Como a PEC dos Games pode deixar o preço de jogos e consoles menos escroto
Arte: Flora Próspero/VICE Brasil.

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Como a PEC dos Games pode deixar o preço de jogos e consoles menos escroto

Explicamos a PEC 51/2017, que quer cortar a cobrança de impostos para videogames produzidos no país.
Flora Próspero
ilustração por Flora Próspero

Videogames sempre foram caros no Brasil, quase artigos de luxo, e os culpados por isso sempre foram eles: os impostos, com seus IPIs e ICMSs que fazem com que consoles sejam vendidos por valores pornográficos, como os R$ 4 mil do PlayStation 4 há alguns anos e, mais recentemente, o do Xbox One X. Mesmo quando os aparelhos são fabricados por aqui alguns impostos ainda são cobrados, fazendo os preços continuarem salgados.

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Por isso, de tempos em tempos, aparecem iniciativas para tentar diminuir ou eliminar o peso que as taxas tributárias têm no preço dos nossos joguinhos, mas nenhum chegou a ir pra frente mesmo (quem aí se lembra da iniciativa Jogo Justo?).

Agora, surge uma tentativa para mudar a situação direto na fonte do problema com a PEC 51/2017, uma Proposta de Emenda na Constituição brasileira que pretende tirar totalmente a cobrança de imposto em consoles e jogos que são fabricados nacionalmente.

Aqui a gente vai explicar direitinho do que se trata a proposta e o que precisa ser feito até ela valer de fato — o que, infelizmente, deve demorar.

O que é a "PEC dos Games"

A PEC 51/2017 tem a proposta de dar “imunidade tributária sobre os consoles e jogos para videogames produzidos no Brasil” e pretende realizar isso acrescentando os games no Inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal.

O Inciso VI do Artigo 150 lista tudo aquilo que os governos federal, estadual e municipal não podem cobrar impostos. É ali que está escrito que igrejas e templos religiosos não devem pagar tributos, por exemplo, assim como livros e jornais.

Mais recentemente, em 2013, uma outra PEC, a PEC da Música, incluiu também CDs e DVDs de artistas brasileiros. Assim, a PEC 51/2017 (que por aqui chamamos de PEC dos Games) quer acrescentar consoles e jogos produzidos no Brasil nessa lista seleta.

Como surgiu

Por incrível que pareça, tudo começou num desses abaixo-assinado que a gente se depara no Change.org. A proposta, criada pelo carioca Kenji Kikuchi, pedia a diminuição para 9% nas cobranças de tributos sobre games e que, caso acontecesse, prometia até a Nintendo de volta ao Brasil. O abaixo-assinado teve somente 341 assinaturas.

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Kikuchi, de 19 anos, é mais um jogador que “sempre teve raiva dos preços ridículos dos games no Brasil”, como ele falou em entrevista à VICE. Por isso que, quando o abaixo-assinado deu ruim, ele não desistiu da ideia. “Me lembraram do site do Senado em que você pode propor projetos de lei e fui para lá”.

O ‘Site do Senado’ do qual Kikuchi fala é o Portal e-Cidadania, uma ferramenta na qual a população pode sugerir ideias e propostas que, caso atinjam 20 mil votos de apoio popular em quatro meses, se tornam Sugestões Legislativas e começam a ser debatidas pelos senadores.

Foi isso o que aconteceu com a Sugestão Legislativa Nº 15, proposta por Kikuchi, que tinha o mesmo objetivo do abaixo-assinado de diminuir os impostos sobre games para 9%. Só no primeiro dia em que ficou em votação, a ideia teve mais de 27 mil votos a favor.

A popularidade se deu muito por causa de campanhas em fóruns na internet e entre alguns YouTubers, como Guilherme Gamer e Davy Jones. A própria TV Senado chamou atenção ao projeto.

A proposta foi feita em maio de 2017 e ficou o resto do ano sendo discutida na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, que é uma equipe selecionada para analisar se as ideias aprovadas pela população não vão contra a constituição brasileira e são válidas para serem discutidas no Senado.

Em dezembro de 2017, a Sugestão Legislativa Nº 15 foi aprovada na CDH e transformada na PEC 51/2017, mas com uma mudança bem crucial: a ideia agora é reduzir para zero (e não mais 9%) a cobrança de impostos.

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Uma figura importante pra criação da PEC dos Games foi o senador Telmário Mota (PTB), de Roraima, que foi o responsável por analisar a proposta na CDH e também quem sugeriu a mudança pros jogos não pagarem nenhum imposto.

Em um papo que tivemos com ele, o senador pareceu enxergar os videogames como um produto cultural importante de se ter no país, citando até o clássico Mônica no Castelo do Dragão, de Master System.

“O Brasil produz jogos eletrônicos desde a década de 90, com os personagens de Maurício de Souza na adaptação Mônica no Castelo do Dragão, e tem a 12ª maior indústria de jogos no mundo [dados do relatório global do mercado de games em 2016, realizado pela empresa Newzoo], só que a alta tributação inibe o potencial cultural de nosso setor”, falou o Senador.

Senador Telmário Mota (PTB/RR). Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado.

De acordo com o parlamentar, a forma mais eficaz de tirar esses impostos é mudando a constituição, como aconteceu com CDs e DVDs na PEC da Música. “Das fórmulas possíveis, a única efetiva de promover uma mudança real na tributação é pela via constitucional, por meio de proposta de emenda à Constituição que imunize o segmento de impostos”, falou ele no relatório da criação da PEC dos Games.

Videogames mais baratos

A PEC dos Games pode deixá-los mais baratos, mas quanto? Para responder essa pergunta a gente foi trocar uma ideia com o advogado tributário Gregory Becher, da CQS Advogados, especializados em consultaria jurídica na área de entretenimento.

Gregory diz que não é possível afirmar com exatidão os valores que videogames passariam a ser vendidos, por causa da “complexidade da tributação das grandes empresas como Sony e Microsoft”. Ele explicou que a forma como os tributos afetam o preço de um aparelho produzido por aqui varia, ainda mais com os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, onde as empresas fabricam os consoles. A mesma imprecisão acontece nos jogos físicos de PS4 e Xbox One que são prensados por aqui.

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“Porém, creio que poderia ter uma diminuição nos valores oficiais por volta de 30% a 40% no preço dos consoles e jogos, caso o benefício seja repassado integralmente para os consumidores”, afirmou Gregory.

Com base nessa previsão, montamos aqui uma tabela com os preços atuais dos consoles e jogos físicos e os valores que eles podem receber caso fiquem mais baratos:

A gente sabe que tanto PlayStation 4 quanto Xbox One podem ser encontrados por preços mais em conta do que esses hoje em dia, mas esses valores nas vitrines das lojas são baseados nos preços oficiais sugeridos por Sony e Microsoft. Por isso, se os preços oficiais caírem, os preços nas lojas também diminuiriam.

É importante também lembrar que, atualmente, somente o Xbox One S e o PS4 Slim são fabricados no Brasil. PS4 Pro e Xbox One X, mesmo já lançados oficialmente no país, são importados, por isso não seriam afetados pela PEC dos Games. O mesmo vale pro Nintendo Switch, que nem mesmo foi lançado de forma oficial no Brasil.

Já uma questão que fica em aberto é em relação aos jogos digitais. Afinal, cada vez mais os jogadores estão preferindo comprar pelas lojas online do PlayStation e Xbox. Pros grandes lançamentos de jogos, os preços praticados nessas lojas são próximos da versão física.

A versão digital de Monster Hunter World, um dos principais lançamentos nesse início de ano, está custando R$ 249 na loja online do Xbox One. Já a versão física do mesmo jogo, também para Xbox, sai por R$ 219.

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'Monster Hunter World'. Imagem: Capcom/Divulgação.

Será que os jogos digitais ficariam também mais baratos? “Entendo que o consumo dos games digitais não seria afetado em um primeiro momento, dado que a legislação traz expresso que o game deve ser produzido no Brasil”, afirmou Gregory.

A queda no preço poderia depender das próprias Sony e Microsoft e nós até tentamos entrar em contato com as duas empresas, mas a Sony preferiu não comentar o assunto e a Microsoft não respondeu.

O que falta pra PEC valer de fato?

A PEC dos Games foi criada, mas ainda deve demorar bastante até ela começar a valer. Atualmente, de acordo com o site do Senado, a PEC está “Aguardando Designação do Relator”, ou seja, está esperando algum parlamentar ser selecionado pra analisar o texto da proposta e ficar como responsável por ela enquanto é discutida.

Além disso, ainda há todo o longo e burocrático processo de análise e votação. Se liga no processo:

Esse, porém, é um cenário perfeito do que pode acontecer, porque se a PEC sofrer alguma alteração na câmara dos deputados ela volta pro Senado e recomeça do zero. DO ZERO. Ou seja, é um processo que pode durar até alguns anos. A PEC da Música, por exemplo, só foi aprovada depois que passou dois anos sendo discutida.

Além disso, a PEC dos Games também deve sofrer bastante resistência dos políticos. Afinal, ela pretende fazer com que o governo deixe de receber dinheiro dos impostos, o que nunca é visto com bons olhos. Mesmo assim, o senador Telmário Mota ainda é confiante. “Se opor à PEC é um erro porque hoje o Governo arrecada muito em cima do pouco que produzimos. Com essa PEC o governo arrecadará mais com menos impostos”.

Só que, na real, nada disso importa muito, já que a PEC dos Games nem pode ser votada no momento. Isso por causa da intervenção militar que está rolando atualmente no Rio de Janeiro.

De acordo com a Constituição, nenhuma PEC pode ser votada no Senado ou na Câmara dos Deputado enquanto acontece uma intervenção federal. O pior é que a Intervenção no Rio deve durar até 31 de dezembro de 2018.

Infelizmente, vai ser um longo caminho até vermos jogos e consoles mais baratos no Brasil. Em uma perspectiva mais positiva, isso pode acontecer lá pra 2021 ou 2022, quando provavelmente já estaremos em uma nova geração de videogames.

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