairia bem na função de assessor de grandes times: assiste a tudo de longe e fica próximo à comissão técnica do Boa. Ele nos colocou em contato com a Torcida City, que usa a Quadrilha de Morte como símbolo. “

“No final de 2009 tínhamos uma diretoria muito unida, grandes amigos, aí pensamos em usar alguma coisa que expressasse nossa união, então escolhemos a Quadrilha de Morte que mostra essa amizade” contou Anderson Rio Branco, 31, conhecido como Ratinho. Questionado se usar a “quadrilha” para falar de amizade não era meio estranho, ele respondeu rápido: “Mano, se fosse ruim, não era desenho de criança, né?”, diz, rindo.

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Torcedor com tatuagem com a Quadrilha da Morte. Crédito: Rafael Moura

Derli nos levou para mostrar os vários troféus que o time tem. Alguns só o Boa Vista possui, como ter a mulher mais velha em torcidas de Várzea. É motivo de orgulho para todos. Outra glória para o time varzeano é o fato deles conseguirem manter o jogador mais caro da modalidade: Jacaré, um dos destaques da várzea em Diadema. Quando as coisas dão certo por lá, a torcida costuma usar outro símbolo: Muttley, do mesmo desenho Corrida Maluca. Segundo os torcedores, é ele quem segura as medalhas.

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Camiseta de dia de glória. Crédito: Rafael Moura

5.
Time: E.C. MORRO DO SAMBA
Torcida: TERROR TRICOLOR
Mascotes: CHUCKY, O BONECO ASSASSINO

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Manuel, o presidente da torcida organizada do Morro do Samba, com jaqueta de Chucky. Crédito: Rafael de Moura

O presidente do Esporte Clube Morro do Samba, Manuel de Jesus Pereira, de 45 anos, foi logo explicando o que significa ter o boneco assassino Chucky como mascote do time. “Como eu sou baiano e as cores do nosso time eram muito parecidas com as do time do Bahia, comecei a procurar alguma coisa que combinasse com nosso time”, conta. “Aí vi esse Chucky combinou bem! E serviu pra chamar atenção das pessoas agregar mais gente para torcer pelo time.”

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Uniforme oficial da organizada. Crédito: Rafael Moura

Uma das coisas que Manuel ressaltou foi a dificuldade de manter o time sem muitos recursos. “A gente acaba se virando com o que tem, alguns amigos ajudam o time como podem, mas às vezes fazemos tudo mesmo”, diz. “O que eu gostaria de ver mesmo era oportunidade para a molecada mais nova. Tem que abrir as portas para eles terem a oportunidade de jogar bola, afinal, é uma forma deles saírem das ruas. Esperamos que o esporte não forme apenas jogadores de futebol, mas cidadãos.”

6.
Time: E.C. VILA NOVA CONQUISTA.
Torcida: TORCIDA UNIFORMIZADA DA COCA
Mascotes: HOMER SIMPSON

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Torcedores com camiseta de Homer agressivão. Crédito: Rafael Moura

A torcida do Nova Conquista vem da favela da Coca, uma quebrada famosa de Diadema. Daí o nome: TUC, a Torcida Uniformizada da Coca.

A torcida foi criada inicialmente para unir a quebrada que andava muito dividida. Ocorreu por meio de dois amigos, um fanático pelo Palmeiras e o outro pelo Corinthians. Eles criaram a TUC em 2012 e logo se apressaram de botar o cômico Homer Simpson para representar o time. “O Homer é tipo um significado para todos, ele é o símbolo do cachaceiro e gente curte, e o Homer gosta da resenha”, conta um dos torcedores. “Esse é o espírito da torcida.”

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Diretoria e molecada colam no mesmo ambiente. Crédito: Rafael Moura

Mas vale lembrar que não é qualquer Homer ali. É um Homer de torcida de Diadema: com um fuzil. Perguntei a outro torcedor o porquê dessa inserção bélica. “Cara, a gente é quebrada”, respondeu. “De coração, nossa intenção era só se diferenciar, mas pegou mal até na própria torcida, muitos pais deixaram de comprar a camisa pro filho por causa da arma, então a gente parou para refletir sobre isso.”

O time tem outro fato curioso e raro na várzea paulista: quem ocupa o cargo de presidente é uma mulher, a Zenaide. No dia em que visitamos o clube, ela estava no campo empurrando o time e, devido ao calor do jogo, não conseguimos entrevistá-la. Pelas arquibancadas, o que mais ouvimos dos torcedores (a maioria deles corintianos e palmeirenses) foi o papo de paz, de amizade e de disciplina na quebrada. Bem distante do clima Homer assassino.

Essa reportagem integra a série Brazica, a nossa busca pelo lado mais inusitado do futebol nacional. Acesse todas as matérias aqui.

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