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Noisey

Música negra moderna para viajar no espaço e tempo: ouça o primeiro disco do Ziminino

Numa atmosfera moderna, o duo formado por Rafa Dias (Àttooxxá) e Ricô Santana (OQuadro) reverencia sua ancestralidade em um álbum de música negra global feita na Bahia
Rico and Rafa 2 (1)
Foto: Divulgação.

Fruto de vocabulário ancestral e da junção entre duas mentes férteis da música feita na Bahia atualmente, o Ziminino chega com seu primeiro disco recheado de sons multinacionais. Rafa Dias (Àttooxxá)e Ricô Santana (OQuadro) começaram o projeto há mais ou menos três anos e desde então o trabalho vem sendo amadurecido homeopaticamente. O resultado que eles trazem agora é um álbum que nos leva a vários ambientes da música negra global, desde as cordas tocadas nas ruas de pedra do recôncavo baiano aos timbres eletrônicos dos guetos europeus.

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Seguindo nessa atmosfera global do disco, o duo fez sua primeira apresentação no último sábado, no conceituado festival South by Southwest (SXSW), no Texas, EUA, onde costumam se apresentar nomes de inúmeros cantos do mundo. O material que chega às plataformas digitais nessa sexta-feira (22) também está sendo lançado fisicamente por lá, através do selo estadunidense INTL BLK, especializado em música negra eletrônica.

No melhor estilo “do interior baiano pro mundo”, Rafa Dias é o idealizador e beatmaker que responde pelos graves do Àttooxxá, enquanto Ricô é o multi-instrumentista responsável pelo baixo e outras coisas mais na banda de rap OQuadro. Ouça agora o disco e confira o papo que tivemos com a dupla enquanto eles se deslocavam por terras norte-americanas.

Noisey: O primeiro show do Ziminino foi há poucos dias, dentro do festival South by Southwest (SXSW), no Texas, EUA. Conta pra gente como foi esse momento e por onde vocês estão agora?
Ziminino: Final do ano passado o produtor Chief Boima falou com a gente que havia essa possibilidade de fazer o SXSW e já aproveitar pra fazer outras coisas por aqui. Tocamos aqui no festival no último sábado, foi nossa primeira apresentação e acho que talvez estrear aqui até seja parte de um caminho natural que a gente tá fazendo, parte do projeto é muito pensando para além do Brasil. Daqui a gente segue pra tocar em Los Angeles e depois Oakland. Tamo gravando dois clipes por aqui também e podendo acompanhar a parte do merchan. Nossos materiais estão sendo lançados por um selo daqui e a gente chegou já com o disco pronto, vinil, tudo certinho. A gente foi super bem recebido lá no SXSW, mesmo sendo o primeiro show, em que a gente ainda estava testando e ajustando as coisas, vendo o que funciona mais e tal. Deu pra sentir que era um público bem atento, com outros músicos e produtores assistindo e uma galera chegou até a gente com uma certa emoção e respeito que foi bem interessante em ver no público daqui.

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E qual é a história do projeto até aqui? Eu sei que rolaram uns singles há uns anos e agora vocês estão chegando com o disco cheio. Conta um pouco desse caminho de lá pra cá.
O projeto começou de maneira bem espontânea. A gente tava em Salvador, eu (Ricô) tava ficando uns dias na casa de Rafa e mostrei a ele uma música que eu tinha feito no violão. Aí ele já veio somando com uns beats e umas referências e nessa primeira noite a gente já criou essa primeira música, que foi “Lágrima” (segunda faixa do álbum). Disso aí a gente viu que tinha uma parada pra render, com um conceito legal, diferente e a partir daí a gente delineou a concepção das outras, do que seria o projeto mesmo. E fomos fazendo conforme iam rolando esses encontros esporádicos. Fluía sempre rápido, como se já tivesse tudo concebido na cabeça da gente, só precisava botar pra fora. Fomos escrevendo e gravando, levando como dava junto com nossas outras prioridades - o que é até bom porque a gente aproveitava esses intervalos pra amadurecer mais as coisas, ver direito o que se encaixava, num caminho bem natural mesmo. Algumas músicas até ficaram de fora do disco, que a gente foi vendo que não entravam no conceito e talvez a gente lance separadas mais à frente.

Em que momento e de que forma as composições são feitas? Como é o processo de vocês sendo que cada um tá sempre num canto e com outros projetos rolando?
Nesse disco a maioria das músicas foram bastante com Ricô criando em casa, no violão, na tranquila. Aí quando a gente se encontrava, geralmente no Rio de Janeiro ou Salvador, partia pra produção valendo, com o beat, com Rafa adicionando o que ele ia interpretando e a gente ia criando, seguindo essa linha de concepção que já tínhamos para o projeto.

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A gente tá sempre trocando ideias e referências, mandando som um pro outro, mesmo sem nenhum objetivo específico, mas é algo que acaba influindo de maneira bem positiva no processo de composição. Quando a gente se encontra se mantém atualizado na nossa linguagem e a coisa flui mais naturalmente. Nessa tour mesmo a gente já tá começando a fazer uns sons novos, vem muito do momento mesmo.

O clipe de "Intermitência" é o primeiro registro audiovisual do projeto e vocês não aparecem nele. Teve algum motivo especial pra isso? Como o personagem e a dança se relacionam com o Ziminino?
O clipe foi pensado nessa perspectiva mesmo, de nesse primeiro momento a gente não aparecer. Mas não no sentido de esconder e sim de deixar uma coisa mais abstrata, não sentimos necessidade de aparecermos e deixamos a dança e as relações com cotidiano e tempo retratadas ali ocuparem esse lugar no vídeo, dando espaço pra mais divagações. Acho que num próximo a gente deve aparecer pra botar a cara no sol (risos).

O disco me leva a vários lugares. Se eu não conhecesse o trabalho de vocês de outras bandas seria até difícil saber de onde a parada vem. Comentem sobre essa multinacionalidade musical que o Ziminino tem.
Essa viagem tá colocando isso mais ainda na nossa cara, tem até uma galera achando que a gente é gringo, francês (risos). Acho que faz parte do nosso DNA mesmo buscar essa pesquisa que realmente atinge boa parte do globo e também um interesse grande de comunicar com o máximo que a gente puder desse globo. Acho que já tá intrínseco mesmo, desde o jeito que a gente se apresenta, se veste, às letras em outras línguas que vêm do jeito que vêm mesmo, é o flow que a parada nasceu. Não rola aquele bloqueio de que não vai ser entendido ou algo assim, a gente faz pela arte mesmo, pelo certo. Sem forçar, sem pensar muito e as coisas vão saindo com essa cara mais global. Tem muita coisa nas nossas buscas, tanto musicais quanto identitárias, que já nos levam a esse não-lugar naturalmente.

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E com isso veio esse momento da caminhada que “começa” internacional. Selo gringo, shows nos EUA…
Acho que esse fluxo natural das nossas pesquisas acaba nos levando pra outros horizontes mesmo, chegando em outras pessoas que de repente enxergam nisso uma música brasileira futurista, repaginada, comunicando com o mundo e não mais presa a regionalismos. Claro que em determinado momento a gente percebeu “pô, isso aqui bate certo lá fora” mas a gente quer conectar com qualquer lugar, sem limites mesmo. Esse projeto é pra a gente despejar nossa arte sem se prender tanto aos resultados.

Quem é e qual o papel do Chief Boima no projeto? Como é essa relação de vocês com ele?
Essa relação com ele foi bem espontânea. Nos conhecemos no Rio e foi aquela coisa “cê é produtor né, vamo ouvir umas paradas e tal” e mostramos três bounces, nem tinha nada finalizado ainda mas no que ele ouviu já pirou e atentou pra isso de que nosso som comunicava também com outros lugares do mundo, na visão dele de pesquisador de música mesmo. Foi ele até que começou a abrir nossa mente pra esse lado porque a gente tava fazendo tudo de forma despretensiosa, mesmo sabendo que era algo diferente, mas era focado na arte, no conceito mesmo. E ele nos mostrou que isso poderia ter uma abertura no mercado internacional. Daí a gente decidiu produzir mais, sempre de acordo com nossos tempos, com nossos trabalhos com o Àttooxxá e OQuadro. Como ele é produtor, também ajudou a gente a encontrar esse caminho na produção, chegou junto em duas ou três faixas do disco também e rolou muita coisa interessante nessa troca. Daí ele propôs lançar pelo selo dele, INTL BLK (International Black), e usar as conexões que eles já tinham pra que a gente pudesse comunicar e alcançar outros níveis. Naturalmente foi tudo se encaixando e hoje tamo aqui com o CD e o vinil na mão, na atividade total.

O que são as vozes na intro do disco?
Isso vem de uma gravação de celular que eu (Ricô) fiz numa sessão de oração do budismo, com Marcelo Yuka. É de um mantra do budismo mesmo. Aquela frequência tava sintonizando tão bem comigo que eu quis gravar esse mantra e usar isso para abrir o disco.

Isso me leva a um elemento que é bem presente no disco, que é a espiritualidade permeando letras e também a musicalidade em si. De que forma vocês acham que isso entra na música do Ziminino?
O nome Ziminino já traz muito isso né, da ancestralidade. É uma expressão que vem da linguagem dos pretos velhos. De fato, esse é um elemento forte até na construção das melodias e harmonias. Já vem com uma certa religiosidade, é como se fosse uma oferenda musical mesmo. Algumas músicas inclusive foram feitas para alguns entes que já se foram, é um requiém para alguns ancestrais.

Com relação a concepção sonora, o álbum como um todo tem essa atmosfera de recriar elementos ancestrais e nossa ancestralidade vem muito de uma memória afetiva ou até de nosso imaginário. Em certo ponto eu acho que a gente encontrou isso nos beats, de trazer esses toques com uma visão mais diferenciada. A gente pegou muitos toques e recriou a partir de uma visão mais eletrônica, de loops, mantras… Tentamos transcrevê-los nos beats do disco, o que norteia é a posição desses toques dentro de uma musicalidade super contemporânea que a gente faz. Em todas as músicas a gente buscou promover essa junção, fazer isso ao nosso modo mas longe de querer criar algo religioso e sim querendo trazer essa atmosfera ancestral pra nossa música.

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